Observatório Psicanalítico OP 545/2024 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo 

O impacto do envelhecimento do analista nos Institutos de Formação

Camila Bustamante Pires Leal – SBPRJ

Maria Alice T. Baptista – SPRJ

“Para aqueles que ainda não são velhos, ser velho significa ter sido. 

Porém ser velho significa também que, apesar e além de ter sido, 

você continua sendo. Esse ter sido ainda está cheio de vida. 

Você continua sendo, e a consciência de continuar sendo é tão avassaladora,

tanto quanto a consciência de ter sido” 

(Philip Roth)

O Comitê Perspectivas Psicanalíticas sobre o Envelhecimento, estabelecido em 2007, fez um movimento de pesquisa coletando a idade de seus membros nas Sociedades europeias. Os principais resultados concluíram que 70% dos membros tinham entre 50 e 70 anos; 50% tinham 60 anos ou mais. Em 2021, na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, na Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro e na Sociedade de Berlim, cerca de 74% estavam acima dos 61 anos, com maior proporção entre 61 e 80 anos. Os números apontam para um alto contingente de psicanalistas com mais de 60 anos em atividade nas sociedades psicanalíticas, o que quer dizer que elas espelham o envelhecimento populacional. Qual o impacto disso em termos institucionais? E dentro dos Institutos voltados para a formação de novos analistas, quais as repercussões deste alto número de analistas de idade avançada? 

A produção de trabalhos dedicados ao tema do envelhecimento dos analistas é escassa, bem como são pouquíssimos os espaços de discussão sobre essa questão dentro das instituições. Motivo que nos faz questionar: os analistas têm dificuldades com o envelhecimento e a velhice? 

Na contramão da lógica atual de maior valorização da juventude, psicanalistas mais velhos ocupam lugares essenciais dentro de nossos Institutos de Formação. Eles representam experiência e sabedoria, sendo imprescindíveis para a transmissão do conhecimento e da história. Tratando-se da vertente teórica, detêm um saber de anos de estudo que os permite ter as teorias suficientemente bem introjetadas para ensiná-las. Quanto à vivência clínica, internalizados seus próprios processos analíticos, percebemos uma melhor qualidade na escuta, nos manejos transferenciais e contratransferenciais, apoiando-se em uma prática orientada para o paciente e não tão rigidamente orientada para a teoria. Por essas razões, esses psicanalistas têm papéis e funções fundamentais dentro dos institutos: são analistas, supervisores, professores, gestores. 

Tocar na questão do nosso próprio envelhecimento, na maior parte das vezes, é tabu. “Nosso inconsciente não conhece o que é ser velho”, afirma Simone de Beauvoir. A velhice é estranha, pois causa uma incongruência entre as limitações físicas e cognitivas, e os desejos e projetos subjetivos. O tabu se acirra quando introduzimos as ideias de passagem de bastão e aposentadoria, que mexem com o senso de identidade. Também o medo da deterioração física e mental, que anunciam a morte, gera resistências ao assunto.

Como temos o privilégio de trabalhar até bem mais tarde, além de sentir que com a idade trabalhamos ainda melhor, nos é possível adiar ou até desviar do enfrentamento da interrupção das atividades. Além disso, ocupar um lugar de valor e reconhecimento dentro dos Institutos torna a despedida ainda mais complexa. A ideia de perder o trabalho, suas posições e pacientes, o medo de que, com isso, tornem-se desvalorizados e solitários junto com a possibilidade de enfrentar problemas econômicos, pode ser fonte de angústia para os analistas mais velhos.

A relação entre os membros mais novos e os mais velhos, por sua vez, pode ser pensada a partir do binômio tradição e invenção. Em relações intergeracionais mais saudáveis e menos ambivalentes, a tradição permitirá espaço à invenção, e esta reafirmará a primeira. Nos Institutos de Formação, a manutenção do paradoxo contido nesse binômio é fundamental para a continuidade transgeracional, evitando-se lacunas entre o que foi feito e o que as novas gerações farão e descobrirão. Mas sabemos que nem sempre isso se dá desta forma. 

Fonagy (2022) nos adverte que uma profissão que tem em seu
cerne a lenda de Édipo estaria condenada a idealizar a antiguidade e a experiência. Neste contexto, pode-se encontrar ações de jovens colegas associadas a um desejo mal analisado de substituir o pai, o que pode levar a atuações no âmbito institucional, causando confrontos com a geração mais velha. Em contrapartida, como Freud descreve em Totem e tabu, colocar os mais velhos em uma posição de veneração pode estar vinculado a uma formação reativa contra desejos parricidas e matricidas inconscientes.

