Olá pessoal boa tarde,
Publicamos hoje o oitavo ensaio escrito por psicanalistas candidatos a nos representar no Board da IPA. O ensaio é de Dalia Guzik, nossa colega da AMIPEP (México), OP 570/2025, intitulado “Desesperança vs Reparação?“.
Boa leitura a todas e todos.
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Desesperança vs Reparação
Dalia Guzik – AMPIEP México
Agradeço a oportunidade que o Observatório Psicanalítico nos dá de escrevermos, nos comunicarmos e pensarmos juntos. Isso é essencial, pois, na psicanálise, na política e na história, não existem verdades absolutas, e a única proteção que temos contra nossos próprios pontos cegos, nossos preconceitos e ansiedades diante da adversidade, é preservar a possibilidade de nos ouvirmos e nos confrontarmos mutuamente em um contexto de respeito e elaboração.
Não há nada mais reparador do que os vínculos. E, sem dúvida, vivemos hoje um cenário global extremamente complexo e turbulento, que nos confronta com ansiedades significativas, nossos preconceitos e realidades subjetivas em conflito – um ambiente que ameaça tanto os vínculos internos quanto os externos.
Em uma conferência no Peru, em 2018, ouvi Lord John Alderdice falar sobre o pêndulo da história. Ele mencionava que, aproximadamente a cada 100 anos, há um movimento histórico contrário ao anterior: após um período liberal e de avanços democráticos, segue-se uma fase de regressão autocrática e temores intensos em relação às liberdades conquistadas. Eu não imaginava quão rapidamente testemunharíamos uma drástica oscilação desse pêndulo.
Como já mencionei anteriormente, os psicanalistas não podem exercer a psicanálise desconectados do contexto social e cultural vigente. Essa realidade nos envolve, nos impacta e introduz diversos elementos em nosso trabalho clínico, em nossas instituições e na formação psicanalítica. O mesmo ocorrerá conosco como candidatos à diretoria da IPA: estaremos imersos em um ambiente específico que influenciará nosso trabalho, caso sejamos eleitos. Alguns elementos desse contexto estarão diretamente relacionados a temas centrais que discutiremos e que dizem respeito à nossa prática, aos conflitos institucionais e às necessidades locais e globais.
Ao refletir sobre este ensaio, lembrei-me de um texto que escrevi em 2020 para a mesa do Observatório Psicanalítico no congresso da FEPAL daquele ano. O tema era “A crise da democracia ultrapassa fronteiras”. Que oportuno, e cada vez mais atual, segue sendo esse o tema proposto pelo OP. Naquele momento, estávamos no auge da pandemia, lidando com enormes incertezas sobre o futuro, sobre nossa saúde, e enfrentando desafios imensos – não apenas sociais, mas também individuais e psicanalíticos. Cinco anos depois, ao ler as notícias, tem-se a impressão de que nada aprendemos com nosso passado recente e remoto.
Como uma expressão ameaçadora da compulsão à repetição – talvez fruto da incapacidade de reparação e de elaboração do luto pós-pandemia, talvez como resposta à onipotência perdida naquela fase, entre outros fatores –, a crise da democracia se alastra de forma avassaladora e atravessa fronteiras em todo o planeta. Sem dúvida, em nosso continente, isso se torna evidente diante da mudança de governo nos Estados Unidos em janeiro de 2025. Além disso, na América Latina e no mundo, observamos um poderoso retorno de movimentos que ameaçam as liberdades, a igualdade e inúmeras conquistas alcançadas ao longo dos anos. Talvez seja o pêndulo da história que nos faz testemunhar a ascensão de movimentos populistas e autocráticos, nos quais vemos a exaltação do poder absoluto antidemocrático, do preconceito e da cisão. A exaltação do ressentimento como ferramenta, a perseguição e a intolerância à diferença ou à dissidência.
Não é a primeira vez que a psicanálise enfrenta um ambiente adverso dessa natureza. Essa dinâmica fez parte de sua evolução e marcou seu desenvolvimento de maneiras importantes antes e depois das guerras mundiais do século passado. Ainda assim, como filha dos séculos XX e XXI, como psicanalista, mulher, latina, pertencente a uma minoria e como alguém que busca estar consciente da história, ainda me parece assombroso testemunhar o ressurgimento de cenas que antes habitavam apenas nossos pesadelos. Acontecimentos que lemos nos livros de história sobre outras épocas ou que foram parte de dolorosas narrativas familiares e sociais: racismo, antissemitismo, xenofobia, desaparecimentos, intolerâncias diversas.
