Observatório Psicanalítico – OP 377/2023

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.

VOCÊ JÁ FOI À BAHIA? … NÃO!? ENTÃO, VÁ!

5º Congresso de Psicanálise em Língua Portuguesa

Salvador – Bahia

27-28-29 ABRIL 2023

Ney Marinho (SBPRJ)

A Carlos Gari Faria, in memoriam

Os congressos de Psicanálise em Língua Portuguesa são herdeiros dos Congressos de Psicanálise Luso-Brasileiros, iniciados na gestão da FEBRAPSI do saudoso Carlos Gari, e sua diretoria com Eliana Mello e Pedro Gomes, que muito contribuíram para a sua realização. 

Ocorreram dois encontros: em Lisboa e Salvador. Este último, já na gestão de Pedro Gomes, pretendia também trazer colegas africanos, o que não foi possível. Mais tarde, na gestão de Aloysio d´Abreu, surgiu a ideia de utilizar a experiência de intercâmbio com a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) que a SBPRJ vinha desenvolvendo desde 2009, a partir da presidência de Pedro Gomes, e assim fomos convidados para organizar um congresso com todos os países da CPLP, que foi o já intitulado Congresso de Psicanálise em Língua Portuguesa (Lisboa, 2016). 

Esses congressos nasceram dos sonhos e determinação de vários colegas, sempre em sintonia com outros portugueses também ansiosos por esse convívio. Não por acaso, seguiram a trajetória da própria CPLP – fruto de dois sonhadores: José Aparecido de Oliveira (jornalista e político mineiro) e Agostinho Silva (filósofo português exilado no Brasil) – soube também que Fernando Pessoa, muito antes, sonhou transformar um império colonial numa comunidade fraterna de iguais a partir da língua! 

Vale uma citação que tudo define: o nosso querido e saudoso Darcy Ribeiro (antropólogo e chefe da Casa Civil no governo João Goulart), quando ouviu o projeto de José Aparecido, disse tudo: “ … Aparecido, você cravou uma lança na lua!”. Entretanto, foi preciso a perseverança dos sonhadores para que – depois das nefastas ditaduras brasileira e portuguesa – fosse possível, numa noite estrelada de São Luiz (MA), ser criada a CPLP, segundo o depoimento de um dos presentes. Mais de vinte anos de exílios, obscurantismo e violência … o sonho se tornou realidade!  

Os congressos são sempre organizados em parceria com os colegas portugueses – cujos nomes não citamos para evitar omissões injustas –  e com os do país anfitrião, que arca com os custos. Há um rodízio: Portugal/País africano, Timor ou Macau/Brasil.

A realização deste V Congresso de Psicanálise em Língua Portuguesa tem um significado muito próprio, como, por sinal, cada um dos congressos possui. Assim foi em Lisboa (2016), Cabo Verde (2018) e agora, seguindo o rodízio e o espaço do tempo devido à pandemia, será no Brasil.

Em Lisboa, a competência, entusiasmo e os relacionamentos internacionais de Luísa Branco Vicente (atual Presidente da SPP) reuniram intelectuais, artistas, poetas e filósofos com nossos colegas psicanalistas, de modo a promover um diálogo de culturas: de Macau-China ao Tejo, passando pelo Timor-Leste, por cinco países africanos e o nosso Brasil. Algo inacreditável! O tema, “Violência, Memória, Identidade”, permitiu fortes emoções, muitas reflexões e uma nova e real solidariedade, agora entre iguais.

No Mindelo – cidade de Cesária Évora, centro cultural de Cabo Verde – os amigos caboverdianos nos ofereceram, num ano muito difícil para todos nós brasileiros – um espetáculo de hospitalidade, carinho, inteligência e criatividade, qualidades que caracterizam aquele povo, e que na língua criola é denominada “morabeza”. O povo caboverdiano, fruto de um entreposto de escravizados, transformou dez ilhas perdidas em um vasto oceano num país de premiados autores. Germano Almeida (Prêmio Camões, 2018, o mais importante em língua portuguesa), de lindos rítmos, como o batuque e a morna e, de muita curiosidade pela Psicanálise. Certamente, poucos sabem que há poucos anos a Semana do Psicólogo em Cabo Verde foi dedicada a pensar Freud. Todo o país foi mobilizado a discutir o criador da psicanálise e nossos tempos. O tema do Congresso foi “Rotas da Escravidão”. Muitos de nós têm sugerido que se crie em Cabo Verde um Centro Aliado de nossa Associação Internacional (IPA) como estímulo à curiosidade e consideração que têm pela Psicanálise. A reconhecida criatividade dos caboverdianos, cuja maior parte da população vive fora do país, é uma garantia de novas descobertas e de um trabalho fértil. Colegas brasileiros que lá estiveram, assim como os portugueses – como Coimbra de Mattos – que foram dar cursos e supervisões podem testemunhar no mesmo sentido.

Mas, o que podemos esperar da Bahia, não arrisco dizer. Lembro que já nos deu “Gabriela, cravo e canela” (Jorge Amado), um hino para São Paulo (“Sampa”, do Caetano), o melhor abraço que o Rio poderia receber em tempos tão duros da ditadura, através do Gil (“Aquele abraço … o Rio continua lindo!”). Deu também a mais nova tradução direta do alemão das obras completas de Freud, por Paulo César de Souza. Temos lá a pioneira Cristina Gondim, que preside um aguerrido núcleo que precisa de nosso efetivo apoio para evoluir institucionalmente. Com a formidável tradição cultural baiana, é inacreditável que, na boa terra, não tenhamos uma Sociedade de Psicanálise!

A Bahia é a maior concentração de negros fora da África. São Francisco do Conde, no recôncavo, onde se situa um campus da UNILAB (universidade da lusofonia que abriga estudantes bolsistas dos diversos países africanos de língua portuguesa e brasileiros, tendo sua sede em Redenção, Ceará) tem 94% da população afrodescendente. O interesse pela psicanálise na África negra portuguesa, ainda, é crescente e esperamos contar com estudantes de seus países no Congresso.

Vamos discutir “Escravidão e Liberdade – Travessias no Corpo e na Alma”. Tema muito atual, pois, a colonização do pensamento pode ser a pior das escravizações! Algo mais deletério que o racismo, pois, o alimenta, da mesma forma que o obscurantismo reacionário, que tenta nos convencer que “… não adianta, foi sempre assim … Seremos sempre o país do futuro …” desde que ele nunca chegue para os que exercem seus “podres poderes”, quer na cultura, na economia, na política ou no charlatanismo religioso que o baiano Glauber tão bem descreveu. Repito que não sei o que o Congresso de Salvador vai nos oferecer, mas fui tomado pela recordação do belo discurso de Octavio Paz, quando recebeu o Prêmio Nobel, “A busca pelo presente”.

Vamos à Bahia, com o chapéu de palha e a esperança de reencontrar o presente visitando as origens, num ato de reconhecimento por aquele povo que foi decisivo, nas últimas eleições, para evitar o aprofundamento da barbárie, e que nos permitiu que pudéssemos voltar a sonhar.

Obrigado, Bahia.  

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

Categoria: Instituições Psicanalíticas 

Palavras-chave: Língua, Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Bahia

Imagem do V Congresso de Psicanálise em Língua Portuguesa 

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Tags: Bahia | Fraternidade | Igualdade | liberdade | Língua
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