
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
E agora, Brasil?
Eliane de Andrade (SPRJ)
Há 525 anos de terra brasilis. Há, portanto, o mesmo tempo de colonização nestas terras.
A colonização começa pela força e evolui, no contemporâneo, para as tecnologias de efeito psicológico e ideológico, opacizando o valor do que é da terra e carregando nas identidades, gostos e idealizações por outros países. As tecnologias identificatórias vão se aprimorando, via mídia, escola, moda e aparelhos ideológicos de Estado, que descolorem o nacional em favor do internacional. O “lá fora” torna-se muito mais importante e visto como melhor do que o nacional.
Neste tempo todo, dos emplumados galardões das esquadras estrangeiras, às sombrias carapaças de coturnos e quepes, nunca tivemos o julgamento de um militar pelo Supremo Tribunal Federal.
Patentes e escuridão, violência e obscurantismo, são pares de iguais que nos rondam a todos desde sempre.
A novidade que se apresenta nos últimos vinte anos é a desautorização total daquilo que sempre foi considerado lei, valor, preceito. De repente as narrativas doméstica e pública tinham algo em comum: a negação.
Ignorare. Ignorância. Ignorante. Ignoto.
Verbo, substantivos, adjetivo. Mas é a qualidade psíquica, e não a qualidade linguística, que impõe o destino do que se vai ignorar.
Negare. Negacionismo. Negacionista. Negativo.
Se pensarmos que, como diz Caetano Veloso, a língua é a pátria, passou-se a negar a pátria. A mátria. A fratria. Tudo pode ser negado, principalmente aquela matéria em que me saí muito mal no colégio, aquele conceito que jamais entendi – como a Terra e os outros grandes corpos celestes serem esferoidais. E eu posso inventar uma nova verdade, aquela que eu quero!
Retornamos ao narcisismo pré-Copérnicano! E, com isso, a “liberdade de expressão” se torna uma cloaca.
Em tempos de “pós-verdade”, que é como se intitula a torção que se está fazendo dos dados da realidade atualmente, lutar para que não se esqueça jamais, é uma luta que parece descabida a muita gente.
“A nossa luta é pela volta da verdade” diz a jornalista Hildegard Angel, no youtubista 247.
E assim, sem grandes alvoroços, houve o julgamento pelo qual uma boa parcela da população – na qual me incluo – esperou muito. Mas o julgamento não soou como revanche, como acerto de contas. Afinal, alguns daqueles que julgaram já tinham deixado de se pronunciar em hora necessária há alguns anos. Ou melhor, julgaram à revelia da realidade… Mas agora, com o próprio STF ameaçado, talvez o narcisismo ou o colonialismo tenham podido se reavaliar, e a coragem para condenar patentes militares apareceu!
Ao ouvir o pouco que pude ouvir do julgamento transmitido em ao vivo, sondei meu sentimento de alegria, mas não o encontrei. Encontrei um sentimento de que a postura ligada à castração, à punição de quem atenta contra o outro, me foi ensinada como Lei. Então, o que encontrei dentro de mim foi o sentimento de que a lei estava se cumprindo. Mas sobrou sempre a pergunta: “Mas não deveria ser sempre assim?”
Assassinatos, envenenamentos, terrorismos, coisas das quais a população só tinha notícias em filmes. Talvez até, por falta de experiência, o golpe de 23 implodiu!
Não acredito que possamos ficar exultantes, dado o passado recente (embora os ministros que votaram pela condenação dos réus de 8 de janeiro de 2023 já estejam sendo considerados heróis), mas é um avanço.
E é muito avanço porque estamos sob ameaças do governo estadunidense, catapultadas por um brasileiro, filho de algo pouco nobre, que não se avexa de usar uma retórica revanchista política para esconder os medos que têm da nova ordem mundial, capitaneada pela China. Ameaças à nossa soberania brasileira, por sermos o único país do BRICS que não possui arma nuclear, e está na América! Afinal, como ousa a América do Sul não ser quintal da do norte?
Tempo de silêncio: pouca comemoração para um julgamento tão importante para a história tupiniquim. Pouca conversa na rua sobre o julgamento, sobre as condenações. Pergunto-me se o brasileiro da classe baixa, média ou alta tem claro para si o que é ser brasileiro. Se o conceito de “soberania”, de “pátria” é realmente compreendido pela população. Porque, afinal de contas, a Pátria está ameaçada explicitamente, foi dilapidada em sua representação de poderes e achincalhada por aquela parcela da população que, como sabemos da Psicologia de Grupo e Análise do Eu, pode ser levada a qualquer estado de fúria ou ignorância, desde que tendo um messias para insuflá-la.
Aterrorizante é a insistência na suposta possibilidade de anistia aos condenados, dado ser cláusula pétrea da Constituição Brasileira que crimes contra a Pátria não são anistiáveis.
Mas será que a torção da Lei vencerá com o Congresso atual?
Tudo isto nos faz ter que aprender mais sobre política, mas nos faz, ainda mais, aprender quão perigoso é permitir à ignorância grassar entre nós.
Oxalá vença a Lei!
Palavras-chave: Colonização, ideologia, lei, verdade, pós-verdade.
Imagem: Foto de Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Categoria: Política e Sociedade
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