Nas notícias recentes da IPA, Harriet Wolfe compartilhou que um evento em que um colega psicanalista dos Estados Unidos participaria foi cancelado por uma instituição, com base nas “ordens executivas da presidência de Trump” sobre diversidade e gênero. Isso não parece um roteiro cinematográfico sobre o macartismo dos anos 1950? E até que ponto nos distanciamos das lembranças e histórias da América Latina sobre perseguições durante as ditaduras, sobre os desaparecidos e perseguidos políticos? Sobre os psicanalistas perseguidos em países como Brasil e Argentina? Sobre o medo de trabalhar com populações em risco? Receio que qualquer semelhança com a realidade atual NÃO seja mera coincidência.
Mas a questão é: qual será o impacto desses elementos globais sobre nós? Sobre o pensamento psicanalítico contemporâneo? Como isso se infiltrará em nossas teorias, discussões, instituições e consultórios? Em que medida “a crise da democracia” e “o pêndulo da história” podem bater à porta do movimento psicanalítico e de suas instituições, ameaçando seus avanços e conquistas democráticas?
Em tempos como este, entre outras reações, podem prevalecer tendências à melancolia, ao desespero, à negação ou à mania – respostas comuns diante de aspectos disruptivos e traumáticos. Frente aos aspectos regressivos e tanáticos da incerteza, podemos nos sentir imersos em uma dialética entre esperança e desesperança. Esse cenário nos confronta com nossas possibilidades e necessidades de contenção, com as capacidades reparadoras que desenvolvemos. O tema da vivência do reparável e do irreparável sempre me interessou, possivelmente por minha própria história. Neste momento, é necessário convocar nossas potencialidades elaborativas para enfrentar a vivência do irreparável, que pode se infiltrar de maneira insidiosa.
Kaës (1997, p. 10) afirma:
”…não obstante estarmos aprisionados no próprio movimento dessas regressões, recorremos à experimentação criativa de novos estilos de relação e expressão, à busca aberta ao jogo dos antagonismos, aos azares do desordenamento, à invenção de novos equilíbrios. Aqui encontramos algo que, há pouco tempo, na linguagem religiosa, se chamava esperança – ou seja, encontramos o desejo de viver, a despeito de, e não renegando, a morte”.
Como incorporamos a esperança à nossa tarefa psicanalítica, sem entrar em questões de fé religiosa e pensamento mágico?
Para Kaës, a psicanálise dispõe de meios para um enfrentamento diferente, pois promove uma elaboração permanente da crise como parte do modo de existência da psique humana.
“Sem dúvida, essa preocupação com a crise e essa expectativa de compreender suas formas de elaboração, de ativar as condições para sua superação, são uma tentativa de esperança: é necessário que uma ordem além (meta) sustente a antecipação criadora vital, ainda que seja apenas o homem e seu conhecimento sobre suas próprias ilusões.” Kaës (1997, p. 10)
Outro elemento de esperança encontra-se no potencial reparador dos vínculos. O vínculo psicanalítico e nossos vínculos institucionais possuem um potencial simbolizante e reparador (Weiss, 2020). Eles podem favorecer a possibilidade de nomear o inominável, promover o pensamento e a subjetivação.
Nesse contexto, podemos pensar e empatizar com a ajuda da teoria, sem considerá-la um axioma inquestionável. Podemos nos aproximar da compreensão do traumático e do não simbolizado, contê-los dentro do vínculo e do processo analítico ético, assim como vertê-los em nossos escritos ou reuniões conjuntas. Nossa teoria e técnica também nos lembram da relevância do luto pessoal e coletivo, dos perigos da passagem ao ato e da somatização. Elas nos explicam o temor ao outro e a função do preconceito, o porquê das tendências paranóides e das fúrias narcísicas.
