Observatório Psicanalítico OP 514/2024

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Sequelas Emocionais da COVID-19

José Alberto Zusman – SPRJ

É fato que passamos por uma experiência catastrófica coletiva altamente traumática, que deixou importantes sequelas físicas em alguns e emocionais em quase todos. Neste ensaio vou me ater aos aspectos emocionais do pós COVID-19. Para tal, é importante retomarmos a época da pandemia e a necessária imposição de suas regras de convivência ou a falta delas (isolamento).

Como seres gregários que somos, adquirimos ao longo de nossa história evolutiva a nossa essência no vínculo que estabelecemos com outros seres humanos. Ou seja, quanto mais perto de nossos pares, melhor. Foi essa regra fundamental que, à época da pandemia, foi justificadamente transformada no seu oposto de forma súbita e drástica. De repente, ao invés da proximidade, foi a distância dos outros seres humanos que passou a vigorar. A aproximação com o outro, ao invés de se apresentar como acolhedora, da noite para o dia, virou uma ameaça à vida e a distância virou proteção. Beijos e abraços viraram defensivos apertos de mãos. Um remédio que causou vários e graves efeitos colaterais que enfrentamos até hoje e sobre os quais pouco falamos.

Não é à toa que a depressão e ansiedade tanto aumentaram. O medo do contágio, antes sintoma de doença obsessiva-compulsiva, virou rotina de todos, evidenciado nos frascos de álcool gel que até hoje se fazem presentes em quase todos os lugares. Por dois anos, tivemos que viver contra nossa natureza altricial para sobreviver. Isso é muito, muito além do que éramos capazes de emocionalmente suportar. A doença ficou sob controle, mas o que ela causou em nós, não.

Os seres humanos saíram dessa experiência com mais medo do próximo, que ganhou, em maior ou menor grau, status de ameaça. Assim, ficamos mais isolados, desconfiados e desconfortáveis na presença dos outros. Alguns, em resposta a esse medo, acionaram defesas inconscientes de proteção e se tornaram manifestamente mais egoístas, intolerantes e agressivos. O ser humano ficou com a noção de coletividade abalada. Assim como com as pessoas, o mundo também ficou mais tenso e bélico, e as guerras, que sempre existiram, de repente se multiplicaram, ameaçando a nossa existência na Terra.

Saímos da pandemia, depois de breve idealizada euforia, mais frágeis e com um sentimento de injustiça, buscando culpados e reparações. Saímos com um sentimento de tristeza e raiva. Criamos um mar de teorias conspiratórias que permanecem nos mantendo cada vez mais afastados uns dos outros. A espécie humana talvez nunca tenha vivido um período de tamanha separação, mesmo com os dispositivos de comunicação digital que, curiosamente, pretendem nos manter próximos à distância e que tanto se desenvolveram no período pandêmico. Nunca estivemos tão tecnologicamente conectados e tão humanamente sozinhos. Quanto mais ganharmos essa consciência, mais chance teremos de nos aproximar do que sempre manteve em nós o sentido da vida: a tolerância e o amor ao próximo.

Na linguagem popular moderna, diz-se que nossa bateria social anda baixa. Onde este aspecto fica mais evidente é na seara dos vínculos profundos, cada vez mais difíceis de serem estabelecidos e/ou mantidos. Famílias e amigos, sob o disfarce de desavenças políticas e causas humanitárias, encontraram álibis perfeitos para acirrar conflitos. Hoje, para muitos, todo mundo é potencialmente perigoso à vida. Infelizmente, creio que alguns nunca voltarão a ser o que foram. Torço muito para que, com o tempo, as gerações pós-pandemia, guiadas por aqueles que saíram menos danificados, possam reencontrar um clima de fraternidade, coletividade e confiança. Que sejamos capazes de readquirir o estado de proximidade e convivência fundamentais para a espécie humana. Quem sabe possamos chegar a um futuro com mais amor ao próximo e menos álcool gel! 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Política e Sociedade; Tempos pandêmicos

Palavras chave: COVID-19, pandemia, sequelas emocionais, isolamento, trauma

Imagem: CNN, foto: Justin Paget/Getty 

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Tags: Covid-19 | isolamento | pandemia | sequelas emocionais | trauma
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