Observatório Psicanalítico – OP 436/2023 

 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Como trazer alguma luz para o massacre no Oriente Médio 

Alicia Beatriz Dorado de Lisondo (SBPSP) 

Desejo expressar minha profunda solidariedade aos judeus, palestinos, muçulmanos, à população de Gaza, aos povos vizinhos do cenário do horror, também aos que hoje sofrem pela perda, sequestro e desaparecimento de entes queridos nesta nova guerra.

Como ser humano, como mulher, mãe, psicanalista, não é possível calar e buscar no silêncio, um refúgio defensivo “protetor”, um albergue para a ambiguidade.

O povo judaico fez muito pela humanidade. Com 170 Prêmios Nobel, eles têm oferecido significativas contribuições científicas e humanitárias ao mundo. 

 Hoje, o repúdio é ao terrorismo, ao massacre iniciado pelo Hamas em Gaza.  O complexo momento histórico, com enormes interesses geopolíticos em jogo, não permite simplificações binárias, como seria analisar o enfrentamento entre judeus e palestinos.

Quando bebês são degolados na presença dos progenitores, quando crianças são sequestradas e afastadas dos pais, quando jovens numa festa são assassinados, a selvageria impera.

Como psicanalistas, talvez não tenhamos teorias que nos ajudem a compreender a tragédia. Destrutividade, tropismos parasitários e assassinos, fanatismo, crueldade, maldade, só nos permitem uma aproximação à célebre questão já levantada por Freud: “Por que da Guerra?”

Mas como psicanalistas sabemos dos efeitos devastadores dos traumas psíquicos provocados pela tortura, a violência sexual, a morte, os desaparecimentos, as mutilações e sequelas dos sobreviventes, o exílio com as múltiplas perdas impostas, os lutos congelados; consequências das guerras que se arrastam morbidamente e transcendem histórias transgeracionais. 

O holocausto deixou essa lição.

O bombardeio a um hospital nos deixa consternados. Claro que importa saber se houve intencionalidade nesse ataque e quem foi o autor de mais essa barbárie. Mas numa guerra acidentes também podem acontecer. Até por configurações inconscientes. Que escape de desejo pode ter ocorrido? 

O cenário é de atrocidades.

Penso que nos cabe divulgar e informar sobre fatos, interpretações históricas, dados, para que o mundo tome consciência que o antissemitismo existe e que o fanatismo tem atacado os alicerces de todo sistema democrático e civilizatório. O governo Bolsonaro foi mais um exemplo.

Como psicanalistas, podemos transformar nossa indignação, dor, perplexidade, numa ação eficaz, utilizando as ferramentas de nossa ciência-arte para oferecer terapia psicanalítica às vítimas desta guerra. Nós sabemos o valor: da relação analítica intersubjetiva e estética; da escuta psíquica; do poder do investimento afetivo na relação; da importância da atenção qualificada; dos efeitos da empatia metaforizante; de nos oferecer como uma companhia viva; das transformações operadas no campo analítico com nosso sonho alfa; da construção de um setting metapsicológico com seu ritmo, constância, previsibilidade, continuidade e descontinuidade; da continência; da aposta em cena da capacidade negativa; do empréstimo de nossa mente analisada para sonhar e oferecer possibilidades de expressão aos terrores sem nome, talvez para que eles alcancem a palavra poética compartilhada; da fé e esperança; e de nossa paixão pelo método analítico e pelo objeto analítico. Poderíamos continuar enumerando outros alcances e efeitos de nosso trabalho.

Circula um comovente vídeo de um menino no hospital atingido em Gaza. Ele revela com o tremor corporal, e a fisionomia de espanto, o horror ante o desamparo e as angústias catastróficas. Quando o médico lhe oferece acolhimento psíquico, a criança pode expressar em choro sua tempestade emocional ao invés de ficar incomunicável! Ela encontrou alguém com quem chorar, para quem chorar.

O Projeto SOS Brasil da FEBRAPSI que atende a bebês e suas famílias, crianças, adolescentes, profissionais da Saúde, da Educação e do Poder judiciário, pais, cuidadores e instituições como Hospitais, Escolas, Creches, Abrigos nasceu em 2021 em plena pandemia, quando faltava oxigênio para bebês nas UTI de Manaus. Hoje atende gratuita e emergencialmente todas as situações de sofrimento psíquico da população carente brasileira, que segue nos procurando. Por isso agora também oferecemos este atendimento aos compatriotas afetados por esta guerra.

Convidamos os colegas da nossa Federação a arregaçar as mangas e trabalhar nesse projeto, cientes de nossa responsabilidade social e ética ante o sofrimento humano, principalmente quando ele pode vir a paralisar, perturbar, intoxicar, perverter o crescimento psíquico de crianças e adolescentes que precisam construir sua subjetividade.

No artigo “Três ensaios sobre a sexualidade”, Freud (1905, p.212), nos fala de um menino assustado que diz a sua tia: “Fala comigo, estou com medo porque está muito escuro” e ela responde: “O que você ganha com isso? Você não pode me ver de qualquer maneira.” Ao que o menino respondeu: “sempre que alguém fala, tem um pouco de luz”. 

Visite nosso site www.sosbrasilpsicanalise.com.br

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Política e Sociedade; Instituições Psicanalíticas 

Palavras-chave: psicanálise, dever social, traumas, desamparo, fanatismo, crueldade  

Imagem: “Carrinhos de bebê vazios são usados em protesto para lembrar crianças mortas na Ucrânia”, publicada no veículo de notícias R7 online no dia 18/03/2022 pela Reuters. Link da matéria: https://www.r7.com/SaiH 

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Tags: crueldade | desamparo | dever social | fanatismo | Psicanálise | traumas
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