Não podemos idealizar o alcance dos processos pessoais e precisamos tolerar as limitações de nossa ferramenta. O trabalho no consultório, provavelmente, não será suficiente para conter o impacto do que vivemos. No entanto, se renunciarmos à onipotência maníaca, poderemos intervir na comunidade, aplicando o pensamento analítico a projetos coletivos que favoreçam processos de contenção e elaboração.
Continuar com esses projetos e aprender com o contato com populações em situação de adversidade transforma e permeia a escuta analítica, nos protege da recusa da realidade e nos confronta com nossos próprios preconceitos em relação à diversidade, à necessidade de uma psicanálise com perspectiva de gênero e aos medos que temos de romper o silêncio diante da violência e do abuso em suas diversas manifestações (Berman, Guzik, Jiménez, Oñate, Rojas, 2019).
A resistência ao poder autoritário dificilmente pode ser enfrentada sem organização coletiva e sem a aceitação profunda, por cada indivíduo, dos direitos que lhe cabem em uma democracia. Isso exige uma mudança psíquica essencial, e não apenas o conhecimento objetivo das leis. Observamos esse aspecto de maneira específica no trabalho com o tema da violência de gênero, ou seja, não basta que as pessoas (em nossa experiência particular, as mulheres) conheçam seus direitos; é necessário um movimento interno que permita contrabalançar os obstáculos psíquicos que dificultam a apropriação de seus direitos legítimos (Berman, Guzik, Jiménez, Oñate, Rojas, 2019, 2022). Esse trabalho poderia ser mais um dos canais reparadores que a psicanálise pode favorecer.
É uma discussão em aberto se a psicanálise pode permanecer neutra diante de situações políticas e sociais. O papel do psicanalista em seu vínculo com o paciente não é necessariamente equiparável ao seu papel diante da comunidade e dentro das instituições psicanalíticas. O trabalho em nossas instituições também está exposto a tendências paradoxais e tanáticas, como parte estrutural de qualquer grupo e instituição (Enriquez, 1987). Nossa tarefa é perceber e abordar esses aspectos sem negá-los, a fim de favorecer sua elaboração e processos criativos de reparação.
Retomando a dialética entre esperança e desesperança, sabemos que essa tensão está presente em todo processo analítico, em nossa vida social e institucional. Uma tensão inescapável que requer processamento constante. Como já mencionei, acredito que a função reparadora provém, em grande medida, dos vínculos. Por isso, convido todos a seguirmos vinculados por meio do diálogo, da reflexão e do debate conjunto, construindo processos reparadores frente aos desafios e crises que sempre existirão.
Reitero minha gratidão pelo espaço proporcionado pelo OP.
Bibliografía
Berman, R, Guzik, D, E, Jimenez, E.,Oñate, C, Rojas, R (2019). The group as a mirror: working with normalized gender violence introjected in Mexican female identity. Trabajo presentado en el congreso de Londres 2019. Proyecto ganador del premio API en la comunidad en la categoría violencia.
Enriquez, E. (1989).El trabajo de la muerte en las instituciones. En “La institución y las instituciones. Estudios Psicoanalíticos”. Paidos, Argentina. Cap.3
Kaës, R. et.al (1997). Crisis, Ruptura y Superación. Análisis transicional en psicoanálisis individual y grupal. Colección Texto y Contexto. Ediciones Cinco. Argentina.
Weiss, H. (2020). Trauma, Guilt and Reparation. The Path from Impass to Development. Routledge, Taylor & Francis Group, London and New York.
(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)
Categoria: Política e Sociedade; Instituições Psicanalíticas
Palavras chave: Psicanálise, Reparação, Desesperança, Vínculos reparadores, Adversidade
Imagem: Vendedoras de Liírio – Diego Rivera
Os ensaios do OP são postados no site da Febrapsi. Psicanálise e Cultura. Observatório Psicanalítico.
E também no Facebook. Clique no link abaixo para debater o assunto com os leitores da nossa página:
https://www.facebook.com/
Nossa página no Instagram é @observatorio_psicanalitico
E para você, que é membro da FEBRAPSI e se interessa pela articulação da psicanálise com a cultura, inscreva-se no grupo de e-mails do OP para receber nossas publicações. Envie mensagem para op.febrapsi@gmail.com
______________________________________________________________________________________
Texto original em espanhol
Observatório Psicanalítico OP 570/2025
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Desesperanza vs reparación
Dalia Guzik – AMPIEP México
Agradezco la oportunidad que nos da el Observatorio Psicoanalítico, para escribirnos, comunicarnos y pensarnos juntos. Esto es esencial ya que en psicoanálisis, en política, en historia, no existen verdades absolutas y la única protección que tenemos frente a nuestros propios puntos ciegos, nuestros prejuicios y ansiedades ante la adversidad, es preservar la posibilidad de escucharnos y confrontarnos mutuamente en un contexto de respeto y elaboración.
