Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Das Zonas de Interesse ao Concerto Psicanalítico. Gaza Agora.
Miguel Sayad (SBPRJ)
“Què papel podemos jugar nosotros, analistas, en este trágico drama? Primero mirar dentro de nosotros mismos y dejar de hacernos los desentendidos. Darnos cuenta que somos iguales a todos los seres humanos, que tenemos los mismos impulsos destructivos y autodestructivos, usamos las mismas defensas y somos propensos a usar los mismos mecanismos de negación. Nos escondemos detrás de la coraza de neutralidad analítica. Se dice que no debemos intervenir en política, pero este decir es la coraza de la negación…
Creo que tenemos una contribución específica que hacer. Nosotros somos conocedores de los mecanismos psíquicos de la negación, proyección, pensamiento mágico, etc. Deberíamos poder contribuir a la superacón de la apatía universal y la autodecepción.
Cuando el feómeno nazi nos estaba mirando fijamente a la cara, la comunidad psicoanaítica de fuera de Alemania permaneció silenciosa, en su gran mayoria. Esto no debe repetirse. Nadejna Mandelstam dijo: “El silencio es el autèntico crimen contra la humanidad” (Hope Again Hope, 1971). Nosotros, psicoanalistas que creemos en el poder de la palabra y en los efectos terapeúticos de verbalizar la verdad, no debemos permanecer callados.“ Hanna Segal (1985)
Foi lendo seu texto Luciana Saddi e coincidindo com meu retorno da zona de interesse em que me tinha refugiado, pois já não suportava mais ver, impotente, a matança de crianças tão pequenas, alguma coisa semelhante ao desamparo me invadiu, já não podia mais dormir, sonhava e os sonhos eram tragédias.
Observar o silenciamento geral do movimento psicanalítico brasileiro, ou melhor do movimento associado à Associação Internacional, pois bem retornando – meio esvaziado, ainda que habitando, embora resistindo o habitat da tragédia, voltei e seu texto, o filme já havia assistido em Lisboa – meu refúgio – alimentou a vontade de voltar e falar e agir.
Aqui estou, em meio a esse “inferno inaceitável: Gaza”, como mencionou D. Delouya.
Estou com quase 50 anos de atividade e de consultório psicanalítico, ou mais, mas o que importa o tempo?
O tempo é sempre agora, e importa para o presente o passado reatualizado. O passado é agora!
Não precisamos ir lá no passado nem no fundo, é aqui e agora que tomamos conhecimento do que está na superfície: fatos, palavras e imagens: assim se dá as transformações em análise. O inconsciente está na superfície. Ir para o passado é resistência e fuga do presente: Gaza.
“Há muito tempo se sabe que o papel da filosofia não é descobrir o que está escondido, mas sim tornar visível o que precisamente é visível – ou seja, fazer aparecer o que está tão próximo, tão imediato, o que está tão intimamente ligado a nós mesmos que, em função disso, não o percebemos. […]
(Foucault, “A Filosofia Analítica da Política,1978 – in: “Ditos e Escritos V”, citado por Vera Dutra no PUD).
Vejam também a “Carta Roubada”, primeiro o conto de Poe, depois o seminário de Lacan.
Luciana, seu texto proporcionou a música, a volta da palavra-que-voa, a composição ou concerto das palavras. O tom e o som de suas palavras floresceram em contrapontos e propiciou novos arranjos e melodias:
Ney Marinho, a quem tanto tenho a agradecer por, de certo modo, ter me envolvido nessa dimensão inevitável da Psicanálise: o mundo-em-que-vivemos. Foi ele, também, que “me trouxe” de volta de minha fugaz passagem por uma determinada “zona de interesse”: a alienação do mundo.
Ele escreveu no OP: “Seu texto (Luciana) nos convoca a pensar e … agir, como por exemplo deixar de que nossas instituições, psicanalíticas no caso, sejam “zonas de interesse”, insuladas do contexto social, e transformar uma cultura de exclusão (em que fomos criados) numa de inclusão. Penso que este é o nosso desafio que seu pertinente texto nos desperta.”
