Observatório Psicanalítico – OP 428/2023 

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo 

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Marielle Kellermann (SBPSP) 

Glossário do texto:
(tudo bem você, leitora ou leitor, não conhecer essas pessoas, aproveito e peço desculpas, de antemão, pelo longo preâmbulo).
Luisa Sonza: cantora pop, 25 anos, nascida no RS.
Whindersson Nunes: comediante piauiense, 28 anos, grande sucesso na internet.
Vitão: cantor pop, 25 anos, paulistano.
Chico Moedas: 27 anos, nascido em Niterói.
 
Luisa Sonza casou-se com Whindersson em 2018. Comentei o pedido de casamento deles em um artigo na IDE de 2017 a respeito da influência de Youtubers no novo cenário de mídia digital. Na época, Whindersson já era um sucesso, o comediante piauiense de 28 anos conta atualmente com 44 milhões de inscritos em seu canal do Youtube (setembro de 2023).

Luisa e Whindersson se separaram em 2020, mesmo ano do lançamento da música e clipe “Flores”, que Luisa fez com Vitão (também cantor pop, como Luisa). Clipe considerado um soft porn com Luisa de lingerie no papel da mulher sedutora e desinteressada : “Eu tenho tão pouco tempo livre pra gastar na minha cama com um cara mais novo” (letra da música “Flores”).

Luisa e Vitão namoraram, terminaram alegando que não aguentaram o ataque dos haters de Whindersson em suas redes, que condenavam Luisa por infidelidade ao ex-marido.

Agosto de 2023, Luisa lança a música “Chico”. Semanas depois, chora no programa da Ana Maria Braga, contando da traição do novo namorado.

Chico Moedas (27) passou a ser conhecido no ato da publicização do namoro e da música em homenagem a ele. Ninguém entende o que Chico faz da vida. Segundo o próprio, começou duas faculdades e não seguiu, não gosta de trabalhar e começou a investir o dinheiro do pai em Bitcoins. Luisa o conheceu em lives em que o rapaz aparecia ao lado de amigos.

Essa introdução toda, com esse pessoal nascido quase nos anos 2000, para dizer que não é à toa a publicização extensa de tudo, do pedido de casamento à declaração de mulher traída. Luisa, Whindersson, Vitão, Chico (que caiu meio de gaiato na história) são nativos digitais criados na lógica da super exposição das redes sociais. É tudo verdade ou é estratégia de marketing? A resposta mais realista seria provavelmente uma mistura indissolúvel desses dois ingredientes.
 
A música “Chico” foi considerada a primeira Bossa Nova a chegar no topo do Spotify, tendo colocado Luisa Sonza sob o olhar apaixonado até de Nelson Motta e dos brasileiros afeitos às referências estratégicas que a música traz a outro Chico que tanto gostamos: “Chico, sou dessas mulheres…” (que só dizem sim).

Segundo uma amiga, todas as mulheres estavam traindo o marido com o “Chico de Luisa”. Todo mundo gostou de ter o amor romântico redimido das músicas de “senta senta” dos funks adolescentes atuais. No clipe “Chico”, Luisa aparece com uma estética romântica e vulnerável. Fala que é uma honra ser cafona para o povo que considera monogamia “papo de doido” (letra da música “Chico”). O pianista Antonio Vaz Lemes, em seu perfil (no Instagram) (TIRAR) @pianoquetoca, no Instagram, comenta que o samba de uma nota só da Bossa Nova de Chico é “generoso no seu contorno melódico”, em oposição à melodia do refrão que é estática e reverente. O pianista completa: “quem não aceitaria esse convite?”
 
Por que o burburinho em relação a esse último episódio de traição de Luisa? Que nova mulher é esta que se casa, se separa, é acusada de adúltera, namora, faz música romântica e chora a dor da traição, ganhando bastante dinheiro com o produto desse(s) romance(s)?

A internet, como palco de leões carnívoros por bandeiras e fofocas, se dividiu em vários times, cada um gritando mais alto que o vizinho para emplacar a sua versão da história.

Vozes feministas bradam a respeito da dor da mulher e da necessidade de responsabilização e exposição dos homens infiéis. Uma legião de homens héteros se levanta em defesa de Chico que, coitado, estava sendo exposto demais e isso o incomodou. Se muita gente comenta, consome, pesquisa, é porque essa dor é comum, compartilhável, não apenas em botões de redes sociais, mas no sintoma e sofrimento próprio de cada um.

