Observatório Psicanalítico OP 602/2025

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Entre Eu e o Outro, entre Nós e Eles, há sempre um “entre” a ser cultivado

Laerte Idal Sznelwar (SBPSP)

A discussão sobre o Oriente Médio sempre esteve presente em minha vida. Em 1948 após a partilha da Palestina, iniciou-se a primeira guerra entre Israel e os países da região. Os mapas da partilha mostram dois pequenos países, um praticamente dentro do outro. Não houve aceitação pelos Estados vizinhos e, prontamente, sete deles entraram em guerra contra o recém-criado Estado de Israel, com a promessa de implantar apenas um estado árabe na região.

Antes do final do Império Otomano não havia Estados nesta região, com fronteiras estabelecidas. As populações sempre existiram e a sua história remonta a épocas bem remotas, como a dos Fenícios, Assírios, Hebreus, Mesopotâmios, entre outros. Isto é intrigante! Já paramos para pensar quando se deu a independência da Síria, do Líbano, da Jordânia? Todos fizeram parte do Império Otomano e, com o seu fim, de algum protetorado, inglês ou francês. Quem definiu as suas fronteiras? Quais povos ou nações deixaram de ser contemplados com um Estado, ficando à mercê da boa vontade de outros? Será que, por exemplo, a aspiração nacional de armênios, curdos e drusos foi respeitada nessa divisão? Vejamos também como são perseguidos e mortos por diferentes governos da região.

Em todas as ocasiões em que houve algo próximo de um acordo de paz, os processos em curso, foram abortados e, consequentemente a violência continuou. Violência que sempre favoreceu o desenvolvimento de sentimentos e de ações de cunho fascistóide. Sentimentos que redundaram em ações destrutivas, de mortes, impetradas contra os palestinos e contra os israelenses. O ressentimento, seja de que lado for, é a fonte de calor para incubar o “ovo da serpente”. A desgraça que atinge em cheio as populações israelense e palestina não pode ser minimizada. 

Comparações rápidas e rasas entre guerras distintas são um desserviço à compreensão do que está ocorrendo, ainda mais quando se utiliza termos bastante controversos como holocausto ou genocídio dos palestinos. É muito importante não banalizar o uso de palavras, sempre carregadas de símbolos e significados. Será que o governo atual de Israel tem planos para exterminar 20% de sua população, formada sobretudo por palestinos muçulmanos? O que pensar daqueles que propagam uma “Palestina Livre, do rio ao mar”? Qual é a proposta, expulsar, matar, converter os israelenses, principalmente os judeus?

Talvez não haja palavras apropriadas para designar a matança que ocorre em Gaza que me parece generalizada e indiscriminada. Também não as encontro para o que fizeram os integrantes do Hamas e de outras facções fundamentalistas islâmicas. Estuprar, queimar, cortar, torturar reféns, entre outras ações, não podem ser considerados como atos de guerra e, muito menos de “resistência ao ocupante”.

O eles fizeram com toda a dinheirama que receberam do Irã e do Catar? Escolas, creches, hospitais, sistemas de irrigação, entre outros ou um sistema de túneis e construir armamentos. Isto sem falar na aplicação restrita da Charia. Os oprimidos pelo Hamas que tenham a palavra….

É importante frisar que interpretações sobre o Antigo Testamento feitas literalmente, são perigosas. Isto é o que fazem os fundamentalistas de todas as religiões. O judaísmo não se restringe àquilo que está na Torah. Lembremos a riqueza dos livros de discussão, de controvérsia e interpretação das leis, em especial, a dos dois Talmud.

Com exceção dos tempos bíblicos, os judeus conviveram com seus primos muçulmanos, mas não tinham poder, não eram governo. Considerados como protegidos pelos governantes, como cidadãos de segunda classe (dhimmi), não tinham acesso ao poder, exceto como conselheiros. Isto não significa que estavam isentos de perseguições e, por vezes, de pogroms, impetrados pelas populações locais. Talvez isto tenha algo a ver com a discordância dos países árabes em aceitarem um Estado judeu soberano naquela região. Se fosse na Sibéria, como proposto e instalado na antiga União Soviética, à época de Stalin seria aceitável. Trata-se da província autônoma judaica (oblast), cuja capital é Birobidjan (as línguas oficiais são o russo e o ídiche). Também seria aceitável se fosse em algum lugar da África. 