Sim! Que nossas instituições psicanalíticas deixem de ser zonas de interesse!! Porém parece, parece que as zonas de interesse estão acontecendo entre nós, psicanalistas:
Escreve Liana Albernaz, mais um acorde nesse concerto: “Disso não se fala,. . . muitas vezes ninguém quer saber, mas, para sabermos, nós precisamos falar dos horrores das ditaduras.” (Liana Albernaz, OP). Assim precisamos falar dos horrores atuais: o massacre perpetrado por Israel contra a população palestina, maioria de crianças e mulheres e da destruição de seus bens culturais, hospitais, mesquitas e todas as residências e a ocupação de suas terras para serem desfrutadas pelos israelitas.
Ainda Liana em contraponto, “Quando não podemos falar das sombras, daquilo que mancha e rompe, quando se precisa de valas clandestinas para encobrir ossos e memórias, ficamos amputados em nossa capacidade de pensar e de saber.”
Sabemos todos, mesmo sem querer, que “Gaza é um inferno inaceitável…”, repito as palavras de Delouya e todos sabemos que é um inferno de fogo, ódio, matança indiscriminada de civis, mulheres, grávidas, crianças, crianças muito pequenas. É um inferno intencionalmente produzido, um inferno criado por Israel, a mão armada dos Estados Unidos: o gozo da Pulsão de Morte a serviço da orgia do capitalismo maligno.
Eu falo, sou e fui instruído como psicanalista e formado no mesmo habitar o mundo que: Primo Levi, Isaac Bashevis Singer, Freud, Hanna Segal, Philip Roth, Amitia Hass, Ilan Pappe, Avi Schlaim, Hanna Arendt, Norman Finkelstein, Vozes Judaicas pela Libertação, Jewish Voice for Peace, Alan Schwartz com seu filme “Tantura”, Neta Shoshani com seu filme “Der Yassin”, “Israelism” o filme, Breno Altman, Gideon Levy, Jeffrey Sachs, Daniel Baremboim e muitos outros mestres e companheiros de visão de mundo e de posição ética que não estão mencionados.
A minha turma de origem judaica é muito grande, o que me traz muito conforto e apoio, pois, por outro lado, vinha me sentindo quase só entre tanta voz psicanalista.
Entretanto, entre tantas argumentações, com visão clara e simplicidade exemplar Adriana Augusta falou: “Hoje a humanidade está unida para defender os palestinos, não por serem palestinos, mas por serem Humanos. Todo repúdio aos fascistas, aos nazistas, aos sionistas e quantos mais “istas” surgirem e praticarem tais crimes. Mas não repudio por fazerem parte deste ou daquele povo, religião ou civilização, mas simplesmente por cometerem crimes contra a Humanidade.” São minhas também as palavras de Adriana.
Emocionado
Pergunto
Será que entre psicanalistas há os que suportam e apoiam o massacre perpetrado por Israel?
Será que há os que não querem se envolver num movimento claro, explícito, público de oposição e condenação ao massacre e destruição promovida por Israel em Gaza?
Testemunhos do silenciamento.
Desde o início de minha formação psicanalítica numa instituição associada, (ou filiada?), à IPA, desde o primeiro dia, e falo de fato e ato: a atmosfera e as palavras, imperativas, eram de silenciamento e ocultamento, “pelo bem das análises em andamento” !!??
O Patriarcado dominante, autoritário e independente de gênero era o que imperava, imperava mesmo o patriarcado maligno, introjetado narcisicamente, inconsciente e mantido pela força dos ganhos secundários, as zonas de interesse.
A motivação manifesta dirigida aos alunos e analisandos era de silenciamento e ocultamento para preservar as análises didáticas.
A grande denúncia que desvelava o ocultamento, a cisão e o recalcado era o livro de Helena Besserman Viana “Não Contem a Ninguém”. Contava a história, mas poucos ou pouquíssimos alunos-candidatos queriam saber. Não liam: não queriam problemas com seus analistas, didáticos, seus supervisores e docentes – “zonas de interesse”. Não queriam atrapalhar suas análises?!
