
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Grupo de Atendimento Clínico (GAC) COWAP Brasil – prêmio IPA na Comunidade na categoria Violência, 2024/2025
Rosa Sender Lang (SPRJ, Criadora e coordenadora GAC COWAP Brasil), Daniel Matias (SPPC – Portugal), Denise Vasconcelos (SPMS), Ednéia Cerchiari (SPMS), Lenira Vasco (SPRPE), Lígia Somenzi (SPPA) e Mariangela Relvas (SPRJ/SBPCuritiba)
O Comitê Mulheres e Psicanálise (COWAP) da IPA no Brasil, no período da pandemia Covid 19, constatou um agravamento da violência intrafamiliar e organizou sete encontros científicos online para discutir esse tema. Essas reflexões levaram à criação do Grupo de Atendimento Clínico (GAC), em agosto de 2021, pela Psicanalista Rosa Sender Lang (SPRJ), representante do COWAP no Brasil, para a escuta do sofrimento psíquico de mulheres vítimas dessa violência e em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Desse período até junho de 2025, o GAC recebeu mais de 100 mulheres. Com o trabalho em curso, verificou-se a necessidade do atendimento também às crianças e adolescentes que vivenciam essa violência. Assim, em 2024, criou-se o GAC II dirigido a essa população.
Desde o seu início, psicanalistas e psicanalistas em formação, de diferentes Sociedades e Grupos de Estudos vinculadas à FEBRAPSI, aderem de forma voluntária a participar no GAC. O uso da modalidade online, em contexto emergencial, com o estabelecimento de até 12 sessões, tem permitido estender o atendimento clínico a populações antes inalcançáveis.
O GAC tem estabelecido parcerias com entidades públicas, que encaminham as mulheres com medidas judiciais em curso: o Centro Integrado de Atendimento à Mulher – Márcia Lyra (CIAM RJ), ligado à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro (RJ); o Projeto Borboleta, vinculado aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Fórum Central de Porto Alegre e ligado ao Poder Judiciário do Rio Grande do Sul (RS); o Nat-Vítimas, do Ministério Público do Estado de Goiás (GO) e o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MS).
O modelo de trabalho do GAC é inspirado no Método de Observação de Bebês de Esther Bick que compreende três momentos: o atendimento clínico, o registro escrito e a discussão clínica semanal em grupo, sob orientação e supervisão da coordenadora Rosa Sender Lang. O trabalho em grupo cria um espaço de continência e apoio ao profissional para a elaboração do intenso impacto emocional gerado pelas situações vivenciadas contratransferencialmente.
Quando a relação abusiva ainda está em curso, os profissionais lidam com a projeção massiva do desamparo e da dor, o que dificulta a capacidade de metabolização. Nos casos de mulheres com bebês e crianças pequenas acrescem uma série de preocupações com a integridade física e emocional de ambos. Nessas situações de atendimento mais críticas o profissional encontra a continência no grupo, onde poderá ser restaurada a sua capacidade de compreensão e elaboração. A existência do grupo passa a ser, gradualmente, interiorizada pelos profissionais como uma presença na ausência.
A importância de refletir sobre essa experiência motivou a criação de um projeto de pesquisa, intitulado: “A intervenção psicanalítica emergencial no enfrentamento da violência doméstica”, cujo objetivo é o de analisar os efeitos do tratamento emergencial numa abordagem psicanalítica.
Nesse sentido, são realizados estudos semanais sobre o tema da violência e a clínica do trauma. O atendimento dessas pacientes, atravessado pelas vivências traumáticas, expressas nas sensações corporais e no ato, exige do analista uma presença viva e sensível.
A intervenção nesta área é particularmente profícua já que, em muitos dos casos em que o trauma e a necessidade de sobrevivência psíquica é premente, observa-se uma capacidade única de receptividade à mudança psíquica.
Trabalhar no GAC representa uma oportunidade para os profissionais entrarem em contato com a realidade de uma população psíquica e socioeconomicamente vulnerável e assumirem o papel de responsabilidade social inerente ao ser psicanalista.
Todo esse esforço foi reconhecido na forma do prêmio de primeiro lugar no IPA in violence – IPA in the Community Award 2025. Receber esse prêmio da IPA é oreconhecimento de um trabalho coletivo que nasceu do encontro entre a escuta psicanalítica e o sofrimento humano nos contextos mais extremos da violência intrafamiliar. O prêmio não é apenas nosso, é também de cada mulher que encontrou em nosso dispositivo (GAC) uma chance de dizer o indizível e de cada profissional que sustenta a escuta em meio ao desespero.
O trabalho do GAC surgiu da urgência de oferecer acolhimento onde há silêncio, escuta onde há gritos abafados. Lidar com a violência que atravessa os lares exige coragem, ética e compromisso e um grupo sustentado pela transferência e pela solidariedade, que possa se lançar no campo da emergência psíquica sem sucumbir ao desamparo que ela impõe.
A psicanálise tem muito a contribuir com o social pela via da transformação subjetiva possível nas situações em que tudo parece ruir, convocando-nos a criar presença, tal como os vagalumes nas noites escuras.
Além dos autores deste ensaio, são também membros do GACI e GACII: Ângela Wirth (SPPA), Camila Arruda (SPRPE), Graciela Loch (SPPEL), Heloísa Quintans (UFPB), Idê Crispim (SPMS), Lizana Dallazen (SPPA), Luciana Carvalho (SBPMG), Maria Helena Storto (SBPSP), Petruska Passos (NPSSA), Rosangela Costa (SPPA), Sandra Abadia (SBPSP) e Stella Aranha (SPRJ)
Palavras-chave: COWAP Brasil, IPA na comunidade, combate à violência, Grupo de Atendimento Clínico (GAC), psicanálise
Imagem: desenho de Andrea Miranda
Categoria: Instituições psicanalíticas
Nota da Curadoria: O Observatório Psicanalítico é um espaço institucional da Federação Brasileira de Psicanálise, dedicado à escuta da pluralidade e à livre expressão do pensamento de psicanalistas. Ao submeter textos, os autores declaram a originalidade de sua produção, o respeito à legislação vigente e o compromisso com a ética e a civilidade no debate público e científico. Assim, os ensaios são de responsabilidade exclusiva de seus autores, o que não implica endosso ou concordância por parte do OP e da Febrapsi.
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