Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.
COVARDIA SUPREMA
Sylvain Levy (SPBsB)
Em janeiro de 2019 publiquei um pequeno artigo, num jornal de Brasília, que continha uma frase sobre o início do Governo Bolsonaro: quem governa com ódio não consegue governar bem.
Não tinha nada de profético, apenas a constatação de que governar é um ato de amor pelo próximo, pelo coletivo, pela “res publica”, a coisa pública. Não via em Bolsonaro, após suas declarações de apoio à ditadura, de negação da existência da ditadura e do enaltecimento de torturadores, nenhum dos atributos acima listados. E quando eles não estão presentes, só se pode esperar ódio, falsidades, perseguição, covardia, vingança, corrupção e tirania. E a cada dia de seu governo, ele e seus asseclas inundam o país dessas atitudes e comportamentos.
A ausência de amor pelo próximo ficou evidente nas suas declarações durante a pandemia, sem nenhuma empatia pelas pessoas infectadas e mortas pelo vírus da COVID-19 (“morrer, todo mundo morre”; “não sou coveiro”, etc).
No coletivo, sua ausência de amor fica mais do que caracterizada quando se nega a comprar vacinas; quando fala contra o uso de máscaras e de distanciamento social; quando manda tirar as máscaras no Palácio do Planalto e brada que ali ninguém usará máscara; quando esbraveja contra a vacinação de adolescentes e crianças.
No capítulo referente à falta de amor pela “res publica”, a dificuldade é escolher os exemplos, tantos existem. Começa pelas rachadinhas familiares, pela ocupação e aparelhamento das instituições de Estado: Polícia Federal, PGR, AGU, Receita Federal, COAF, FUNAI, IBAMA, IPHAN, entre outras menos conhecidas. Continua pelas inúmeras declarações do tipo “não vou esperar fuder minha família”; “se precisar trocar o chefe, troco, se precisar trocar o ministro, troco”; “eu sou a constituição”; “chega porra!!”. E por último, mas não finalmente, “o tal do IPHAN atrapalhava a obra do Luciano Hang, então ripei eles”.
Neste governo não existe a coisa pública, mas sim coisa pública a serviço do privado.
Seus bajuladores não ficam atrás, assistimos, com asco, um ministro da saúde afirmar que a liberdade é mais importante que a vida, relegando seu juramento hipocrático – “aplicarei os regimes para o bem do doente segundo meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém” – e evacuando sobre seu diploma: “partilharei meus conhecimentos médicos em benefício dos doentes…”, como está no juramento dos médicos.
Mais incisivo ainda é o contido no Código de Ética do estudante de medicina: “Eu prometo solenemente consagrar minha vida a serviço da humanidade; a saúde e o bem-estar de meu paciente serão minhas primeiras preocupações”, e se isso não for suficiente, preconiza o mesmo Código: “Respeitarei a autonomia e dignidade de meu paciente; guardarei o máximo respeito pela vida humana”.
Que um presidente como Bolsonaro ignore essas palavras, é compreensível (embora não aceitável), mas que um médico não as cumpra, é inconcebível.
Levar ao pé da letra “conceituações” como essas pode levar a questionamentos, por exemplo, sobre a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança por ocupantes dos automóveis, ou à determinação de pagamento dos custos médico-hospitalares pelas pessoas infectadas pela COVID que se recusaram a ser vacinadas contra o vírus, mesmo quando atendidas pelo SUS. Se a opção for pela liberdade individual ignorando o coletivo, não é justo que a sociedade/coletividade pague a conta.
Até o momento, a apropriação da coisa pública estava se dando no âmbito dos símbolos nacionais (bandeira, verde e amarelo, lema, palácios) e das instituições – mesmo quando algum técnico era demitido a mando do presidente.
Porém, como serial killer que vai num crescendo no cometimento de seus crimes, ultrapassou todos os limites (mas isso não quer dizer que chegou ao fim) ao divulgar que solicitou, à ANVISA, os nomes das pessoas que autorizaram o uso de imunizantes em crianças de 5 a 11 anos. Suprema covardia. Expor as pessoas que o contradizem à sanha de seus milicianos – físicos ou digitais – é ato criminoso configurado no artigo 147 do Código Penal: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.
E não se trata de fabulação ou delírio de perseguição. Não existe alucinação nos riscos de ameaças ou de atuação concretizada por algum bolsonarista fanático quando, no início de novembro deste ano, a ANVISA já havia recebido ameaças por e-mail, contra ela mesma e contra aqueles que autorizassem a aplicação de vacinas em crianças. Portanto, o presidente da República pode ser acusado de tudo, menos de ignorante e inconsequente (nesse caso específico). Ele conhece a sequência e consequências de seu ato covarde, covardia mais abjeta ainda quando diz “que pediu extra oficialmente os nomes de quem autorizou”, como se um pedido extraoficial não representasse a palavra e o ato de um presidente da República.
Medida pela mesma régua, poderá surgir um dia, não como vingança, mas como prestação de contas, no qual a sociedade exigirá a identificação daqueles que apoiam esse indivíduo.
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