No hay nada más reparador que los vínculos. Y sin duda, hoy en día estamos ante un escenario global muy complejo y convulsionado que nos confronta con importantes ansiedades, con nuestros prejuicios y realidades subjetivas en conflicto, un entorno que amenaza los vínculos internos y externos.
En una conferencia en Perú en 2018, escuché a Lord John Alderdice hablar del péndulo de la historia. Mencionaba que aproximadamente cada 100 años hay un movimiento histórico contrario al anterior: frente a una etapa liberal y de alcances democráticos vendrá un etapa de regresión autocrática y temores intensos frente a las libertades obtenidas. No me imaginé lo pronto que seríamos testigos del oscilar drástico de ese péndulo.
Como he mencionado en otra oportunidad, los psicoanalistas no podemos ejercer psicoanálisis desconectados del entorno social y cultural vigente, Esta realidad nos envuelve, nos impacta e introduce elementos diversos en nuestro quehacer clínico y en nuestras instituciones y formaciones psicoanalíticas. Eso mismo nos sucede como candidatos a representantes del board de la API: estaremos inmersos en un entorno particular que matizará nuestro trabajo si somos electos. Algunos elementos de ese contexto se relacionará de manera fundamental con temas centrales que discutiremos y que conciernen a nuestra práctica, a nuestros conflictos institucionales, nuestras necesidades locales y globales.
Al pensar sobre el presente ensayo, recordé que en el 2020 escribí un trabajo para la mesa del observatorio psicoanalítico en el congreso FEPAL de ese año. El tema era La crisis de la democracia traspasa las fronteras. Qué terriblemente oportuno y cada vez más vigente sigue siendo este tema propuesto por el OP. En ese entonces, estábamos inmersos en plena pandemia, con enormes incertidumbres sobre nuestro futuro, nuestra salud y lidiando con enormes desafíos no solo sociales, sino como individuos y como psicoanalistas. Cinco años después, al leer las noticias, da la impresión de que no hemos aprendido nada respecto a nuestro pasado reciente y remoto.
Como una expresión amenazante de la compulsión a la repetición, quizá de la incapacidad de reparar y de elaborar el duelo post pandemia, quizá como respuesta a la omnipotencia perdida en esa etapa y muchos factores más, la crisis de la democracia se extiende de manera abrumadora y cruza las fronteras en todo el planeta. Sin duda, en nuestro continente esto resulta más que evidente frente al cambio de gobierno en Estados Unidos en enero de 2025. También, observamos en América Latina y en el mundo, un poderoso retorno a los movimientos que amenazan las libertades, la igualdad y muchos logros obtenidos a través de los años. Será quizá el péndulo de la historia lo que nos hace testigos de movimientos populistas, autocráticos, en los que observamos la exaltación del poder absoluto antidemocrático, el prejuicio y la escisión. De la exaltación del resentimiento como herramienta, la persecución y la intolerancia respecto a la diferencia o la disidencia.
No es la primera vez que el psicoanálisis enfrenta un entorno adverso de esta naturaleza, fue parte de su evolución y marcó su desarrollo de importantes maneras antes y después de las guerras mundiales del siglo pasado. A pesar de ello, como hija del siglo XX y XXI, como psicoanalista, como mujer, latina, perteneciente a una minoría y como alguien que quisiera estar consciente de la historia, aún me parece asombroso que veamos resurgir escenas que eran parte de nuestras pesadillas. Sucesos que leímos en los libros de historia sobre otras épocas, o fueron parte de dolorosas historias familiares y sociales. Racismo, antisemitismo, xenofobia, desapariciones, intolerancias diversas.
