Observatório Psicanalítico OP 469/2024 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

O som do rugido dessas ricas criaturas

Juliana Lang Lima – SBPdePA

O verão de 2024 já escolheu sua personagem principal: aos 41 anos e com vinte de carreira, a atriz Paolla Oliveira deu o que falar nos meses mais quentes do ano. Jornalistas, estudiosos das disciplinas humanas, feministas e influenciadores digitais se posicionaram com rapidez logo que a polêmica começou. De um lado, aqueles que noticiavam o aumento de peso da atriz; de outro, os que condenavam a facilidade com que se forma uma opinião pública sobre um corpo feminino.

Pelo muito que se falou até agora, parece óbvio que iremos concordar, ao menos aqui nesse fórum, quanto à inadequação dos comentários sobre a aparência de Paolla. Por isso mesmo, proponho que possamos ir um pouco além, buscando compreender o que se encontra por detrás de discursos que escapam tão facilmente da boca de todos – e todos mesmo, afinal, ninguém está imune ao impulso quase incontrolável do pitaco sobre a vida alheia.

No que se refere a esse pitaco, teceremos reflexões um tantinho mais específicas. Sabemos que em uma sociedade pautada por valores patriarcais, o corpo da mulher segue sendo alvo de determinações, implícitas e explícitas, que se colocam desde muito cedo na construção dos ideais. Como mãe de duas crianças pequenas, tenho observado com curiosidade esse fenômeno. Enquanto meu filho ganha presentes como carrinhos, dinossauros, itens de futebol ou super-heróis, minha filha já tem uma coleção de bonecas e acessórios como bolsas, colares e pulseiras. E, atenção para o detalhe: ela acaba de completar dois anos!

Entendam que não desejo fazer uma crítica aos signos que compõem a construção da identidade feminina e masculina, nem mesmo ensejar uma apologia ao gênero neutro ou à abolição da diferença (mesmo porque é fácil compreender que também aos meninos são endereçados uma série de imperativos). Esse exemplo caseiro serve tão somente para pensar naquilo que se apresenta como desejável para uma mulher desde que ela passa a habitar esse mundo. Junto aos brilhos e babados que compõem o figurino das roupinhas infantis, envia-se para um convite para ocupar determinado papel na cultura, em geral pautado por uma mescla ideal entre beleza, ternura e sensualidade.

Talvez seja por isso que o fato de uma celebridade engordar seja capaz de gerar tantos comentários, pois contraria o padrão imaginado para alguém com fama e dinheiro. Além disso, aumentar o manequim também dá notícias da passagem do tempo, de um corpo que não permanece impassível diante da transitoriedade, simplesmente porque nada pode barrar o tempo que corre, os dias que se sucedem e, na melhor das hipóteses, iremos todos envelhecer. Mas, bem, esse debate não é sobre etarismo, embora suas nuances também possam ser vistas nas entrelinhas das críticas ao corpo da atriz.

Entre minhas hipóteses, surgiu também outro ponto a se destacar nessa personalidade pública: trata-se de uma mulher heterossexual, casada e sem filhos – e que já afirmou, publicamente, que esta não é uma questão para ela. Por ora, não deseja ser mãe e sente-se feliz assim, uma pequena transgressão social que faz com que outro tabu seja cutucado. Além de engordar um pouco, e aparentar estar tranquila com isso (em tempos de canetas mágicas, que prometem emagrecer com rapidez e eficiência), Paolla exerce a sexualidade exclusivamente para o próprio prazer, refutando o lugar sagrado da maternidade, sem culpa.

Mas, e desde quando as mulheres podem usufruir de seus corpos e gozar em paz? O recente lançamento de Yorgos Lanthimos, Pobres criaturas (em exibição nos cinemas), trata justamente desse tema, ao trazer para cena uma protagonista cuja sexualidade aparece quase sem recalque, a ponto de, mais do que escandalizar, enlouquecer seu enamorado. Se alguns filmes funcionam como ajustadas alegorias de nosso tempo, lembremos: uma mulher que rompe com padrões carrega sempre algo de assustador, talvez pelo próprio medo do contágio, que Freud assinalava em Totem e Tabu.

Eis que, em meio a todo o ti-ti-ti sobre seus supostos quilos a mais, Paolla Oliveira surge na Sapucaí vestida de onça, deslumbrante como sempre e consciente como nunca. Em uma de suas entrevistas, explica que a fantasia, apesar de suntuosa, é confortável, porque depois de algum tempo passou a não mais aceitar vestimentas excessivamente pesadas ou incômodas. Em plena idade da loba, exalando libido, Paolla vai se tornando uma voz respeitada, uma brisa de liberdade em um cenário tão complexo. 

E aí, me perdoem se eu for romântica demais, otimista demais, ou qualquer coisa que o valha, mas me peguei aqui pensando que exibir um corpo menos delgado e sentir-se bela com isso, em vez de empreender esforços para livrar-se do peso que os anos trazem, talvez seja até um ato de resistência, mostrando que as coisas mudam e nem os famosos estão imunes a isso. Um pequeno rugido de alguém que se recusa a ser transformada em uma pobre criatura. 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Cultura

Palavras-chave: corpo, sexualidade feminina, Carnaval, Paolla Oliveira.

Imagem: AGNews

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Categoria: Cultura
Tags: Carnaval | corpo | Paolla Oliveira | sexualidade feminina
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