Acho que Amilcar Lobo foi um dos que leu. Acho, mas não sei , mas de qualquer forma não havia mais zona de interesse que ele pudesse desfrutar.
Desde o início, um dos inícios aqui no Rio, (os inícios são sempre vários e variados) o analista formador era alemão, ariano e egresso do Instituto Psicanalítico de Berlin e membro do Instituto Goering de Psicoterapia Alemã, (saiu do primeiro devido à arianização, perseguição e execução de analistas judeus e associou-se ao segundo) veio para o Rio em 1947\1948, por decisão política e empenho de E. Jones, analista britânico e principal líder e influência na IPA naquela época. Em 1948 Kemper iniciou formações psicanalíticas aqui no Rio de Janeiro.
Liana continua seu som e fúria:
“Nós, psicanalistas, não podemos apagar a terrível nódoa que representou o caso Amilcar Lobo/Leão Cabernite com a complacência da IPA, na figura do seu então presidente Serge Lebovici, e a corajosa denúncia feita por Helena Besserman Viana.”
Ora, o analista mais famoso, poderoso e promissor, ex analisando de análise didática com Kemper, Leão Cabernite, tornou-se, às vésperas de uma grande honra para si, a promoção de um Congresso da IPA no Rio, objeto de denúncia pública, acusado de manter um membro da equipe de tortura do governo militar em análise didática.
E os horrores atuais, do massacre perpetrado por Israel contra a população palestina?
Valton Leitão , desenvolveu abrangente texto, “Tamânato Política ou Matança Autorizada” no OP 488/2024 e com seu ritmo propõe-nos: “Construir uma nova razão exige esforço prático e conceitual de intelectuais orgânicos e lideranças políticas consagradas.” Acrescento agora, também de psicanalistas dedicados à justiça, paz e direitos humano. “O contencioso com Israel não é questão numérica, mas o fato objetivamente constatado de que a empreitada colonizadora israelense já matou mais de 70 mil palestinos, sendo a esmagadora maioria de mulheres e crianças. Assim, para maior precisão nocional pode-se dizer que o exército israelense promove um genocídio na Faixa de Gaza.”
“Esses acontecimentos “trágicos” já estão ocorrendo há mais de sessenta anos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, indicando o tipo de política tanática e colonial que os europeus praticaram largamente na África. A ONU tem reiteradamente condenado o morticínio produzido por Israel na Faixa de Gaza, mas suas manifestações retornam como ecolalia.”
Sobre nomes.
Sobrenomes importam, mas às vezes, muitas vezes, exageramos muito sobre sua importância.
Genocídio, matança sistemática de civis, destruição de suas formas de vida, massacres, assassinatos de famílias inteiras, implantação do terror, são práticas comuns desde o início da ocupação colonialista européia. No caso que abordamos, trata-se de ocupação da Palestina por europeus de origem judaica.
Não sejamos técnicos, mas humanistas.
Empenhemo-nos com nossas vozes em uníssono para condenar a matança, o massacre em Gaza, e salvar a terra e o que resta do povo palestino e restaurar a ética dos direitos humanos, a coexistência pacífica, a justiça e a bondade. A prevalência da Pulsão de Vida.
A Curadoria do OP concluí, no Editorial Sódepois 46, de fevereiro de 2024, esse movimento do concerto, essa grande sinfonia, que o OP vem regendo com maestria e delicadeza, no seu editorial:
“é nosso compromisso ético lutar contra a brutalização da vida e o cerceamento da palavra.”
Petrópolis, 26 abril de 2024. Atualizado em 6 de junho 2024.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
OBS.: Os comentários citados pelo autor se referem ao ensaio OP 489/2024 Zona de Interesse, de Luciana Saddi (SBPSP)
Categoria: Política e Sociedade; Instituições Psicanalíticas
Palavras-chave: Gaza, Instituições Psicanalíticas, Zonas de Interesse, Israel, Massacre
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