Observatório Psicanalítico OP 467/2024

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Notas sobre o Carnaval do Uruguai 

Gladys Franco – APU

Fevereiro, no Uruguai, é o mês do Carnaval, uma festa que dura quarenta dias, aproximadamente. É oficialmente inaugurado no final de janeiro, com um desfile dos blocos participantes na Avenida 18 de Julho, e termina com a proclamação dos vencedores do concurso anual do carnaval. 

No entanto, esse desfile inaugural, que é transmitido pela televisão e atrai muitas pessoas, não é tão relevante quanto o “Desfile de Llamadas”, que ocorre durante a semana do carnaval. Nele, desfilam os “Comparsas de negros y lubolos” (brancos que pintam o rosto com carvão) nos bairros Sur e Palermo, em Montevidéu, onde, desde o século XIX e por muitos anos, se estabeleceu a comunidade negra do Uruguai, descendente dos primeiros negros a chegar ao país como escravizados. Esse doloroso começo é evocado a cada carnaval, no contexto da expressão artística “comparsas”.

 O nome  “Desfile de Llamadas” deve-se à origem, em que pequenos grupos de tocadores de tambor “chamavam” outros músicos para se juntar e ampliar o grupo. Atualmente, o desfile atrai muitos espectadores, não apenas do país, mas também estrangeiros que viajam especialmente para assistir, ver e às vezes se juntar à “llamada”. É comum que pessoas “famosas” do campo artístico e político participem do desfile.

O carnaval é celebrado em todo o país, mas especialmente em Montevidéu: muitos montevideanos participam como membros dos blocos e muitos mais como público. Em dezembro de cada ano, um júri seleciona os blocos que competirão no concurso oficial, nas diferentes categorias: Comparsas, Revistas, Humoristas, Parodistas e Murgas.

“Murga” é uma expressão coral polifônica que teve origem no início do século XX, inspirada em um grupo espanhol de Cádiz chamado “Murga La Gaditana”. A murga uruguaia modificou sua estrutura ao longo do tempo, em termos de número de integrantes e instrumentos. Atualmente, cada murga conta com um diretor, uma “bateria de murga” (bombo, pratos e caixa) e treze cantores.

A murga canta textos que se ajustam a melodias populares, podendo incluir também temas musicais originais. O espetáculo de uma murga tem duração máxima de 45 minutos, terminando com uma “Retirada”, na qual a murga conclui sua mensagem. A temática sempre se refere a questões atuais: gestão política, problemas, eventos de conhecimento público e de interesse da população, em tom crítico e satírico, mas predominantemente humorístico. No entanto, também é comum apelar para a emoção do público abordando temas dolorosos que marcam a memória do país, ou questões sociais penosas como aumento da pobreza, perda de empregos, infâncias desamparadas, evidências de discriminação, corrupção, entre outros.

O traje e a maquiagem das murgas são avaliados segundo alguns critérios, além dos textos, criatividade e execução. Tanto o traje quanto a maquiagem dos “murguistas” convergem para o caráter de disfarce que uniformiza o grupo, favorece a confusão de identidades de seus membros e consolida, dessa forma, o texto cantado como a voz de um só: o grupo que responde a um único nome (o da murga) e que, por sua vez, se torna, no carnaval, porta-voz do povo, e fundamentalmente, de suas necessidades.

Dentro do carnaval, a murga é o gênero que exerce especificamente a função de analisar o ano decorrido e denunciar falhas e erros, colocando em palavras o que havia sido silenciado e sendo dura na crítica da atuação dos responsáveis políticos. Durante o período ditatorial e pré-ditatorial no Uruguai (1971-1985), os textos das murgas foram sistematicamente submetidos à censura prévia.

Após a ditadura, o carnaval e especialmente as murgas, despertaram o interesse e a participação de muitos artistas com formação teatral e lírica, assim como de diretores cênicos e figurinistas, que a cada ano demonstram mais criatividade e inventividade para destacar os diferentes aspectos. O carnaval dura mais de um mês, mas a preparação de cada conjunto consome vários meses do ano na para possibilitar a integração do grupo, a escrita, o ajuste dos roteiros, a busca de patrocinadores e ensaios, que sempre ocorrem à noite, quando os grupos podem se reunir, ao final do dia de trabalho.

