Observatório Psicanalítico – OP 405/2023

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

E os bebês? O que a psicanálise tem a dizer sobre as intervenções no tempo inaugural do psiquismo

“Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.” (Barros, 2003)

COMISSÃO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA DA FEBRAPSI: Adriana Vilela Jacob Francisco (SBPRP), Claudia Maria Gomes de Freitas (SBPMG), Elizabeth Anderson Madrid Francisco (SPPel), Hemerson Ari Mendes (Febrapsi), Jane do Carmo Moura Fabian (SBPG), Joice Calza Macedo (SBPCAMP), Katia Wagner Radke (SPPA), Liliana Dutra de Moraes (SBPSB), Lourdes Negreiros (SPFor), Magda Passos (SPRPE), Maria Esther Mihich (SBPRJ), Maria Fernanda Marques Soares (SPMS), Marisa Helena L. Monteiro (SPRJ), Marli Claudete Braga (GPC), Marly Terra Verdi (GEP-SJRP) – Coordenadora Miriam Altman (SBPSP), Patrícia Lima de Oliveira (GEP-SC), Renata Arouca de Oliveira Morais (Febrapsi – SPBsb), Valéria Rodrigues Silveira (ABC-SPPEL), Vera Maria H. Pereira de Mello (SBPdePA)

Em março deste ano, 2023, passamos a compor, com a inclusão gradual e representativa de todas as federadas, a Comissão da Infância e Adolescência da FEBRAPSI. Logo nas primeiras reuniões, a partir de uma questão bem objetiva, relativa ao nome da Comissão, conversamos sobre a situação da Psicanálise de Bebês no Brasil.

Embora Freud tenha descoberto o método psicanalítico como um tratamento que emprega essencialmente a palavra, Klein introduziu o trabalho com crianças mediado pelo brincar, o que favoreceu a intervenção precoce, antes mesmo que se instalasse o desenvolvimento da capacidade de se expressar através da linguagem.

A psicanálise, desde seu início em Freud, fala da importância deste período, e o coloca como perdido nas brumas. Hoje, os conhecimentos psicanalíticos têm se voltado para compreender e descrever estes tempos primordiais. Os novos alcances da teoria e técnica psicanalítica, a expansão da analisabilidade de pacientes não neuróticos, a própria atividade de observação de bebês como fonte de estudo e o aprimoramento da escuta analítica vêm consolidando a psicanálise como um instrumento legítimo de intervenção no atendimento dos bebês.

Essa intervenção tem promovido conhecimentos e desenvolvido teorias que possibilitam melhores ferramentas para os cuidados e manejo do recém-nascido pelas mães, pais, famílias, cuidadores e a sociedade como um todo. Entender o bebê e a relação com seus primeiros objetos, seu mundo interno, e o desenvolvimento do psiquismo nos revela o que há de mais primitivo em cada um de nós, dando voz àquilo que nos era quase impossível de apreender e analisar, enfatizando a complexidade inerente à estruturação do psiquismo.

Nascemos num caos pulsional, que vai adquirindo contornos cada vez mais precisos a partir da existência de um objeto cuidador que nos oportuniza ser! É por meio do enlaçamento pulsional compartilhado entre si que as vivências primitivas podem ascender ao trajeto representacional.

O ser humano nasce em um estado de desamparo absoluto e necessita de um outro que lhe vá oportunizando condições de se desenvolver e de existir. Uma mãe, quando toma um recém-nascido no colo, sabe que é preciso levantá-lo aos poucos para que o bebê não sinta que irá se despedaçar (Winnicott, 1963/1994).

Falamos de um tempo inaugural. Tempo em que se dá a construção do eu e do outro, dos objetos percebidos e construídos interna e externamente. Tempo em que se inauguram as funções mentais e do qual depende a estabilidade de estruturas que darão origem ao pensar e ao simbolizar. Tempo de profundas conquistas e transformações que deixarão marcas importantes para o que será vivido adiante. Enfim, tempo de nossas fundações.

Abrir um espaço para pensar essa etapa da vida é uma maneira de construirmos um lugar de destaque a todo o processo de constituição do psiquismo, ressaltando a importância das experiências primitivas que irão influenciar o futuro de um ser humano. Cientes de que, por muito tempo, a psicanálise de crianças ocupou um espaço restrito nas instituições psicanalíticas, queremos, na atualidade, enfatizar a relevância de um lugar pertinente para refletirmos sobre as aplicações dos conhecimentos psicanalíticos no trabalho com bebês.

