Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
O centro do seu corpo…
Graciela Cardó*- SPP – Sociedade Peruana de Psicanálise
Durante a semana em que se comemorou o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, um parque muito frequentado em Lima foi palco de um clitóris gigante. O grupo Las Clito, formado por ativistas chilenas e sexólogas, instalou uma obra itinerante da artista francesa Julia Pietri, cujo objetivo é “visibilizar a anatomia do clitóris, promover direitos sexuais e reivindicar o prazer feminino. Esta instalação, contra o analfabetismo sexual, faz parte do Clitoristour, iniciado em Paris em 2021, que já percorreu Chile, Uruguai, Argentina e agora chega ao Peru”.
Zona de encontros, passagens e limites, A importância e necessidade do clitóris ser mostrado existem desde antes da escrita. Recordemos, então, suas origens e reflitamos sobre a multiplicidade de significados que o clitóris e a vulva tiveram e têm na história.
Desde os mitos: Baubo
Nos Hinos Homéricos, Yambé ou Baubo aparece para consolar Deméter do sofrimento causado pelo rapto de Hades à sua filha Koré. Segundo Robert Graves. Cantos obscenos serviam para aliviar a tristeza e a dor nos mistérios eleusinos. Baubo é uma anciã que costuma mostrar sua vulva; foi isso que ela fez com Deméter e, assim, “a fez sorrir, depois rir, trazendo-lhe bom humor e satisfação” (pp. 27). A vida volta à terra
São esculturas de mulheres nuas mostrando a vulva, encontradas principalmente em castelos e igrejas na Europa. Diz-se que elas protegem contra maus espíritos, ajudam na fertilidade, nos partos e na saúde em geral. Protegem todas as aberturas, essas misteriosas divisões e passagens entre a vida e a morte. Dotadas de poderes apotropaicos, afastam o mal.
Desde a literatura: “Arráncame la vida”
Se o poder protetor das Sheela-na-Gigs e a qualidade de aliviar a tristeza de Baubo se encontram nas origens míticas de nossas histórias, ser o centro do corpo e do mundo aparece na busca de sentir de Catalina, na novela de Ángeles Mastretta “Arráncame la vida” (1992).
Aqui, parte do diálogo entre a velha que lê cartas e a jovem:
⁃O que você quer?
⁃Quero sentir…
⁃Você é muito jovem.
⁃A senhora também não sente?
⁃…Queria eu ter me atrevido a perguntar isso. Olhe, aqui temos uma coisinha, com isso se sente. Aqui (abrindo as pernas): é a campainha e, claro, tem muitos nomes. Pense que ali está o centro do seu corpo. Que dali vêm todas as coisas boas. Pense que por ali você sente, ouve e enxerga. Você se coloque aí…
Prazer que talvez a leve a intuir o poder e a autonomia que alcançará — até certo ponto — sobre seu corpo, sua vida e suas relações. Catalina busca e encontra.
Desde a escultura: Pi-Chacán (Making Love)
Obra do artista peruano Fernando de la Jara, ela está na Universidade de Microbiologia de Tübingen desde 2001. Feita de mármore rosa, mede 4,2 metros de altura e pesa 32 toneladas. Ficou muito famosa quando um estudante quis tirar uma selfie simulando um parto e ficou preso no que o artista chama de “a porta de entrada para o mundo”. O Pi da escultura nos leva a pensar nas inúmeras aproximações atribuídas a esse número, também ao clitóris?
O percurso itinerante do Clitoristour continua expondo histórias, visibilizando a especificidade do corpo da mulher. É significativo termos essa exposição na semana em que se visibilizam e denunciam as violências contra as mulheres, sendo 25 de novembro o dia em que as irmãs Mirabal foram brutalmente assassinadas.
Desde então, exigem-se políticas de estado para eliminar danos possíveis ou reais — físicos, psicológicos ou sexuais — seja na vida privada ou pública. Além de lembrar a morte das irmãs, escolhem mostrar, a partir da obra, os direitos das mulheres expondo o clitóris; lembram das possibilidades infinitas do prazer, talvez porque o sofrimento, o horror e a morte já estão impregnados em nossas histórias.
Que o corpo da mulher é um possível cenário de vulnerabilidade, sabemos até o cansaço, e agora nos mostram, com essa escultura, alguns destinos de prazer.
Aulagnier (1994) nos lembra que,
para viver,
é necessária uma condição básica: que o corpo funcione bem, que satisfaça as necessidades e pulsões. Assim, abre-se a possibilidade do “poder viver” de um corpo, sendo necessário conhecê-lo, amá-lo e carregá-lo de libido.
Encontramos, assim, o que ela denomina como prazer mínimo, prazer necessário. Existe o também o prazer suficiente, produto do prazer próprio e do amor sexual. Existe essa “esperança de prazer”, tal como quando se fala em esperança de vida. Essa esperança é necessária para que o eu invista no tempo futuro (pp. 195).
Baubo, Sheela-na-Gigs, Chacán-Pi ou Catalina nos lembram do poder de viver do corpo da mulher: poder polissêmico, poder no corpo – com o próprio corpo e o de outros.
