Observatório Psicanalítico OP 521/2024

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
 
“Como é possível que, nesta situação terrível, ainda continue a ter tanto apoio?”
 
Mónica Vorchheimer – APdeBA (Associação Psicanalítica de Buenos Aires) 
 
Ouvi essa pergunta recentemente em dois contextos completamente diferentes. Poucos dias atrás, durante uma conversa após o jantar com amigos, tentávamos entender como era possível que o atual governo argentino contasse com o mesmo nível de apoio que o levou ao poder nas eleições de dezembro passado. Os índices de pobreza são esmagadores, o número de pessoas dormindo nas ruas aumentou, apesar de este ser um dos invernos mais frios dos últimos anos. Os cortes na cultura, na ciência e na educação encolhem o coração. Mas, mesmo assim, o apoio não diminuiu. Há razões e sem-razões. Como é possível?
 
Também recentemente ouvi essa mesma pergunta ou comentário; mas foi em outro contexto, na ocasião da proximidade do aniversário de um ano do fatídico 7 de outubro, que tristemente já não precisa de mais referência do que a do calendário, como aquele 11 de setembro: datas que falam por si mesmas.
 
Foi a propósito de um artigo no New York Times que abordava, com um olhar crítico, a terrível situação que já conhecemos. Referia-se ao sistema desigual de justiça que surgiu em torno dos assentamentos judeus em Gaza e na Cisjordânia. Relatava como extremistas e fanáticos não apenas atacaram palestinos, mas também funcionários israelenses que tentavam fazer a paz. Por fim, explorava como esse movimento chegou a tomar o controle do próprio Estado. Em suma, este artigo narrava a história de como uma ideologia radical passou das margens ao centro do poder político em Israel. E tentava responder à mesma pergunta: como é possível o apoio após tantos meses de guerra, mortes, tragédias à porta de casa?
 
Situações diferentes, naturalmente, mas ambas insuportáveis. E, mesmo assim…
 
Claro que a mesma pergunta – como é possível – deve estar sendo formulada em diferentes partes do mundo, com vozes baixas ou gritos, sustentada por diversos contextos individuais, sociopolíticos e ideológicos.
 
O que está acontecendo conosco?

Há opiniões de todas as cores. Preferências para todos os gostos. A chave está em evitar que se transformem em fanatismos. Provavelmente, isso só é possível sendo capaz de “pensar contra si mesmo” e entender de que maneira o outro tem razão ou razões.
 
Quando já estamos na contagem regressiva para nos encontrarmos no Rio de Janeiro e nos abraçarmos novamente após tantos anos, teremos que encontrar maneiras de pensar juntos sobre isso. Poderemos fazê-lo de maneira direta ou indireta, falando de nossos países, nossas instituições ou de pequenos recortes de experiências clínicas de nossos consultórios.
 
Esta tarde, justamente, de certa forma, um paciente também se perguntava: “como é possível?”. Ele se queixava de sua esposa, que se recusa a dar carne ao filho, com medo da síndrome hemolítico-urêmica, qualquer carne, não apenas carne moída. Ele entende que é um medo irracional; ela sabe que se trata apenas de evitar carne moída; mas, mesmo assim, como é possível que ela tenha se tornado tão fanática?
 
Nossas práticas são atravessadas por esses questionamentos: O que está acontecendo conosco? Como é possível?
 
A psicanálise, as psicanálises, poderão nos prover de ferramentas. Como fazê-lo reconhecendo nossas diferenças, nossos pontos sensíveis de dor que muitas vezes não admitem razões, é o maior desafio que teremos pela frente. 
 
Como ser tolerantes sem ser condescendentes. Como evitar dogmatismos sem adotar posições suaves que desculpem violências, desigualdades, injustiças. Como nos livrar de binarismos para evitar polarizações que desenham mapas claros, mas simplificados, diante de realidades imensamente complexas.
 
Teremos que ser capazes de abrigar dúvidas para nos prevenirmos contra pensamentos absolutos e a vontade de impor verdades únicas. Racismos, fanatismos, messianismos, violências, constituem forças, atratores para as massas. Narcóticos anti pensamento também para a subjetividade da época.
 