Quem nunca sentiu o peito literalmente doer, queimar (mesmo sabendo que a dor era outra) pela experiência de não se sentir escolhida, amada, eleita? A dor da pergunta boba (e tão comum no divã): o que ela tem que eu não tenho?
O que dói em nós com os ciúmes, a traição? As palavras estão no feminino, mas os homens não estão liberados dessa parcela dolorida da experiência humana, tendo passado por ela, muitas vezes, também fazendo música a respeito.

O próprio conceito de traição é pilar sustentador da lógica da monogamia. Se a monogamia propõe-se, a partir de combinados, a conter a realização do desejo, supõe, em sua estrutura, que o desejo não funciona assim, contido. A presença de grades faz a gente inferir o risco de fuga ou invasão. O desejo não namora ou se casa por decreto, ou combinado, mesmo que o comportamento possa fazê-lo (por repressão, ou por tempo limitado).

Temos visto em nossos consultórios, em especial entre os da geração mais jovem, novas possibilidades de acordo. Se, há algum tempo, as mulheres se casavam virgens, atualmente é corriqueiro casais conversarem e combinarem outros arranjos sexuais e amorosos inéditos até então, pelo menos para o lado feminino (o combo monogamia mais traição foi um produto largamente consumido por homens ao longo do tempo.

Cabe aqui uma dúvida (sincera e sem resposta): a dor da Luisa (e de todas e todos nós) nasceria das raízes da lógica da monogamia, na qual o desejo pelo outro (ou, o desejo como ele é) seria interpretado como ato de desamor? Nesse sentido, cada acordo monogâmico firmaria outro, tenso e ortopédico, com a possibilidade versus impedimento da realização do desejo fora desse pacto? Ou essa dor estaria apoiada em fundamentos mais atemporais como nosso frágil narcisismo e o desamparo do amor objetal que nunca, jamais atenderá ao nosso anseio de devorar o outro, de dominar, engolir, possuir e na direção contrária, se fundir, ser possuída, preenchida por um outro que nos eleja e nos complete in-tei-ra-men-te.

O amor genital adulto (seja lá o que isso for e se existe) será sempre um remendo mal-acabado do anseio infantil do nosso narcisismo?
 
Vale tentar integrar tudo isso em novos arranjos de relacionamento afetivos sexuais ou a saída é chorar e, fazendo o melhor negócio disponível, sublimar em arte, música e dinheiro? Vide Miley Cirus com Flowers e Shakira com Bzrp (mulheres traídas que fizeram músicas de sucesso a respeito de sua dor).
Vale pontuar que “Escândalo Íntimo”, álbum de Luisa do qual faz parte a faixa “Chico”, quebrou o recorde de estreia no Spotify Brasil com 8,5 milhões de streams em 24 horas (notícia terra.com).

Luisa e Chico vieram nos contar que o amor romântico ainda vende, mesmo que esse, tão Vinicius de Moraes, seja eterno por algumas semanas.
Ouço muito, em especial das pessoas não tão jovens quanto os personagens citados neste texto, que “relacionamento aberto é difícil”.

Ouvimos todos os dias, em nossos divãs, o quanto a monogamia é difícil.
Lidar com o próprio desejo é difícil. Lidar com nosso desejo de sermos amados como objetos únicos e totais é difícil. Esforçar-se e sofrer para controlar o desejo do outro é difícil. Há várias opções no cardápio, fique à vontade para escolher o seu difícil.

Referências:
 
https://www.terra.com.br/diversao/luisa-sonza-quebra-recorde-de-streams-com-escandalo-intimo,e8d44030a203508898c7865f97259aa7smgiktv0.html
 
BARBOSA, Marielle Kellermann. A questão do íntimo na internet. Youtubers como psicanálise do quotidiano. Ide (São Paulo) [online]. 2017, vol.39, n.63, pp. 99-115. ISSN 0101-3106.
 
Clipe Flores (Luisa Sonza e Vitão): https://youtu.be/meL5o_pmU_w?si=4WsyFtfOukJMg_QM
 
Clipe Chico: https://youtu.be/JQgH5RiGAeg?si=KtYgVj7HU02iBe8f
 
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
 
Categoria: Cultura
 
Palavras-chave: monogamia, narcisismo, relacionamento aberto, traição, Luisa Sonza

Imagem: site terra

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Categoria: Cultura
Tags: Luisa Sonza | monogamia | narcisismo | relacionamento aberto | traição
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