Uma curiosidade: ao buscar o significado do número Pi, encontrei este poema, cujo objetivo é mnemônico para as primeiras cifras de Pi:
“Vou amar a sós, deprimido
não saberão jamais que sonho em te encontrar,
perímetro difícil, escondido
que em meus neurônios late…
Escuro é o caminho para ver
os segredos que tu ocultas
será que poderei achá-los?…”
O Clitoristour revela o mistério: poderemos encontrá-lo. Os cenários femininos vulneráveis, como diz Alizade, ao se inverter a luva, tornam-se destinos de prazer, solitários ou acompanhados.
Vale a pena percorrer o mundo e lembrar que essa zona — passagem primordial entre mundos, membrana divisória, zona erógena, sede de trocas desde a infância e de cuidados — é também lugar de abusos. Desvenda-se o oculto e o exposto ao mesmo tempo. Existe algo mais humano que esse oxímoro que é o clitóris?
Se no passado da humanidade, ver a vulva e o clitóris teve o poder de tirar Deméter, deusa da terra fértil, da dor; de afastar maus espíritos e ajudar no parto e na saúde; se hoje nos lembra, em uma faculdade de microbiologia, que fazer amor é a entrada para o mundo; se uma jovem busca e encontra o centro do seu corpo e de seu poder, reafirmamos, então, que o Clitoristour contribui para nos apresentar destinos de prazer, essa tenaz luta da vida contra a violência e a destruição.
Celebro, pois, que na semana em que se rememora o horror das violências contra as mulheres, bem como suas lutas, se recordem também dos possíveis e infinitos poderes do corpo das mulheres, seus prazeres e seus gozos.
Referências bibliográficas:
Alizade, Mariam (2000). Escenarios femeninos. Bs. As: Lumen.
Aulagnier, Piera (1994). Destinos de placer. Bs. As. Paidós.
Mastretta, Ángeles (1992). Arráncame la vida. México: Seix Barral.
Poesia com matemática:
*Co-chair da COWAP América-latina
(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)
Categoria: Cultura
Palavras-chave: Clitóris, proteção, alegria, todas as coisas boas, vulnerável, destinos de prazer
Imagem: https://www.instagram.com/p/ DC62jTDR40C/?igsh= MW14YXc1M2lhdmVobg== obra itinerante da artista francesa Julia Pietri
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Texto original em espanhol
Observatorio Psicoanalítico – OP 549/né se tá ruim então não né 2024
Ensayos sobre acontecimientos sociopolíticos, culturales e institucionales en Brasil y en el Mundo
El centro de tu cuerpo… tu ponte ahí
Graciela Cardó – Sociedad Peruana de Psicoanálisis*
Durante la semana en que se conmemoró el Día internacional de la eliminación de la violencia contra la mujer, un parque limeño muy concurrido, fue escenariode un clítoris gigante. Las Clito, grupo de activistas chilenas y sexólogas instalaron la obra itinerante de la artista francesa Julia Pietri, cuyo objetivo es -“visibilizar la anatomía del clítoris, promover derechos sexuales y reivindicar el placer femenino. Esta instalación contra el analfabetismo sexual forma parte del Clitoristour, iniciado en París en 2021 y que ha recorrido Chile, Uruguay, Argentina y ahora Perú”. Zona de encuentros, pasajes ylímites, su importancia y necesidad de mostrarse existe desde antes de la escritura, recordemos entonces sus orígenes y pensemos así, la multiplicidad de sentidos que el clítoris y la vulva han tenido en la historia y en nuestros tiempos.
Desde los mitos: Baubo
Es en los Himnos Homéricos en los que Yambé o Bauboaparecen para consolar a Deméter del sufrimiento causado por el rapto de Hades a su hija Koré. Según Robert Graves personifican los cantos obscenos, y servían para calmar la tristeza y dolor en los misterios eleusinos. Es una anciana que suele mostrar su vulva; eso hizo con Deméter, y así “la movió a sonreír, después a reír, teniendo un humor favorable con lo que ella la complació después con su carácter” (pp 27). La vida empieza regresa a la tierra.
Son tallas de mujeres desnudas mostrando la vulva, se encuentran especialmente en castillos e iglesias en Europa. Se dice que protegen contra los malos espíritus, que ayudan a la fertilidad, que ayudan en los partos y a la salud en general. Protegían todas las aberturas, aquellas misteriosas divisiones y pasajes entre la vida y la muerte. Dotadas de poderes apotroicos alejaban el mal.
Desde la literatura: Arráncame la vida
Si el poder protector de las Sheela na Gigs y la cualidad de calmar la tristeza de Baubo se encuentran en los orígenes míticos de nuestras historias, el ser el centro del cuerpo y del mundo, lo encontramos en la búsqueda por sentir de Catalina, en la novela de Ángeles MastrettaArráncame la vida (1992) . Acá parte del diálogo entre la vieja que lee las cartas y la muchacha:
– ¿Qué quieres?
– Quiero sentir…
– Estás muy chamaca
– ¿Usted tampoco siente?
