Observatório Psicanalítico – OP 266/2021

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo. 

Tempos árduos. A arte da escrita analítica…. 

Renata Sarti (SBPRP)

As  contribuições apresentadas pelos colegas neste espaço do Observatório Psicanalítico têm sido uma fértil companhia. Algo que transitou em “Jogos Oníricos” causou-me ressonâncias. Os sentimentos transportados nas palavras apresentadas por Ariana  Marinho da Silva  (SBPSP) levaram-me a encontros, e um deles foi com Mauro Balieiro (SBPRP). Ao se reportar ao precioso “texto-sonho” de Ariana, ele alerta-nos que, em tempos difíceis, de tanta distopia e violência, cultivar o espaço da arte será sempre uma forma de resistência. 

Entendendo resistência, nesse contexto, como uma oposição à acomodação e à subserviência que nos permita acesa a nossa perplexidade, mediante a experiência emocional destas leituras despertei-me sonhando – e escrevendo.

Lembrei-me de Ogden e sua publicação “Esta arte da psicanálise – Sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos”. Estimulada pelo título deste trabalho, e pela ideia contida nele de que a psicanálise é “um processo de inventar a si mesma durante o caminho”, algumas inquietações foram surgindo sobre o ofício analítico no momento atual.

Em tempos em que nos vemos excessivamente bombardeados por ameaças concretas/subjetivas, imersos em verdades/mentiras, fatigados diante de uma sucessão de horrores indigestos, como cultivar o espaço de uma psicanálise viva?

Como fazer brotar a arte do nosso trabalho clínico? Em momentos permeados por perigos tóxicos, precariedades, lutos e não-sonhos, seremos capazes de sustentar relações criativas com nossas duplas analíticas?

E o que dizer da arte de nossas produções científicas? Diante de tantas saturações e engessamentos, como fertilizar e ampliar pensamentos psicanalíticos? 

Ao viver em tempos sombrios, mais do que nunca, devemos nos preocupar em cuidar do pensamento, “pensar claro”, buscando transmitir e traduzir aquilo que pensamos, tanto para nossos analisandos como para os colegas, de modo que eles sejam capazes de alguma compreensão, parece ser essencial.

Lembrei-me de Guimarães Rosa: “…escrevendo descubro sempre um novo pedaço do infinito”. 

Acredito que a arte da escrita analítica seja um dos caminhos para manter nossa condição de pensar e, mais do que nunca, revela-se numa poderosa “arma”, numa forma de resistência a tantas turbulências compartilhadas.

Uma publicação pode tomar diversos rumos, alguns podem até nos escapar. Isto é inevitável. Acredito, ainda , que a escrita urge por olhares, difícil imaginar a riqueza desta sem a presença do leitor: é neste encontro, nesta relação que os pensamentos criam mobilidade possibilitando a abertura a mais pensamentos. 

Em “Como tornar proveitoso um mau negócio”, Bion aborda a inevitável tempestade emocional criada no encontro de duas mentes na sessão analítica. Também nos remete a pensar na situação de guerra, onde o objetivo do inimigo é nos aterrorizar para impedir pensar com clareza. Bion destaca que, com uma boa formação analítica, é esperado que possamos, mesmo em uma situação amedrontadora e adversa, ser indivíduos que sentem e compartilham a experiência emocional nessa tempestade turbulenta, mantendo alguma condição de pensar. 

Envolto por intensas emoções, o encontro analista-analisando possibilita o trânsito de pensamentos criativos e a expansão das duas mentes. Gosto de pensar na preciosidade irrequieta do encontro entre a escrita e o leitor como uma fecunda parceria promovedora de criações e ampliações dos pensamentos psicanalíticos – a arte da escrita. 

Ao compartilharmos ideias debatendo, formulando desdobramentos a partir das palavras dos colegas em espaços oferecidos pela FEBRAPSI como este “Observatório Psicanalítico” e, mais recentemente, o “Fórum científico: Conectados pela escrita” (neste último, temos a oportunidade de discutir sobre questões teórico-clínicas), fortalecemos nossas interfaces. Criamos caminhos sustentando uma psicanálise viva.

Para encerrar seguindo adiante, sonho com Antonio Machado em “Campos de Castilla”: “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar”.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

Foto: pintura “As It Goes” de Phillip Guston (1913-1980)

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