En las noticias de API del último mes, Harriet Wolfe, nos comparte que un evento en el que iba a participar un colega psicoanalista en Estados Unidos, fue cancelado por una institución argumentando las “órdenes ejecutivas de la presidencia de Trump” sobre diversidad y género ¿No parece un guión cinematográfico sobre el macartismo de los 50? ¿Y qué tan lejos nos deja de los recuerdos e historias en nuestra América Latina sobre las persecuciones durante las dictaduras, los desaparecidos y perseguidos políticos? ¿De los analistas perseguidos en lugares como Brasil y Argentina?¿Del miedo por trabajar con alguna población en riesgo? Me temo que cualquier semejanza con la realidad actual NO es solo coincidencia.
Pero la pregunta es ¿Cuál es y será el impacto de estos elementos globales sobre nosotros? ¿Sobre el pensamiento psicoanalítico contemporáneo?¿Cómo se filtrará en nuestras teorías, en nuestras discusiones?¿En nuestras instituciones y en nuestros consultorios? ¿En qué medida “la crisis de la democracia”, “el péndulo de la historia”, puede tocar la puerta del movimiento psicoanalítico y sus instituciones, amenazando sus progresos y logros democráticos?
Me parece que en tiempos como estos, pueden prevalecer entre otras, tendencias hacia la melancolía, la desesperanza, la negación o la manía, respuestas comunes ante los aspectos disruptivos y traumáticos que nos rodean. Frente a los aspectos regresivos y tanáticos de la incertidumbre, nos podemos sentir inmersos en una dialéctica entre esperanza y desesperanza. Nos enfrenta con nuestras posibilidades y necesidades de contención, con las capacidades reparadoras que hemos desarrollado. El tema de la vivencia de lo reparable e irreparable siempre me ha interesado, probablemente por mi propia historia. En esta época, se requieren convocar las potencialidades elaborativas, para enfrentar la vivencia de lo irreparable que se puede infiltrar de manera perniciosa.
Kaës (1997, p.10) señala :
“…no obstante estar atrapados en el movimiento mismo de esas regresiones, recurriendo a la experimentación creadora de nuevos estilos de relación y de expresión, a la búsqueda abierta al juego de los antagonismos, a los azares del desorden, a la invención de nuevos equilibrios. Nos encontramos aquí con aquello que hace poco tiempo en el lenguaje religioso se llamaba esperanza-es decir, nos encontramos con el deseo de vivir a despecho de —y no renegando de – la muerte”.
¿Cómo colocamos la esperanza como parte de nuestra tarea psicoanalítica, sin entrar en cuestiones de fé religiosa y del pensamiento mágico?
Para Kaës el psicoanálisis dispone de medios para otro tipo de enfrentamiento, porque permite otro tipo de crítica al promover la elaboración permanente de la crisis como parte del modo de existencia de la psique humana.
“Sin lugar a dudas esta preocupación por la crisis y esta expectativa
por comprender sus formas de elaboración, de poner en funcionamiento
las condiciones de su liberación, son una tentativa de la esperanza: es
necesario que un orden más allá (meta) soporte la anticipación creadora
vital, aunque más no fuese el hombre y su saber sobre sus propias ilusiones” Kaës (1997, p.10)
Otro elemento de esperanza, se encuentra en el potencial reparador de los vínculos. El vínculo psicoanalítico y nuestros vínculos institucionales, revisten un potencial simbolizante y reparador (Weiss, 2020). Pueden favorecer la posibilidad de nombrar lo innombrable y promover el pensamiento y la subjetivación.
En ese contexto, podemos pensar y empatizar con ayuda de la teoría sin considerarla un axioma incuestionable. Nos podemos acercar a la comprensión de lo traumático y lo no simbolizado y lo podemos contener dentro del vínculo y el proceso analítico ético, así como vertirlo en nuestros escritos o reuniones conjuntas. Nuestra teoría y técnica también nos recuerdan la relevancia del duelo personal y colectivo, de los peligros del pasaje al acto y la somatización. Nos explican el temor al otro y la función del prejuicio, el por qué de las tendencias paranoides y las furias narcisistas.
No podemos idealizar el alcance de los procesos personales y tenemos que tolerar las limitaciones de nuestra herramienta. Probablemente el trabajo en el consultorio no será la solución para contener el impacto de lo que vivimos. Pero, si renunciamos a la omnipotencia maníaca, podemos intervenir en nuestra comunidad para aplicar el pensamiento analítico en proyectos comunitarios para favorecer procesos de contención y elaboración.