– …Ojalá yo me hubiera atrevido a preguntar eso. Fíjate; aquí tenemos una cosita, con esto se siente. Aquí (abriéndose de piernas): es el timbre, y claro, tiene muchos nombres. Piensa que ahí queda el centro de tu cuerpo. Que de ahí vienen todas las cosas buenas. Piensa que por ahí sientes oyes y miras. Tu ponte ahí….
Placer que quizás la lleve a intuir el poder y autonomía que obtendrá -hasta cierto punto- sobre su cuerpo, sobre su vida y sus relaciones. Catalina busca y encuentra.
Desde la escultura: Pi-Chacán (Making Love)
Obra del artista peruano Fernando de la Jara, está en la Universidad de Microbiología de Tubinga desde 2001. Hecha de mármol rosa, mide 4.2 metros de alto y pesa 32 toneladas; se hizo muy famosa cuando un estudiante quiso sacarse un selfie, simulando un parto y quedó atrapado, en lo que el artista llama “la puerta de entrada al mundo”. El Pi de la escultura nos lleva a pensar en las muchísimas aproximaciones que se le ha atribuido a este número, ¿también al clítoris?
El recorrido itinerante del Clitoristour, continúa las historias expuestas, visibilizando la especificidad del cuerpo de mujer. Es significativo elegir esta exposición, en la semana en la que se visibilizan y denuncian las violencias contra las mujeres, siendo el 25 de noviembre, el día en que las hermanas Mirabal fueron brutalmente asesinadas. A partir de ello se exigen políticas de estado para eliminar daños posibles o reales, físicos, psicológicos o sexuales, sea en la vida privada o pública. Al lado de recordar la muerte, se elige mostrar los derechos de mujeres exponiendo el clítoris; se recuerdan posibilidades infinitas del placer, quizás porque del dolor, del horror y la muerte llevamos las mujeres impregnadas nuestras historias. Que el cuerpo de mujer es un posible escenario vulnerable lo sabemos hasta el cansancio, así que esta veznos muestran con esta escultura algunos destinos de placer.
Aulagnier (1994) nos recuerda que para vivir es necesario una primera condición referida al cuerpo. Que funcione bien, que brinde satisfacciones a las necesidades y pulsiones. Se abre así la posibilidad de “poder vivir” de un cuerpo, será menester conocerlo, quererlo, cargarlo con libido: Hallamos así lo que denomina un placer mínimo, placer necesario. Existe también el placer suficiente producto del placer propio y del amor sexual. Existe esa “esperanza de placer, tal como cuando se habla de esperanza de vida, y decir que esa esperanza es necesaria para que el yo catectice el tiempo futuro” (pp195).
Baubo, Sheela-na-Gigs, Chacán-Pi, o Catalina, nos recuerdan este poder vivir del cuerpo de mujer, poder polisémico, poder en y con el cuerpo propio y de otros.
Una curiosidad, buscando el significado del número Pi, encontré este poema cuyo objetivo es nemotécnico para las primeras cifras de Pi:
Voy a amar a solas, deprimido
no sabrán jamás que sueño hallarte,
perímetro difícil, escondido
que en mis neuronas late…
Oscuro el camino para ver
los secretos que tú ocultas
¿hallarlos podré?…
El Clitoritour devela el misterio, hallarlo podremos, los escenarios femeninos vulnerables, al decir de Alizade, al darse la vuelta al guante devienen destinos de placer solitarios y acompañados. Vale la pena recorrer el mundo y recordar que aquella zona pasaje primordial de mundos, membrana divisora, zona erógena, sede de intercambiosdesde la infancia, de cuidado, lo es también de abusos. Se desvela lo oculto y expuesto a la vez ¿existe algo más humano que ese oximorón que es el clítoris?
Si en el pasado de la humanidad, el ver la vulva y el clítoris, tuvo el poder de sacar del dolor a Deméter, diosa de la tierra fértil, y de espantar malos espíritus y ayudar al parto y a la salud; si nos recuerda hoy en una facultad de microbiología que, hacer el amor es la entrada al mundo; si una joven busca y encuentra el centro de su cuerpo y su poder, reafirmamos entonces que sin duda, el Clitoritour, contribuye a representarnos destinos de placer, esa tenaz lucha de la vida contra la violencia y destrucción. Celebro pues, que en la semana en que se conmemora el horror las violencia hacia las mujeres, así como sus luchas, se recuerde también los posibles e infinitos poderes del cuerpo de las mujeres, sus placeres y disfrutes.
Referencias bibliográficas:
Alizade, Mariam (2000). Escenarios femeninos. Bs. As: Lumen.
Aulagnier, Piera ( 1994). Destinos de placer. Bs. As. Paidós.
Mastretta, Ángeles (1992). Arráncame la vida. México: Seix Barral.
Poesía con matemáticas:
*Co-chair COWAP Latinoamérica
(Los textos publicados son responsabilidad de sus autores)
Categoría: Cultura
palabras clave: Clitoris, protección, alegría, todas las cosas buenas, vulnerable, destinos de placer
Imagem: https://www.instagram.com/p/ DC62jTDR40C/?igsh= MW14YXc1M2lhdmVobg== obra de Julia Pietri
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