Observatório Psicanalítico – OP 348/2022

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Rabiscos. Sobre ideologias externas e psíquicas. O que está voltando naquilo que está vindo?

Avelino F. M. Neto (SPBsb)

A base de toda religião é o não aguentar não saber; das ciências, ir além do que se sabe. Saber não saber não é técnica cognitiva deliberada, é função psíquica que, as vezes, uma psicanálise ajuda a acontecer. 

Ideologias são equipamentos idiossincráticos de plantão com função de oferecer suposições de onipotência e onisciência diante de vivencias de ameaça a sobrevivência do individuo e do grupo. O terror psíquico, de origem desconhecida, escolhe sempre uma ideologia como heroína para salvá-lo! A heroína, ou herói, pode ser desde uma religião, até uma ciência. 

Suponho que, por isso, Freud sugeriu, em uma das conversas com Pfister,  que se observe se uma psicanálise particular está em função de religião, de cientificismo, ou da alma humana! Seu dizer é assim: “Não sei se o senhor já adivinhou a ligação secreta entre A Questão da Análise Leiga e O Futuro de Uma Ilusão. Na primeira, quero proteger a psicanálise dos médicos; na segunda, dos sacerdotes. Quero entregá-la a uma categoria de cuidadores de almas, que não têm porque serem médicos, e não devem ser sacerdotes.” 

Podemos, com toda liberdade, aventar que por “médicos” e ”sacerdotes” Freud se refere a tudo que possa ser função de suposições de onisciência e onipotência. Ideologias, seja de qual forem as naturezas, são subprodutos daquelas suposições e mantidas as custas de menosprezar o que não convém da realidade e, dessa, adotar apenas o que municia autoconvencimento, e sirva de argumentos para convencer outros. Ideologias, em particular as político-sociais, têm tido penetração considerável em todos os meios, do qual o nosso, psicanalítico, não tem imunidade, pelo obvio de ser constituído por humanos que tendem a se agrupar, e impor o que o grupo supõe ser verdade para si e para outros. 

Absurdo seria supor que o indivíduo psicanalista não tivesse, como cidadão comum, suas próprias predileções e ojerizas trazidas da tenra infância e sempre presentes -se conscientizadas, ou não, isso também depende da eficácia da análise pessoal- e que tais coisas sempre presentes, não tivessem peso em partidarismo político atual. Assim, é completamente compreensível que cidadãos que também exercem psicanálise formem seus grupos de adeptos a esta ou aquela doutrina político-partidária. Como psicanalistas, sabemos que tudo o que nos ocorre ao redor, ao exemplo de movimentos sócio-político-culturais, podem servir de elementos na formação de associações livres, fenômenos oníricos, que agreguem compreensão ao que possa estar sendo objeto de assunto do momento, em seminários da formação, sejam clínicos, sejam teóricos, e mesmo nas análises pessoais. Liberdades de pensamento e voz têm, nas associações livres, suas bem-vindas expressões que ajudam a representar o que se vai nas almas.

Afinal, o que está “voltando”, naquilo que está vindo nos acontecimentos externos, como o são os fatos de nosso conturbado momento político-social?  O que de cada um de nós é suposta e fantasmaticamente projetado e identificado no que existe fora, sem que tenhamos consciência disso?  Identificações projetivas, fantasmáticas e inconscientes, de partes indesejáveis internas, em um suposto universo externo e seus habitantes, fazem parte das observações do cotidiano de nossa clínica psicanalítica. O que se pode aplicar na clínica da vida, comum a todos, que inclui a dimensão sócio-política, e suas diversas ideologias. 

O que se questiona aqui é se Instituições Psicanalíticas, Sociedades de Psicanálise, cuja principal função seja a formação de novos analistas, cedam seus nomes e tarjas, intramuros, para propósitos de partidarismos políticos e seus ideais, nas atividades de formação, que exercem influência na prática psicanalítica, como seminários clínicos e teóricos e, em particular, adotar alguns daqueles ideais, em exclusão de outros. Por óbvio, e por cidadania, toda sociedade de psicanálise tem o direito de se manifestar politicamente, extramuros, como soe acontecer com propriedade ultimamente, e nossa Febrapsi, aqui pontuo, não é uma sociedade de psicanálise, não oferece formação, mas entidade de classe, uma federação de psicanalistas membros da IPA. Deste modo, a Febrapsi tem todo direito, e mesmo dever democrático, de acolher diversidade de pensamentos e posicionamentos sócio-político-culturais, bem como dar abrigo e voz para tais movimentos, como é função de seu órgão dedicado a tanto, Observatório Psicanalítico, a que, de pronto, agradeço o espaço para tornar públicas minhas conjeturas e inquietações.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

Imagem: David Vela. Picasso e Dali pintando um ovo. 2013.

Categoria: Instituições psicanalíticas 

Palavras-chave: Ideologia, Terror Psíquico, Partidarismo, Identificação Projetiva, Catequese 

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Tags: Catequese | Identificação Projetiva | Ideologia | Partidarismo | Terror Psíquico
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