Jaime Roos, um dos nossos maiores cantores populares, tem retratado com precisão, em diferentes temas musicais, aspectos da cena noturna montevideana: os protagonistas e suas famílias, as noites que respiram carnaval de dezembro a março, na expectativa dos ensaios, do desfile, do concurso e dos resultados do concurso.

Aqui estão alguns versos da composição de Jaime Roos: “Por amor à arte”.

Um menino dorme em seu céu

sua mãe o embala

sentada no bar

velhos rapazes experimentam

gorros prateados

seu novo disfarce

um comentário se acende

um coro se perde

silêncio fugaz

contam minutos dourados

amanhã desfilam

o Carnaval voltou

(…)

Meu coração sofre por amor à arte

(sofre)

meu coração colore uma ilusão,

anseia por ter parte

com sua voz na melodia de rua

com o sotaque de pardal (…)

Entre 1997 e 2007, a Associação Psicanalítica do Uruguai (APU) teve sua própria murga (MURGAPU), composta por analistas e analistas em formação. Durante esse período, um grupo utilizou o sistema carnavalesco para animar a festa de fim de ano da Instituição. A explicitação de conflitos e dificuldades, feita com imprescindível respeito e afeto, demonstrou repetidamente a eficácia do humor para lidar com as diferenças e os desacordos.

[1] Ver “Murgas y Dictadura 1971-1974” de Federico Graña y Nairí Aharonian http://www.fhuce.edu.uy

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Cultura

Palavras-chave: carnaval, comunidade, identidade, integração, criatividade

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Texto originalmente escrito em Espanhol

Observatorio Psicoanalítico – OP 467/2023

Ensayos sobre acontecimientos sociopolíticos, culturales e institucionales en Brasil y en el Mundo

Apunte sobre el carnaval del Uruguay.

Gladys Franco – APU

Febrero, en el Uruguay, es el mes del carnaval, una fiesta que dura alrededor de unos cuarenta días; se inaugura oficialmente a fines de enero, con un desfile de los conjuntos participantes por la avenida 18 de Julio, y termina con la proclamación de los ganadores del concurso anual de carnaval. Sin embargo, ese desfile inaugural, que se transmite por televisión y al que asiste mucha gente, no es un desfile tan relevante como el “Desfile de Llamadas”, que se realiza durante la semana de carnaval. En el mismo, desfilan las “Comparsas de negros y lubolos” en los  barrios Sur y Palermo, zona de Montevideo, donde, desde el S XIX y durante muchos años se asentó la comunidad negra del Uruguay, descendiente de los primeros negros llegados al país como esclavos. Ese doloroso origen es evocado en cada carnaval, en el contexto de la expresión artística de las comparsas, desde sus inicios, integradas por “negros y lubolos” (Se llamó “lubolos” a blancos que se maquillan el rostro con carbón, para ser parte de las comparsas). El desfile de comparsas lleva el nombre de “Desfile de llamadas”, debido al origen, en que pequeños grupos de tamborileros “llamaban” con sus tambores a otros músicos a unirse y ampliar el grupo. Actualmente el despliegue del desfile de llamadas, convoca mucho público, no solamente del país, sino extranjeros que viajan especialmente para asistir, ver, y a veces, integrarse a “la llamada”. Es frecuente que personas “famosas” del ámbito artístico y político se unan a alguna comparsa y participen del desfile.

El carnaval se festeja en todo el país, pero muy especialmente en Montevideo: muchos montevideanos participan como integrantes de los conjuntos y muchos más, como público.  En diciembre de cada año un jurado selecciona los conjuntos que competirán en el concurso oficial, en las distintas categorías que son las siguientes: Comparsas, Revistas, Humoristas, Parodistas y Murgas.

A los efectos de esta nota me centraré en las particularidades del género “murga”, que tuvo su origen a en el inicio del siglo XX, tomando el modelo de un conjunto español proveniente de Cádiz, que se llamó “murga  La Gaditana”. La murga uruguaya fue modificando su estructura, en número de integrantes e instrumentos participantes. Actualmente cada murga cuenta con un director, una “batería de murga” (bombo, platillos y redoblante) y trece cantantes.   