Estejamos atentos quando preparamos nossas malas para embarcar. Rumo ao Rio.
 
“O fanatismo é mais antigo que o islã, que o cristianismo, que o judaísmo. Mais antigo que qualquer estado, governo ou sistema político. Mais antigo que qualquer ideologia ou credo do mundo. Infelizmente, o fanatismo é um componente sempre presente na natureza humana, um gene do mal, por assim dizer”. Para combater o fanatismo, como propõe Amos Oz, o diálogo, o respeito, a compreensão mútua e a capacidade de viver com contradições e incertezas são elementos essenciais para uma convivência pacífica.
 
Quero acreditar que não é tarde. Que como psicanalistas, cada um, do seu pequeno canto no mundo, pode fazer ouvir diferentes vozes. E que teremos alguma capacidade de ouvir até mesmo aquelas que nos pareçam insuportáveis de escutar e não nos protejamos com surdez para continuar perguntando: “como é possível?”
 
(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)

Categoria: Política e Sociedade; Instituições Psicanalíticas

Palavras-chave: fanatismo. pensamento, diálogo

Imagem: Francisco de Goya. “O Sonho da Razão Produz Monstros”, gravura em água forte, pertencente à série “Os Caprichos”, 1799.

Os ensaios do OP são postados no site da Febrapsi. O acesso se dá pelo link: https://febrapsi.org/observatorio-psicanalitico/

E também no Facebook. Clique no link abaixo para debater o assunto com os leitores da nossa página da Febrapsi:

https://www.facebook.com/share/p/XsTyAN7vDGY1h6Qf/?mibextid=WC7FNe

Nossa página no Instagram é @observatorio_psicanalitico

E para você que é membro da FEBRAPSI / FEPAL / IPA que se interessa pela articulação da psicanálise com a cultura, se inscreva no grupo de e-mails do OP para receber nossas publicações. Envie mensagem para [email protected]

Texto original em Espanhol

Observatorio Psicoanalítico – OP 521/2023
 
Ensayos sobre acontecimientos sociopolíticos, culturales e institucionales en Brasil y en el Mundo

“¿Cómo es posible  que en esta situación  terrible aún siga teniendo tanto apoyo?”

Mónica Vorchheimer – APdeBA

Escuché esta pregunta recientemente en dos contextos completamente diferentes.  

Pocos días atrás, en una sobremesa cenando con amigos, tratábamos de comprender cómo era posible que el actual gobierno argentino contara con el mismo nivel de apoyo que lo llevó al poder tras las urnas de diciembre pasado. Los índices de pobreza son apabullantes, la gente durmiendo en la calle se ha multiplicado a pesar de ser éste uno de los inviernos más fríos de los últimos años. Los recortes en la cultura, la ciencia y la educación encogen el corazón. Pero aún así, el apoyo no ha mermado. Hay razones y sinrazones. ¿Cómo es posible?

También fue recientemente que escuché esta misma pregunta o comentario; pero era en otro contexto y en ocasión de la proximidad de cumplirse un año del fatídico 7 de octubre, que tristemente ya no necesita más referencia que la del calendario, como aquel 11 de septiembre: fechas que hablan por sí mismas.

Era a propósito de una nota en el New York Times que abordaba con una mirada crítica la tremenda situación que ya conocemos. Se refería al sistema desigual de justicia que surgió alrededor de los asentamientos judíos en Gaza y Cisjordania. Relataba cómo los extremistas y fanáticos no sólo atacaron a palestinos, sino también a funcionarios israelíes que intentaban hacer la paz. Por último, exploraba cómo este movimiento llegó a tomar el control del propio Estado. En definitiva, este artículo narraba la historia de cómo una ideología radical pasó de los márgenes al centro del poder político en Israel. E intentaba responder a la misma pregunta: ¿Cómo es posible el apoyo tras tantos meses de guerra, muertes, tragedias a la vuelta de la esquina?

Situaciones diferentes, naturalmente, pero insoportables ambas. Duelen. Hondo

Por supuesto que la misma pregunta – cómo es posible – debe estar siendo formulada en diferentes partes del mundo, con voces tenues, o a los gritos, sostenida por diversos contextos individuales, socio-políticos e ideológicos.  

