Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Há igualdade de gênero entre médicas e médicos no Brasil?
Sylvain Levy – SPBsb
Com esse título o MEDSCAPE, publicou uma pesquisa feita on line com 1544 médicos e médicas atuantes no Brasil, entre maio e agosto de 2024. O MEDSCAPE é uma comunidade internacional de informação médica, com site na Web, que oferece dados, informações e conhecimentos atualizados, além de fazer pesquisas e possibilitar formação continuada. O nível de confiança para essa pesquisa é de 95%. Como a muitos e muitas psicanalistas têm por origem a área da medicina, o Observatório Psicanalítico considera que essa pesquisa pode ser do interesse.
Alguns resultados chamam a atenção e permitem observações. A primeira questão era sobre quais as maiores preocupações no trabalho. Para 32% dos homens e 24% das mulheres era o salário ou a remuneração; a segunda e terceira preocupações entre os médicos, com 21% de citações, foram tanto o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal, como a sobrecarga de trabalho. Entre as mulheres essas preocupações foram, respectivamente, de 24% e 18%.
Pode-se pensar que o homem provedor se alinha com o homem poderoso para pensar em remuneração mais incisivamente que a mulher.
Mas nesse primeiro quesito o que chama mais atenção foram as pequenas percentagens para dois itens: assédio sexual foi preocupação apenas de 1% das mulheres e igualdade e diferenças entre homens e mulheres preocupa apenas 4% das mulheres. Isso coloca algumas dúvidas: os assédios e as diferenças não existem, existem e não são percebidos ou são negados? Essa questão poderá ser revista com a pergunta 6, logo abaixo.
A segunda questão foi sobre o impacto do gênero no âmbito da promoção na carreira e na remuneração, o que trouxe nova surpresa. Apenas para as mulheres do grupo denominado millennials (de 25 a 39 anos) o gênero repercute de modo negativo num percentual elevado, de 29%. É importante lembrar que é nessa faixa etária que se inicia e se impulsiona a carreira, sendo uma de suas etapas mais ricas e produtivas. Caso esses dados sejam fidedignos, a situação na medicina deve ser considerada singular e como exemplar para todas as demais profissões, pois a grande maioria diz não perceber impacto do gênero na promoção e remuneração na carreira.
A questão de número 3 indaga se o gênero facilita convites para dar palestras e aí aparece que, para 32% das mulheres o gênero repercute negativamente nos convites, o que aponta uma contradição com o que é percebido no ambiente de trabalho.
Quando é indagado se já vivenciou situações de desigualdade de gênero em seu trabalho, 32% dos médicos e médicas indicaram que sim. Os resultados mostram que situações de desigualdade de gênero são mais duas vezes mais percebidas pelos mais jovens, entre 25 e 39 anos, com 59% para as mulheres e 30% para os homens millenials. Na chamada Geração X (dos 40 aos 54 anos) essa proporção é até maior, pois 38% das mulheres e 18% dos homens já vivenciaram situações de desigualdade em seus ambientes de trabalhos.
Em relação a funções de chefia e supervisão, os médicos as ocupam um quarto de vezes a mais que as médicas, 41% para eles e 31% para elas.
Um ponto interessante a assinalar diz respeito a habilidade para negociar o próprio salário. 73% dos homens se consideram capacitados para isso, enquanto este percentual cai para 54% nas mulheres. Resultado ligado à uma possível percepção de auto fragilidade feminina ou a constatação de que o ser mulher é visto pelo outro como passível da imposição de sua vontade?
Na ambição não existe diferença significativa. 62% dos médicos deseja crescer na carreira e 64% das médicas também o querem.
Outra diferença de 25% surge numa questão bastante subjetiva: “Você sente que precisa modificar sua personalidade ou maneira de ser para ser levado(a) a sério no trabalho?”. 48% dos médicos responderam que sim, mas esse percentual sobe para 62% quando respondido pelas mulheres.
As mesmas questões sobre o que mais afeta os(as) médicos(as) abordaram dois grandes grupos etários, os com menos de 45 anos e o outro acima dessa idade.
As condições mais impactantes para ambos os grupos, em percentuais similares, são o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal e o equilíbrio entre o trabalho e a criação dos filhos e, surpreendentemente, a discriminação por idade. Nos dois grupos a discriminação por idade é percebida por 25% dos homens com mais de 45 anos e 19% para aqueles com menos de 45 anos. Dentre as mulheres esses números são de 25% para as médicas com menos de 45 anos e de 30% com mais dessa idade.
No entanto, duas outras condições afetam o trabalho desses profissionais: a igualdade de gênero e o assedio sexual no trabalho. Se recordarmos a pergunta número 1, “quais as maiores preocupações no trabalho?”, a igualdade entre homens e mulheres preocupava apenas 4% das mulheres e o assedio sexual no trabalho à apenas 1% delas. Entretanto, fracionando esses dois quesitos por faixas etárias, essas mesmas questões ganham outros pesos nas respostas. No grupo mais experiente (+ de 45 anos), 9% dos homens e 21% das mulheres considera que a desigualdade de gênero afeta no trabalho e no grupo com menos de 45 anos esses percentuais sobem respectivamente para 13% e 27%, ou seja mais que o dobro da mulheres em relação aos homens identifica que o ser mulher influencia o ambiente de trabalho.
O assédio sexual no trabalho afeta a 4% das médicas e 2% dos médicos na faixa de idade acima dos 45 anos, porem na faixa inferior a 45 anos o assedio afeta a 11% dos homens e 21% das mulheres. Muitas vezes superior ao 1% da primeira resposta.
A diferença entre os gêneros pode ficar ainda melhor caracterizada quando se analisa a inclusão na pesquisa da situação prosaica, mas não pueril, de quando o médico é confundido com profissional de outra categoria, como enfermeiro, psicólogo ou nutricionista, entre outros. 35% dos médicos afirmam que já foram confundidos, enquanto para as médicas esse percentual quase dobra, atingindo aos 65%.
Outras diferenças importantes dizem respeito a relação entre profissão e desempenho familiar. Para 28% dos homens a profissão interfere no desempenho familiar, mas para as médicas essa interferência dobra, pois são 57% as que a relatam. Quando um filho fica doente, 38% das médicas cuidam do filho e apenas 3% dos médicos o fazem. Somente 10% das mulheres passam essa atribuição aos cônjuges, percentual que sobe a 47% no caso dos homens. A pandemia de COVID fez com que 64% dos médicos e 75% das médicas repensassem o trabalho e a carreira.
É possível concluir, com base nessa pesquisa, que existe alguma relutância para as médicas admitirem que sofram de assedio sexual no ambiente de trabalho. Que para ambos os sexos a discriminação por idade interfere na carreira. Que a dupla jornada laboral – no trabalho e em casa – impacta mais para as médicas do que para os médicos. Que para a população em geral a profissão médica é mais compatível com o gênero masculino. E que, embora pouco explicitada e algumas vezes disfarçada nas pseudo igualdades salarial e de cargos de chefia, a diferença de gênero, ou mais especificamente, o fato de ser mulher afeta negativamente a carreira das médicas.
(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)
Categoria: Política e Sociedade
Palavras-chave: Desigualdade, Gênero, Trabalho, Salário, Pesquisa
Imagem do filme sobre a artista Artemísia Gentileschi (1593-1653). São poucas as artistas que aparecem na historiografia oficial antes das impressionistas, apesar de existirem muitas. Elas são conhecidas na historiografia como artistas invisíveis.
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