Autores como Klein, Winnicott, Spitz, Mahler, Meltzer, Bion, Tustin e tantos outros, se debruçaram no intuito de trazer luz a estes tempos do império do não-verbal, dos impensáveis e irrepresentáveis, contribuindo, a partir de seus referenciais teóricos singulares, para a expansão dos conhecimentos sobre os primórdios da constituição do psiquismo.

A partir das formulações de Esther Bick, a observação da unidade mãe-bebê torna-se um instrumento fundamental para desenvolver a escuta do psicanalista, ao mesmo tempo em que lhe convoca para vivenciar os impactos inerentes ao desenvolvimento de uma postura não interventiva diante das vicissitudes contidas na relação da dupla mãe-bebê.

Segundo Winnicott (1971/1975), essa vivência da relação mãe-bebê dá uma continuidade da ilusão, de criar “uma ilusão paradoxal”. O bebê encontra o seio materno e o seio está onde o bebê precisa encontrá-lo para a constituição do objeto subjetivo. Este gesto espontâneo inicial do bebê, que encontra um objeto externo capaz de acolhê-lo e nomeá-lo, será a matriz de um processo simbólico, em que o jogo será possível e a palavra exprime o significado da experiência vivida e compartilhada.

Entendemos que a psicanálise necessita ampliar seu lugar no suporte a esses primeiros meses de vida do bebê, acompanhando a singularidade de cada um, assim como facilitando esse encontro do lactante com o olhar da mãe. Tentar uma compreensão da comunicação não verbal do bebê e de como, na relação com ele, a mãe sonha e representa essas primeiras experiências emocionais, abre um rico campo para o atendimento psicanalítico.

Com base nessas concepções, ressaltamos a importância da ampliação dos conhecimentos sobre este período, tanto em nossos Institutos de formação como na educação continuada de todos nós. A compreensão de nossos pacientes adultos exige um íntimo e permanente diálogo com os aspectos mais arcaicos presentes na vida mental de todos desde seu início.

Pensar a respeito da prática clínica com bebês e suas mães, em busca de técnicas psicanalíticas que permitam tratá-los traz questionamentos importantes que podem corroborar para o desenvolvimento teórico e clínico da psicanálise: a constituição do psiquismo, a relação analista-paciente, a influência da mente do analista, o manejo de pacientes de difícil acesso, a reverie e a interpretação do não-verbal, e muitos outros temas que constituem a base do conhecimento psicanalítico que poderão ser expandidos a partir de um olhar cuidadoso em torno das primeiras experiências emocionais contidas na relação mãe-bebê.

Questionamentos como “Quem é esse bebê que chega para o atendimento psicanalítico?”; “Quais as peculiaridades e necessidades que apresenta cada díade mãe e bebê?” e “Como a psicanálise e o atendimento psicanalítico podem colaborar no sentido de trazer para essa mãe, bebê e família recursos que auxiliem no desenvolvimento desse psiquismo ainda em construção?”, são algumas das indagações suscitadas ao longo dos atendimentos psicanalíticos.

 Winnicott nos lembra que não há um bebê sem uma mãe. A psicanálise nos tem mostrado também que não há como compreender a mente adulta sem levar em conta a dinâmica e as inúmeras vicissitudes contidas nas trocas afetivas da relação mãe-bebê. A psicanálise do adulto, portanto, não poderia se sustentar desconsiderando-se as primeiras experiências inerentes a este vínculo primordial.

Referências

BARROS, M. de (2003). Achadouros. In Memórias Inventadas: Infância. Planeta, s/d. BION, W. R. (1994). Estudos psicanalíticos revisados (Cap. 9, pp. 127-137). Rio de

Janeiro: Imago.

HARRIS, M. and BICK, E. Collected papers of Martha Harris and Esther Bick. Perthshire, Scotland: The Clunie Press,1987.

WINNICOTT, D. W. (1963). O medo do colapso. In Explorações Psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

WINNICOTT, D. W. (1971). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Política e Sociedade; Instituições Psicanalíticas 

Palavras-chave: relação mãe-bebê, infância, adolescência, psicanálise

Colega, click no link abaixo para debater o assunto com os leitores da nossa página no facebook:

https://www.facebook.com/100079222464939/posts/pfbid0U4r6LpdByMEiryrA2tJuhFXgbBngTi4vwFdA9WPc5bEF88sxwntcG3PZJwjNRDuEl/?d=w&mibextid=qC1gEa

Tags: adolescência | Infância | Psicanálise | relação mãe-bebê
Share This