Continuar con estos proyectos, aprender del contacto con poblaciones en adversidad, cambia y permea la escucha analítica, nos protege de la desmentida y nos confronta frente a nuestros propios prejuicios respecto a la diversidad o sobre la necesidad de un psicoanálisis con perspectiva de género y sobre los temores que tenemos respecto a romper el silencio frente a la violencia y el abuso en sus diversas manifestaciones (Berman, Guzik, Jiménez, Oñate, Rojas, 2019).
El reclamo frente al poder autoritario difícilmente puede enfrentarse sin la organización colectiva y la aceptación profunda en cada individuo de los derechos que le corresponden en una democracia. Lo anterior, requiere un cambio psíquico esencial, no sólo un conocimiento objetivo de las leyes. Este aspecto lo observamos de manera específica en el trabajo con el tema de violencia de género, es decir, no basta que las personas (en nuestra experiencia particular las mujeres) conozcan sus derechos, se requiere un movimiento interno que permita contrarrestar los obstáculos psíquicos que les dificultan apropiarse de sus derechos legítimos (Berman,Guzik, Jimenez,Oñate, Rojas, 2019, 2022), podría ser este trabajo otro de los canales reparadores que el psicoanálisis podría favorecer.
Es una discusión abierta si el psicoanálisis puede permanecer neutral frente a situaciones políticas y sociales. El rol del psicoanalista en su vínculo con el paciente, no es necesariamente equiparable a su rol frente a su comunidad y dentro de las instituciones psicoanalíticas. El trabajo en nuestras instituciones, está igualmente expuesto a tendencias paradójicas y tanáticas como parte estructural de cualquier grupo e institución (Enriquez, 1987), es nuestra tarea percibir y abordar estos aspectos sin desmentirlos, para favorecer su elaboración y procesos creativos de reparación.
Retomando la dialéctica entre la esperanza y la desesperanza antes mencionada, sabemos que es un elemento en todo proceso analítico, de nuestra vida social e institucional. Una tensión ineludible que requiere procesamiento constante. Como ya mencioné, creo que en gran medida la función reparadora proviene de los vínculos, por lo que los invito a que nos sigamos vinculando a través del diálogo, de pensar y discutir juntos, construyendo así procesos reparadores frente a los retos y crisis que siempre estarán presentes.
Reitero mi agradecimiento por el espacio que el OP nos proporciona para ello.
Bibliografía
Berman, R, Guzik, D, E, Jimenez, E.,Oñate, C, Rojas, R (2019). The group as a mirror: working with normalized gender violence introjected in Mexican female identity. Trabajo presentado en el congreso de Londres 2019. Proyecto ganador del premio API en la comunidad en la categoría violencia.
Enriquez, E. (1989).El trabajo de la muerte en las instituciones. En “La institución y las instituciones. Estudios Psicoanalíticos”. Paidos, Argentina. Cap.3
Kaës, R. et.al (1997). Crisis, Ruptura y Superación. Análisis transicional en psicoanálisis individual y grupal. Colección Texto y Contexto. Ediciones Cinco. Argentina.
Weiss, H. (2020). Trauma, Guilt and Reparation. The Path from Impass to Development. Routledge, Taylor & Francis Group, London and New York.
(Los textos publicados son responsabilidad de los autores)
Categoría: Política y Sociedad; Cultura; Instituciones psicoanalíticas
Palabras claves: Psicoanálisis, Reparación, Desesperanza, Vínculos reparadores, adversidad
Imagen: El vendedor de Alcatraces – Diego Rivera
Los ensayos del OP se publican en el sitio web de la Febrapsi: Psicoanálisis y Cultura. Observatorio Psicoanalítico.
También en Facebook. Haz clic en el enlace a continuación para debatir el tema con los lectores de nuestra página:
https://www.facebook.com/
Nuestra página en Instagram es @observatorio_psicanalitico
Y para ti, que eres miembro de la FEBRAPSI y te interesa la articulación del psicoanálisis con la cultura, inscríbete en el grupo de correos del OP para recibir nuestras publicaciones. Envía un mensaje a op.febrapsi@gmail.com