Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
A função política do ódio
Valton de Miranda Leitão (SPFOR)
“Nem um sábio teólogo jamais calculou quantos anjos cabem na ponta de um alfinete.”(Santo Agostinho)
O julgamento pelo TSE que resultou na inelegibilidade por 8 anos de Jair Bolsonaro traz para a reflexão política e psicanalítica algumas questões fundamentais. A mais importante é o fato de que Bolsonaro é apenas a liderança de um projeto político de extrema direita meticulosamente pensado e planejado dentro de um modelo que articula as duas linhagens do funcionamento coletivo: a objetal e a subjetal.
Evidentemente, sabemos que na prática política é difícil estabelecer uma linha demarcatória, separando objetividade e subjetividade, como Maquiavel já tinha estabelecido. O autor de O Príncipe mostrara nessa obra que o governante deve ser temido, mas não odiado. Essa premissa evidencia o uso maquiaveliano do ódio (linhagem subjetal) para o sucesso do governante (linhagem objetal). Freud examinou, em 1921, o papel do líder, exemplificando com a decapitação do General caldeu Holofernes, determinando a dispersão do seu exército. O líder, portanto, é o gênio místico equilibrado, conforme Bion, que tem a cabeça no lugar. O líder carismático que não possua forte ancoragem na Razão com muita probabilidade se inclinará para a ditadura.
Platão, no seu livro A República, traz a metáfora de Giges, cujo anel num simples movimento transforma seu usuário num democrata ou tirano. O tirano pratica o ódio por inclinação pessoal e conveniência política. O uso do ódio como modus operandi na política exige que seu praticante tenha grande capacidade para enganar e, portanto, para mentir. É por isto que a mentira é praticada com tanta desenvoltura por Bolsonaro e seus seguidores.
Muitas vezes temos a impressão de que não se dão conta da existência de uma verdade factual. É como se suas mentes funcionassem na parte psicótica da personalidade, na qual o delírio não é reconhecido. Disso decore, uma dificuldade muito grande para o exercício da pensabilidade. Além disso, o manejo competente de processos robóticos e algorítmicos combina esses diversos elementos, arrastando o inconsciente de uma parcela ponderável da coletividade.
No caso da inelegibilidade, Bolsonaro foi julgado por apenas um da centena de crimes que cometeu, ou seja, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação públicos. Os juízes não bolsonaristas que o julgaram assinalaram estupefatos sua incrível capacidade para mentir e, pior, se fazer acreditar por um número tão grande de pessoas. Hitler e Mussolini, que eram de longe melhores oradores que Bolsonaro e com muita capacidade intelectual, possuíam essa extraordinária força de persuasão mentirosa.
Outro componente sempre presente na acusação feita pela extrema direita contra os seus inimigos é taxá-los de corruptos. O ex-juiz Sergio Moro é modelar para compreender a projeção, pois enquanto se passa por exemplo de honestidade, projeta nos outros sua própria desonestidade. A projeção é um mecanismo próprio da paranoia e consiste em atribuir a outrem algo que o indivíduo não admite nele próprio. Esta é a razão pela qual a arquitetura política da extrema direita utiliza sempre o bordão da corrupção contra seus adversários.
A configuração paranoica é completada pelos mecanismos da negação, da purificação e de redenção. Neste ponto, os paranoicos costumam dizer que estabeleceram uma aliança com Deus na sua luta contra o demônio. O circuito então está fechado e para que a “ordem do mundo” se restabeleça, os juízes da “verdade” deverão usar o Direito para esmagar o diabo!
O Brasil viveu durante os últimos 6 anos um verdadeiro circo de horrores: a saúde pública seriamente abalada tanto pela incompetência quanto pela negação da realidade da pandemia do COVID; a educação enxovalhada e roubada em todas as suas esferas; as instituições desmanteladas sob constante ameaça de golpe e instalação de uma ditadura. É nesse contexto que Bolsonaro é tornado inelegível, afastando temporariamente da vida política um indivíduo infame e perigoso.
Felizmente, para o Brasil, as instituições funcionaram e o poder judiciário cumpriu seu papel. É preciso ressaltar, finalmente, o crescimento moral e jurídico do ministro Alexandre de Moraes, cuja coragem tornou-o objeto de admiração.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
Categoria: Política e Sociedade
Palavras-chave: Inelegivel,ódio,infame,decapitado,coragem
Imagem: Justiça (escultura em frente ao STF), Alfredo Ceschiatti
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