Observatório Psicanalítico – OP 394/2023

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.

As diversas faces de Rita Lee

Daniel Senos (SBPRJ)

Rita Lee foi daquelas artistas das quais é impossível não ter algum grau de contato e, consequentemente, impacto diante de suas provocações, experimentações e polêmicas. Em uma bela homenagem da Globonews para a artista, na qual vários artistas relataram seus encontros com Rita, Arthur Dapieve destaca a importância de Rita Lee para a música brasileira e a coloca no mesmo patamar de artistas como Chiquinha Gonzaga e David Bowie. Tendo a concordar com Dapieve; tantas Ritas conviveram entre nós em diversos momentos de nossas vidas que é impossível dimensionar de maneira justa o impacto que a sua obra teve não apenas na cultura brasileira, mas também no cenário musical mundial. Assim como a sua postura assertiva em sua própria carreira, que, diferentemente de diversos artistas, nunca se acuou diante da repressão do regime militar ou das possibilidades de trabalhar em veículos de comunicação de massa, fato por vezes visto de forma errônea pela crítica musical, composta por uma aristocracia intelectual que trabalha para a manutenção do status quo do que entendem como arte. 

Desde muito jovem defendeu a pauta feminista e se envolveu em embates que abriram caminhos para as mulheres dentro não apenas do verdadeiro clube do bolinha que era o cenário do rock da época, mas também da participação ativa das mulheres na vida cultural.

Rita colecionou experimentações, ousadias, vanguardas. Fez uma apresentação icônica vestida de noiva no auge da ditadura, quando integrava os Mutantes, banda da qual participou do período mais profícuo e que, posteriormente, seria expulsa pelos paladinos do Rock Progressivo sob alegações que escamoteiam arrogância e machismo. A resposta de Rita Lee foi triunfante, com uma genial carreira solo de sucesso estrondoso, com mais de 30 álbuns e músicas que passeiam entre o pop, rock, bossa-nova e bolero. Marcada sempre pela irreverência e espontaneidade, ainda teve tempo de travar uma improvável e bela amizade com a grande Elis Regina, que havia sido uma das líderes da Marcha contra a Guitarra Elétrica, e de emplacar suas músicas nas trilhas sonoras das novelas da época. Teve diversas participações na televisão, como no programa “Saia Justa”, se tornou influencerantes do termo estar na moda, colecionando postagens e tuítes muito bem-humorados, como “Peguem seus otimismos e sumam d perto d mim. Hj eu tô em crise” e “Já disse e repito: n me levem a sério, sou falsa, manipuladora, mentirosa e filha da puta. Escrevo o q vem na cabeça, só futilidades”. Também arranjou tempo para se dedicar ao ativismo animal e escrever vários livros, desde autobiografias como também obras dedicadas para as crianças.

Em meio a tantas Ritas que tivemos contato, acredito que cada um de nós guarde em si uma parte dela que remeta a algum momento de vida em particular. Retomo a afirmativa de Dapieve; se Chiquinha Gonzaga fez uma ponte determinante entre a cultura das ruas e os engravatados abastados da época, Rita Lee despertava afetos e desafetos por onde passava, conquistando reconhecimento entre os amantes do rock e os aficionados pelas novelas da Globo, mas também o amor da comunidade artística mundial pelo seu trabalho com os Mutantes e em carreira individual. E se pensarmos em David Bowie, também temos a dimensão camaleônica presente em Rita, maleável, que se infiltra e adota formas improváveis, mas que se comunicam intimamente com as diversas camadas que compõem a nossa sociedade.

De minha parte, guardo com muito carinho as lembranças de Rita cantando nas manhãs dominicais de minha casa, capitaneadas pela minha mãe, grande fã de rock progressivo e dos Mutantes, preferencialmente em alto e bom som. A voz melodiosa e envolvente, junto à guitarra tresloucada de Sérgio Dias e as psicodélicas teclas de Arnaldo Baptista fazem parte de momentos afetivos que carrego com imenso carinho dentro de mim, junto com a atmosfera circense e bem-humorada que ela trazia para o contexto musical da banda. Rita segue sendo, para mim, um infindável espectro de possibilidades e um lembrete de que a luta diária necessita, além da coragem e ousadia, boas doses de bom-humor. 

Finalizo com dois tuítes postados por ela em 2013: “E eu lá sou mulher de fazer backup? Perdi tudo, foda-se eu” e “Vc nem imagina a imensidão do quanto estou pouco me fudendo para o que dizem. A vida é curta e eu, grossa”.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Cultura; Homenagens 

Palavras-chave: Palavras-chave: Arte, Cultura, Música, MPB, Rock

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