Observatório Psicanalítico OP 596/2025

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

A dor não tem fronteiras
Em homenagem a Adolfo Stifel*

Ana Rosa C. Trachtenberg (SBPdePA) e Katia Wagner Radke (SPPA)

Desde o ataque brutal perpetrado pelo grupo terrorista Hamas, em 7 de outubro de 2023, a dor espalhou-se intensamente mundo afora. 

O sofrimento atinge, sem dúvida, tanto palestinos quanto israelenses.

Um dos pontos que tem nos causado perplexidade é a banalização do ocorrido, banalização que nos remete à desmentida; o quê fica explícito diante das raras referências aos abusos, às mortes e ao drama dos reféns que ainda permanecem em Gaza.

É importante reconhecer que o governo Netanyahu, com sua condução autoritária e autocentrada, tem agravado o conflito e merece críticas. No entanto, nos perguntamos: por que a lembrança do 7 de outubro tem sido tão apagada? Por que, com tanta frequência, vemos manifestações condenatórias apenas contra Israel? Essa assimetria nos atravessa e nos causa imensa dor.

Desmentir tal chacina é permitir que a narrativa escorregue para distorções perigosas, como o crescimento do antissemitismo, que se manifesta hoje de forma cada vez mais visível no mundo e, aqui, entre nós.

A paz exige escuta e a capacidade de sustentar a complexidade.

Escolher apenas um dos lados, de forma cega, empobrece o pensamento e silencia partes importantes do todo.
Acreditamos firmemente na necessidade de dois Estados: Israel e Palestina coexistindo com soberania, segurança e dignidade. No entanto, o slogan “Palestina livre do rio ao mar” comunica, de forma explícita, o desejo da eliminação do Estado de Israel. Por que tão poucos se posicionam a respeito?

Não se trata de relativizar a violência, mas de reconhecer que onde há unilateralidade, há silenciamento de uma parte do todo. E onde há silenciamento, há perpetuação do trauma.

A dor não habita apenas um dos lados.
O luto, a perda e o terror não têm uma única língua, uma única bandeira, uma única fé.

Como psicanalistas, sabemos que, quando o ódio se instala de forma absoluta, o pensamento  tende a ficar comprometido. Escutar a nossa dor e a dor do outro talvez possa ser o primeiro passo para que o humano não se perca.

Nosso compromisso é com a vida, com o pensamento e com a travessia possível entre a dor e a dignidade.

E com o sonho, ainda que ameaçado, de que dois povos possam viver lado a lado, sem que um precise desmentir a existência do outro para afirmar a sua própria.

Temos observado, assustadas, a expressão de um antissemitismo estrutural, uma forma de preconceito grave, inconsciente, o qual tem se tornado mais “aparente” entre nós e o que tem nos preocupado e nos desacomodado sobremaneira. Ao nosso ver, comprometendo a imagem  de psicanalistas ligados à Febrapsi.

*Nossa homenagem a Adolfo Stifel, professor universitário na Alemanha e sobrevivente do Holocausto. Costumava circular pelos corredores da Universidade Federal do RS, em Porto Alegre, relembrando seus alunos dizimados pelo nazismo. Precisava viver entre os jovens. Era uma figura folclórica, querido por todos — em especial quando, com seu sotaque típico, dizia: “O amor não tem fronteiras”

Palavras-chave: Guerra, Antissemitismo, Israel, Hamas, Desmentida.

Imagem: A imagem retrata a obra “Desespero” (em alemão, “Verzweiflung”) de Edvard Munch, um óleo sobre tela datado de 1894

Categoria: Política e sociedade

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Tags: Antissemitismo | Desmentida | guerra | Hamas | Israel
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