La murga es una expresión coral polifónica, canta textos que se ajustan a melodías populares, pudiendo incluir también temas musicales originales. La duración del espectáculo de una murga tiene un máximo estipulado de 45 minutos, que finalizan con una “Retirada”, en la que la murga redondea su mensaje.  La temática  refiere siempre a temas de actualidad, gestión política, problemas, hechos y acontecimientos de conocimiento público y de interés de la población, en tono crítico y satírico, predominantemente humorístico, aunque también es frecuente que se apele a la emoción del público tocando temas dolorosos que pesan en la memoria del país, o fracturas sociales penosas que se revelan en incremento de la pobreza, pérdida de fuentes de trabajo, infancias desprotegidas, evidencias sociales de discriminación, corrupción, etc.  

El vestuario y el maquillaje de cada murga puntúan como rubros a calificar, junto a textos, creatividad y ejecución. Tanto el vestuario como el maquillaje  de los murguistas, confluyen en el carácter de disfraz que uniformiza al grupo, favorece la confusión de identidades de sus integrantes y consolida de esa forma el texto cantado, como la voz de uno: el grupo que responde a un solo nombre (el de la murga) y que, a su vez, se erige en el carnaval, en portavoz del pueblo, y fundamentalmente, de sus necesidades.

Dentro del carnaval, es la murga el género que ejerce específicamente una función de análisis del año transcurrido y denuncia falencias y errores, pone palabras a lo que había sido silenciado y es dura en la crítica del actuar de los responsables políticos. Durante el período dictatorial y pre dictatorial en el Uruguay (1971-1985), los textos de las murgas fueron sistemáticamente sometidos a censura previa [1].

Después de la dictadura, el carnaval y en especial las murgas, captaron el interés y la participación de muchos artistas con formación teatral y lírica, así como de directores escénicos y vestuaristas que cada año demuestran más creatividad e inventiva para el destaque de los distintos rubros. El carnaval dura más de un mes, pero la preparación de cada conjunto insume varios meses del año en el decantado de la integración del grupo, la escritura, el ajuste de los guiones, la búsqueda de promotores y los ensayos, que siempre se hacen de noche, cuando los grupos pueden reunirse, al final de la jornada de trabajo. 

Jaime Roos, uno de nuestros mayores cantautores populares, ha escenificado con precisión, en distintos temas musicales, aspectos de la escena nocturna montevideana: los protagonistas y sus familias, noches que respiran carnaval de diciembre a marzo en la espera de los ensayos, del desfile, del concurso, de los fallos del concurso. 

Transcribo acá algunos versos de la composición de Jaime Roos: “Por amor al arte”

Un niño duerme en su cielosu madre lo acunasentada en el barviejos muchachos se pruebangaleras plateadassu nuevo disfrazun comentario se enciendeun coro se pierdesilencio fugazcuentan minutos doradosmañana desfilanvolvió Carnaval 

(…)

Mi corazón sufre del amor al arte (sufre) 

mi corazóncolorea una ilusión,

 se desvive por tener partecon su voz en la melodía callejeracon acento de gorrión (…)

Entre los años 1997 y 2007, la Asociación Psicoanalítica del Uruguay, tuvo su propia murga (MURGAPU) integrada por analistas y analistas en formación. En ese período un grupo, organizado como murga, usó el sistema carnavalero para amenizar la fiesta de fin de año de la institución. La explicitación de conflictos y dificultades tramitada con imprescindible respeto y afecto, demostró repetidamente la eficacia del humor para abordar las diferencias y los desacuerdos.

[1] Ver “Murgas y Dictadura 1971-1974” de Federico Graña y Nairí Aharonian http://www.fhuce.edu.uy

(Los textos publicados son responsabilidad de sus autores)

Categoría: Cultura

Palabras-clave: carnaval, comunidad, identidad, integración, creatividad

Imagem: Hugo Aveta. Dioses invisibles (video-instalación, 2022)

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Tags: Carnaval | comunidade | criatividade | Identidade | Integração
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