Do lado dos analistas mais velhos, Fonagy (2022) considera que a experiência de ser o foco da transferência parental durante boa parte da vida profissional pode alterar o senso inconsciente de si mesmo, vivência que levaria o indivíduo a crer que é uma figura parental onipotente, fantasiosa e imortal, aumentando as resistências à passagem de bastão. 

Por todos esses motivos, o assunto ainda é de difícil abordagem, o que gera entraves quando o debate sobre ele é indispensável para o bom funcionamento dos Institutos. Por vezes, é possível observar colegas mais velhos cujos comprometimentos físicos e/ou cognitivos tornam-se obstáculos a uma participação institucional satisfatória, porém mantêm posições de responsabilidade. E isso pode ser desfavorável tanto para o analista – que pode se sentir exposto e/ou insuficiente – quanto para o Instituto – que encontrará sérias dificuldades no ensino, transmissão e avaliação dos alunos.

Os institutos precisam da presença viva e implicada dos membros mais experientes. Ao mesmo tempo, existe o conflito emocional experimentado pelos mais jovens ao se confrontarem com as dificuldades dos mais velhos. Além do mais, perder – por doença, morte ou afastamento – um analista/supervisor/professor representa ficar órfão, tornando o trabalho de luto necessário também para quem fica.

Winnicott afirmou seu desejo de estar vivo ao morrer que, imaginamos, seja o de muitos de nós: estar vigoroso, ativo, participando da vida e suas vicissitudes até o fim. A atividade de transmissão dentro de uma Formação Psicanalítica talvez seja possível e desejável ao longo de todo o processo de envelhecimento, até o fim. Porém, podem surgir questões importantes que apontem para a necessidade de afastamento sob o risco de afetar o decurso da Formação, institucional e individualmente.

Há medidas preventivas que vem sendo pensadas, e algumas até implementadas em certas Sociedades, que concernem ao momento de parada das atividades do analista. Numa Carta ao Editor no International Journal of Psychoanalysis (2013), Danielle Quinodoz encaminha uma série de ideias, fruto de discussões na Sociedade Suíça. A primeira delas consiste na determinação, pela instituição, de uma idade limite para as atividades de todos os analistas. Uma ideia diferente é que esta idade-limite seja estipulada pelo próprio analista, de antemão. Outra possibilidade seria a avaliação regular através de entrevistas realizadas por um Comitê interno que intervenha somente quando necessário. Uma interessante variação é a proposta de participação dos membros mais velhos em Seminários Clínicos, nos quais possam manter trocas constantes com colegas de várias idades, expandindo a consciência do estado de suas capacidades profissionais. Por último, a indicação por parte do analista de dois colegas com os quais ele tenha vínculo e confiança, que estarão autorizados a avisá-lo e mediar com a instituição, caso ele próprio esteja com dificuldades que já estejam comprometendo sua capacidade para o trabalho. Todas estas são soluções suficientemente boas, estão longe de ser ideais.

Conclusões

Uma vez que a velhice é experiência estranha a quem envelhece, e o próprio sujeito não se reconhece velho, é o outro quem dá notícias da passagem do tempo. Neste sentido, será também o outro – colega ou instituição – a trazer à tona a realidade das limitações que vêm com o envelhecimento? Seria razoável supor que um psicanalista que tenha sua análise pessoal atualizada possa perceber suas defesas narcísicas e evitar a hipocrisia profissional? Saberá o psicanalista aplicar a capacidade analítica a si mesmo, nesse momento da vida? 

Precisamos falar sobre a importância da análise dos analistas mais velhos.

A relevância desta reflexão deve envolver também as futuras gerações. Acreditamos que observar psicanalistas mais velhos e como eles lidam com o próprio envelhecimento, como se apropriam e se retiram dos papéis institucionais e como podem se perceber na profissão e na instituição é uma forma de aprender, absorver, identificar-nos. Pensar e falar sobre esta etapa da vida significa cuidar de transmitir melhores formas de envelhecer. Com menos defesas e mais sinceridade e autenticidade acolheremos, em nós e nos colegas, a velhice – que, com sorte, virá.

(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)

Categoria: Instituições psicanalíticas 

Palavras-chave: Instituto de Formação, envelhecimento, psicanalistas, relações intergeracionais.

Imagem: 35º Congresso Fepal. Mesa redonda com tema livre. Camila Leal, Denise Goldfajn e Danielle Grynszpan.

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Tags: Envelhecimento | Instituto de formação | Psicanalistas | relações intergeracionais
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