¿Qué nos está pasando?  

Hay opiniones de todos los colores. Preferencias para todos los gustos. Cómo evitar que se conviertan en fanatismos es la clave. Probablemente solamente siendo capaz de “pensar contra uno mismo” y poder entender de qué modo el otro tiene razón o razones.  

Cuando estamos ya en la cuenta regresiva para encontrarnos en Rio de Janeiro y darnos un abrazo después de tantos años nuevamente, tendremos que encontrar maneras de pensar juntos acerca de esto. Podremos hacerlo de manera directa o indirectamente, hablando de nuestros países, nuestras instituciones, o de pequeños recortes de experiencias clínicas de nuestros consultorios.

Esta tarde justamente, de alguna manera un paciente también se decía ¿cómo es posible? Se quejaba de su mujer que se niega a darle de comer carne a su  hijo, por miedo al síndrome urémico hemolítico, cualquier carne, no sólo carne picada. Él entiende que es un miedo irracional; ella sabe que se trata sólo de evitar carne picada; pero aún así, ¿cómo es posible que se haya vuelto tan fanática?

Nuestras prácticas están atravesadas por estos interrogantes: ¿Qué nos está pasando? ¿Cómo es posible?

El Psicoanálisis, los psicoanálisis, podrán proveernos de herramientas. Cómo hacerlo reconociendo nuestras diferencias, nuestros puntos sensibles de dolor que muchas veces no admiten razones, es el desafío mayor que tendremos por delante. Cómo ser tolerantes sin ser condescendientes. Cómo evitar dogmatismos sin adoptar posiciones blandas que disculpen violencias, inequidades, injusticias. Cómo deshacernos de binarismos para evitar polarizaciones que dibujan mapas claros pero simplificados ante realidades inmensamente complejas.  

Tendremos que ser capaces de alojar dudas para prevenirnos ante pensamientos absolutos y voluntad de imponer  verdades únicas. Racismos, fanatismos, mesianismos, violencias, constituyen  fuerzas, atractores para las masas. Narcóticos anti pensamiento también para la subjetividad de la época.

Estemos advertidos cuando preparemos nuestras maletas para subirnos al avión. Rumbo a Rio.
 
«El fanatismo es más viejo que el islam, que el cristianismo, que el judaísmo. Más viejo que cualquier estado, gobierno o sistema político. Más viejo que cualquier ideología o credo del mundo. Desgraciadamente, el fanatismo es un componente siempre presente en la naturaleza humana, un gen del mal, por llamarlo de alguna manera». Para combatir el fanatismo, como Amos Oz propone, el diálogo, el respeto, la comprensión mutua y la capacidad de vivir con contradicciones e incertidumbres son elementos esenciales para una convivencia pacífica.

Quiero creer que no es tarde. Que como psicoanalistas, cada uno, desde su pequeño rincón en el mundo puede hacer oír diferentes voces. Y que tendremos alguna capacidad de escuchar  aún aquellas que nos resulten insoportables de oír y no protegemos con sorderas para seguir preguntando  “cómo es posible”….
 
 (Los textos publicados son responsabilidad de sus autores)

Categoría: Política y sociedad; Instituciones psicoanalíticas
 
Palabras clave: fanatismo-pensamiento-diálogo

Imagen: Francisco de Goya, «El sueño de la razón produce monstruos», aguafuerte de la serie «Los Caprichos», 1799.

Los ensayos OP se publican en el sitio web de Febrapsi. Haga clic en el siguiente enlace:
 
https://febrapsi.org/observatorio-psicanalitico/

Colega, haz clic en el siguiente enlace para debatir el tema con los lectores de nuestra página de Facebook:

https://www.facebook.com/share/p/XsTyAN7vDGY1h6Qf/?mibextid=WC7FNe

Nuestra página de Instagram es @observatorio_psicanalitico

Y para ti que eres miembro de FEBRAPSI / FEPAL / IPA y estás interesado en la articulación de la psicología con la cultura, se recompensa el grupo de correo electrónico OP para recibir nuestras publicaciones. Enviar mensajes a [email protected]

Tags: diálogo | fanatismo. pensamento
Share This