Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Uma viagem inesquecível
Ana Cristina Azambuja Tofani – SPPA
Certo dia decidi embarcar num trem que faz pequenos trechos a cada semana – formação psicanalítica de infância e adolescência. Penso que já estudei muito, mas a possibilidade de participar desta aventura e aprofundar algumas questões teóricas e técnicas orientadas pela minha querida Maria Lucrécia Zavaschi foi muito sedutora.
Selecionada para o embarque, tive um feliz encontro: Vivi e Jô, assim formamos um trio que seguiu esta viagem orientada. Este quarteto pintou e bordou, no limite da moldura colocada por Lucrécia, psicanalista experiente, dedicada e apaixonada pelo que faz.
Lucrécia é ímpar! Transmite com sensibilidade como utiliza a técnica psicanalítica, embasada e fundamentada, incluindo o campo analítico e a contratransferência, com empatia e sensibilidade. Tomo emprestada a expressão de Bolognini “estilo relacional”, carregado de tato especial, que Lucrécia utiliza, pois cada uma de nós tem uma bagagem pessoal, nossas vivências, origens, cultura familiar… que com certeza interferiram em nosso modo de pensar e agir.
Então, a postos, iniciamos mais uma jornada, o trem se movimentava, e as paisagens observadas por nós mobilizaram nossa atenção produzindo sensações, mesmo quando olhávamos na mesma direção ou até no mesmo ponto. Nossas diferenças e sem dúvida, nossas trajetórias, enriqueceram nossas discussões. A experiência real e temporal da Lucrécia pontuou, assinalou e costurou nossa aprendizagem, sem desrespeitar nossos posicionamentos.Temos que considerar que, mesmo focando no mesmo ponto, dependendo do lugar que estamos sentadas, podemos ter impressões diferentes!
Em muitos seminários, fui sentindo o que Roussillon nos diz em seu livro “O narcisismo e a análise do Eu”: quando queremos emitir uma palavra, uma mensagem, algo que seja importante para nós, somos obrigados a transformar isso em uma forma comunicável, transferível e mensageira para os ouvintes, e que esteja ao seu alcance.
Lucrécia, com sua pulsão de vida, mensageira, comunicou e encantou. Colamos e descolamos para nos conectar. O clima dos encontros era agradável e descontraído.
Comentamos que assim é o nosso trabalho com adolescentes, como um garçom do bar no deserto, descrito por Bolognini. Uma figura intermediária entre o objeto parental pleno e reconhecido, muito envolvido em uma posição tópica superegóica, e um objeto narcísico gemelar, um self objeto. Somos, então, as garçonetes, no sentido metafórico, potencial e alternadamente um outro, no sentido do “não-eu”, nunca o protagonista.
O adolescente é um interlocutor assustado pela dependência, por sua emergência pulsional pouco governável, hostil aos representantes do superego, decisivo, que tem necessidade de contenção no plano narcísico e de contribuições à precária coesão do self. Tendem a fazer interrupções repentinas do tratamento, a fazer uso maciço de cisões e a recorrer ao acting out. Nossa técnica precisa se basear na máxima tolerância das necessidades de espelhamento, de aparentes generalidades e de compartilhamento confirmativo das vivências e perspectivas subjetivas do paciente.
Discutimos que devemos fazer uso de um tato especial e abstinência temporária de performances interpretativas, senão corremos o risco de nos colocar em posição de superioridade, o que é pouco tolerável pelo adolescente. Precisamos evitar uma excessiva concordância interna com a subjetividade ego-sintônica do paciente, para que ele se mantenha perceptivo em relação às partes cindidas de seu mundo interno, pois precisa de um ambiente vivível.
O trecho de cada semana nos colocava diante da realidade da especificidade do nosso trabalho: cada paciente é único, e a técnica utilizada no atendimento de adultos é diferente, pois com adolescentes precisamos parecer “inofensivos “, quase impotentes, para não desmentir as ilusões de onipotência do jovem. Ao mesmo tempo, devemos deixar entrever que possui algum recurso para abrir uma brecha para a esperança secreta de receber ajuda.
A análise é uma experiência repleta de acontecimentos de vitalização e desvitalização, como destaca Ogden. Fica claro que, para se conectar com as profundezas da mente, o analista precisa se preparar com dedicação. A experiência de Lucrécia nos transmitiu que não há prescrição analítica no nosso delicado ofício. O preparo prévio dos seminários nos possibilitou construir um espaço transicional de discussão muito rico. Esta aventura só foi possível graças ao abastecimento fornecido pelas trocas científicas contínuas com as colegas e a iluminada coordenadora, em nossa viagem.
Lucrécia nos brinda com a linguagem do afeto e a sua reverie foi fundamental na construção da minha identidade analítica.
Obrigada!
(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)
Categoria: Homenagem
Palavras-chave: viagem com Lucrécia; linguagem do afeto; pulsão mensageira; prescrição analítica; adolescentes.
Imagem: Lucrécia
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