Quem sofre mais com a guerra em curso? Quem teve mais perdas, quem é a vítima e quem é o algoz? Cada um vai dizer que sofre mais que o outro e, tem suas razões. É horrível e inescusável acolher a morte de filhos em seus braços devido à fome, aos bombardeios, a atos terroristas, a doenças transmissíveis, a facadas, tiros … Como pensar nos traumas subsequentes relativos a sobreviver. Como essa geração de israelenses e palestinos vai superar os traumas dessa guerra sem fim, se é que isso é possível?

Será que há solução para esses processos de matança e de ódio? Será que a luta constante entre Tânatos e Eros, que nos atravessa, pode ter uma bela e duradoura trégua? Será que a luta constante por um processo civilizatório, sempre lábil, fruto de um trabalho da cultura, pode ter resultados mais efetivos? Será que podemos gostar do outro, uma vez que a tolerância não basta; o “unheimliche” é parte integrante de nós. Será que podemos entender que a morte do outro é, em parte, a nossa própria morte?

Isolar o problema como se fosse uma questão entre israelenses e palestinos é, no mínimo uma ultra simplificação. O problema é regional. As guerras desde 1948, tiveram a participação de vários Estados da região, não foram conflitos bilaterais, inclusive a atual. 

Mantenho a ilusão e a esperança de que a ideia de basear a paz na região nos trilhos e caminhos dos Acordos de Abraão, deve ser o caminho a ser construído e reforçado. Os acordos de paz precisam ser construídos sob uma perspectiva complexa que não pode ser pautada em visões restritivas, sem considerar a multiplicidade de variáveis e interesses em jogo.

Também não posso ser muito inocente e pensar que não haja interesses econômicos muito fortes em jogo. Se a paz interessar aos poderosos e aos detentores do capital, há mais chance de que algo aconteça no caminho da paz.

Apesar de alguns o afirmarem, não é possível imputar a existência de Israel como fruto do capitalismo e do “Império Estado-Unidense”, a coisa é muito mais complicada. Não podemos esquecer que as armas usadas pelos israelenses em 1948 foram oferecidas com autorização e talvez, apoio, do camarada Stalin, através da Tchecoslováquia. À época, os Estados Unidos da América não forneceram armas para os israelenses, isto é muito mais recente. Antes deles, os franceses e outros, também foram fornecedores de armamentos. Os interesses mudam, assim como os “aliados”.

Israel é um país composto por pessoas de origens distintas, coalhado de diferentes pontos de vista, de posições políticas, de interesses. Fica a impressão de que é um país com as mesmas contradições que constituem todos os agrupamentos humanos. Pensar os judeus sejam diferentes dos outros é um modo de segregação, de racismo. Nem melhores, nem piores, são apenas humanos com tudo de bom e de ruim que somos.

Minha posição é e sempre será uma posição (brasileiro, judeu e constituído a partir de inúmeras influências culturais e étnicas); é de onde consigo enxergar o outro, ser empático, compadecer, ter raiva, ser invejoso, odiar, amar. Não podemos esquecer que vivemos sob a influência de dogmas, de mentiras propaladas como grandes verdades, de pensamentos de empréstimo, a fenômenos de massificação e (des)subjetivação, de submissão voluntária, entre outros, que produzem um empobrecimento das nossas capacidades de refletir e elaborar.

Não deixa de ser uma presunção minha escrever sobre o que os outros, naquela região do mundo vivem, experenciam, sofrem. Todavia eu sinto que preciso expressar aquilo que consigo expressar. E isto não é tudo!

Parabéns ao OP e à Diretoria da Febrapsi pelos posicionamentos e condução dos trabalhos! Aos colegas, pelos posicionamentos e pela aprendizagem que me propiciaram.

Palavras-chave: O entre, Dúvidas, Ilusão, (Des)Subjetivação, Oriente Médio

Imagem: Foto do autor. As flores brotam nos galhos e se misturam criando a beleza do espaço comum, de convivência, pela força da natureza e pelo cuidado de parte dos humanos com o mundo, que cultivam o “entre”. É o que fazem os povos originários e a proposta hebraica de « tikum olam ».

Categoria: Política e Sociedade

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Tags: Dessubjetivação | Dúvidas | Ilusão | O entre | oriente médio
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