Observatório Psicanalítico OP 569/2025 

Olá pessoal boa tarde,

Publicamos hoje o sétimo ensaio escrito por psicanalistas candidatos a nos representar no Board da IPA. O ensaio é de Sérgio Nick, nosso colega da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), OP 569/2025, intitulado “Que Mundo É Esse?“. 

Boa leitura a todas e todos.

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo 

Que Mundo É Esse?

Sérgio Nick – SBPRJ

Passados quase dois meses do início do governo Trump, o mundo observa com uma mistura de perplexidade e apreensão os desdobramentos de uma nova era na política global. As manchetes, outrora dominadas por debates sóbrios e análises complexas, agora cedem espaço a declarações bombásticas, reviravoltas inesperadas e um tom que, por vezes, beira o infantil.

O aspecto pueril, mais particularmente ingênuo e onipotente, de algumas notícias que vêm do novo governo americano, é um dos elementos mais perturbadores desse cenário. A sensação é de que a política internacional, antes um jogo de xadrez meticuloso, transformou-se em uma brincadeira de criança, onde as regras são flexíveis e as consequências, aparentemente, irrelevantes.

Faz tempo que nós aprendemos a não acreditar em ‘Contos da Carochinha’. Crescemos com a consciência de que o mundo é um lugar complexo, onde as soluções fáceis raramente se concretizam e as promessas grandiosas dificilmente se cumprem. A realidade, em sua crueza, nos ensinou a desconfiar de discursos simplistas e a questionar narrativas que apelam para o emocional em detrimento do racional.

No entanto, o que vemos hoje desafia essa lógica. A retórica inflamada, as bravatas e os ataques pessoais parecem ter se tornado a nova moeda de troca na política global. A diplomacia, outrora pautada pelo diálogo e pela negociação, cede espaço a um jogo de poder onde a força bruta e a intimidação parecem ser as únicas armas disponíveis.

Tudo isso nos leva a sensação de aturdimento, incerteza e desesperança. A sensação é a de que o mundo, tal como o conhecíamos, está se desintegrando, dando lugar a um cenário caótico e imprevisível. A fragilidade das instituições, a polarização crescente e a ascensão de líderes autoritários nos fazem questionar o futuro da democracia e da paz mundial. Outrossim, uma nova ordem mundial, ainda de difícil apreensão, está sendo gestada.

A incerteza, por sua vez, nos paralisa. A falta de clareza sobre os rumos da política internacional nos impede de planejar o futuro e de tomar decisões bem embasadas. A sensação é de que estamos à deriva, sem rumo e sem controle sobre o nosso destino.

A desesperança, por fim, nos invade. Cresce a sensação de que os problemas são grandes demais para serem resolvidos e de que o futuro é sombrio e incerto. A descrença nas instituições e nos líderes políticos nos leva a um estado de apatia e resignação.

Hoje, mais do que nunca, nossa capacidade negativa é exigida não apenas no trabalho clínico, mas também na lide com aquilo que este novo mundo nos apresenta. A capacidade negativa, conceito caro à psicanálise, refere-se à habilidade de tolerar a incerteza, a ambiguidade e a ausência de respostas. É a capacidade de permanecer em um estado de dúvida e perplexidade, sem sucumbir à busca de certezas ilusórias ou soluções simplistas.

No contexto atual, a capacidade negativa se torna uma ferramenta essencial para lidar com a avalanche de informações contraditórias, as reviravoltas inesperadas e a sensação de caos que nos assola. É a capacidade de manter a calma em meio à tempestade, de questionar as narrativas dominantes e de buscar a verdade em meio à névoa da desinformação.

No trabalho clínico, a capacidade negativa nos permite acolher o sofrimento do outro sem a necessidade de oferecer soluções imediatas ou interpretações definitivas. É a capacidade de estar presente para o paciente, de ouvi-lo com atenção e de acompanhá-lo em sua jornada de autodescoberta.

Na lide com o mundo que se apresenta, a capacidade negativa nos permite resistir à tentação de abraçar ideologias extremistas ou soluções autoritárias sem uma elaboração prévia. É preciso manter a mente aberta, questionar as próprias convicções e buscar o diálogo com aqueles que pensam diferente de nós.

Em um mundo onde a polarização e a intolerância parecem ganhar terreno, o difícil caminho do meio se torna um farol de esperança. É mister construir pontes, promover o diálogo e buscar soluções pacíficas para os conflitos. Precisamos acreditar na força da razão, da empatia e da compaixão.

Em última análise, eu os convido a abraçar a complexidade do mundo, a aceitar a incerteza e a buscar a sabedoria em meio à confusão. É um convite para sermos mais humanos, mais tolerantes e mais compassivos. É um convite para construirmos um mundo onde a paz, a justiça e a esperança sejam mais fortes do que o medo, a intolerância e a desesperança.

Serei eu demasiado näive?

(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores) 

Categoria: Política e Sociedade

Palavras chave: Capacidade negativa, incerteza, complexidade, polarização.

Imagem: Harald Oscar Sohlberg (1869-1935)- Fisherman’s Cottage (1906). Museu (F. Beyeler, Basileia) foto de Alain Rueff.

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Tags: Capacidade negativa | complexidade | incerteza | Polarização
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