Observatório Psicanalítico – OP 265/2021

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.

Clube de leitura x Clube de tiro

Vanessa Figueiredo Corrêa (GEP Rio Preto e Região – SBPSP)

“O Bicho

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.”

(Manuel Bandeira, 1947)

Ultimamente ando curiosa por datas: quem nasceu na mesma época de quem, quem estava fazendo a história em tal período, penso em intelectuais que admiro vivendo no mesmo período em que viveram tiranos. Por exemplo: um dos meus preferidos, Walter Benjamim nasceu em 1892, Theodor Adorno em 1903, Hanna Arendt, três anos depois, em 1906. Em compensação Mussolini nasceu em 1883, Hitler em 1889.

Eu não sei quem está nascendo agora e quem vai fazer qual tipo de história, mas sei da notícia animadora do nascimento de centenas de clubes de livros, desde aqueles mais caseiros em que, facilitados pela rotina virtual, grupos de amigos se reúnem periodicamente para a discussão de um livro previamente combinado até a expansão de cerca de 70 % do mercado para empresas de assinatura de livros com curadoria.

Por outro lado, em 2019 vi nascer um stand de “air soft” no shopping que eu frequentava com meu filho pequeno. Achei estranho aquele lugar para treinar tiros com arma de brinquedo na paisagem familiar. Mas veio a pandemia e esqueci o assunto por um tempo. Logo mais soube do nascimento de um “clube do tiro e caça” na cidade onde moro. Imaginei que seria pouco frequentado, que não devia ter tanta gente disposta a se adentrar no mato para caçar, não sei exatamente qual tipo de bicho. Não vai vingar, pensei.

Engano meu. Observei o clube de tiro crescendo, cada vez mais forte, tema cada vez mais presente nas rodas de conversa: não é feio, nem vulgar, lugar de gente rica, com restaurante glamouroso, point das baladas dos jovens, objeto de desejo dos que não têm dinheiro para frequentar, nenhuma alusão à violência, é um lugar “família”. Banalidade do mal.

Nasceu em mim medo e preocupação.

São locais de circulação significativa de dinheiro, com missão de instruir e facilitar a compra de armas e munição. Pesquisei no Google, em um único site consegui localizar uma lista com 62 clubes desses, apenas no Estado de São Paulo, com mensagem bem clara: ajudar a população a conseguir licença para adquirir armas e oferecer treinamento. Ainda no Estado de São Paulo, há cerca de 500 instrutores de tiro licenciados catalogados no site do Governo Federal, capacitados para formar atiradores de verdade. Não me pareceu algo pequeno, não me pareceu brincadeira. 

Vão caçar exatamente qual tipo de bicho?

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores) 

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