Observatório Psicanalítico – OP 446/2023 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo 

“Pálido Ponto Azul”

Malu Gastal – SPBsb

No final de minha adolescência, quando já não queria fazer quase nenhum programa com meus pais, ainda assim costumávamos nos reunir regularmente diante da televisão para assistir aos episódios de “Cosmos”, de Carl Sagan. Eu acabara de ingressar no curso de biologia e me distanciava do que parecia ser meu destino, algum tempo antes: o de estudar letras, ou história, ou jornalismo e seguir ao lado de meu pai. Já não ia ao cinema com ele com a mesma frequência, nem conversávamos tanto sobre nossas leituras. Mas assistíamos juntos aos episódios de Cosmos, talvez porque ali estivesse a ciência da qual eu – para espanto de todos – me aproximara, mas também a beleza da escrita de Carl Sagan, que sempre foi um mestre em revelar a beleza da ciência em textos que flertavam com a poesia. Naqueles momentos, nos encontrávamos – meu pai e eu -, ele com seu amor à arte e à literatura (que me legou) e eu com meu fascínio recém descoberto pela ciência.

No dia 9 de novembro passado, Carl Sagan completaria 89 anos. Em homenagem à data, circulou nas redes sociais um vídeo que ele produziu em 1994, refletindo sobre uma foto obtida em 14 de fevereiro de 1990 pela sonda Voyager 1, de uma distância de seis bilhões de quilômetros da Terra. O título da foto, “Pale Blue Dot” (Pálido Ponto Azul) fazia referência à insignificância do tamanho de nosso planeta, um minúsculo ponto perdido na imensidão do espaço. Somos, como ele também afirmou, “poeira de estrela”.

O vídeo, que havia assistido há tantos anos, me tocou profundamente. Este pálido ponto azul, a única casa que conhecemos e co-habitamos com todos os outros seres humanos (judeus, palestinos, indígenas, pretos, amarelos, brancos, homens, mulheres, trans…) e mais de um milhão de outras espécies (mas cada vez menos, graças a nós), está cada vez mais ameaçado. Por nós.

Enquanto vivemos o ano mais quente já registrado na história, enquanto a Amazônia é assolada por sua maior seca e o sul do país se afoga sob sucessivos ciclones, enquanto milhões sucumbem à fome em territórios onde a falta de água é cada vez mais frequente, os seres humanos se ocupam em matar uns aos outros. Alguns poderão dizer que é pulsão de morte, e que é, portanto, destino humano.

Mas somos Eros e Thanatos, somos vida e morte, amor e ódio. Somos natureza e cultura. Pensei em escrever um texto denso, trazer Freud para a prosa, mas, afinal, percebi que só gostaria, mesmo, de deixar que Carl Sagan nos lembrasse de nossa insignificância grandiosa. Somos poeira de estrela, mas construímos muito com essa argamassa.

Então, compartilho aqui o vídeo de Sagan e em seguida, outro, com uma música belíssima composta pelo compositor espanhol Macaco – “Blue – diminuto planeta azul”, que interpreta com seu conterrâneo Juan Manuel Serrat e com o “moro judio” (como se descreve) uruguaio Jorge Drexler.

É uma proposta de pausa. Sentemos lado a lado, no sofá da sala, para assistir ao encantamento de nossa insignificância, porque dela, da poeira de estrela que produziu também o pensamento, muita coisa nova já surgiu. 

Como lembra Riobaldo, nosso maior filósofo, “Tudo o que já foi é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito”. A psicanálise sempre se dispôs a pensar o novo. Agora, isso é uma questão de sobrevivência, nossa e deste pálido ponto azul.

https://www.youtube.com/watch?v=SHDelUDudbU

https://www.youtube.com/watch?v=Uo0a3U2RN6U

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Imagem: Pale blue dot, extraída da série “Cosmos: A Spacetime Odyssey”, da 21st Century Fox, baseada em livro de Carl Sagan. 

Categoria: Cultura; Homenagem; Emergência climática

Palavras-chave: aquecimento global, Amazônia, Carl Sagan, pulsão de morte, pulsão de vida. 

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Tags: Amazônia | aquecimento global | Carl Sagan | pulsão de morte | Pulsão de vida
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