Observatório Psicanalítico – Editorial agosto/2025

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Sódepois 64

Agosto 2025

Entre os dias 30 de julho a 2 deste mês de agosto aconteceu o 54º Congresso da IPA, em Lisboa/Portugal, com o tema “Psicanálise: Uma Âncora em Tempos Caóticos”, cujos eixos foram: o cultural, o catastrófico, o inconsciente e o tecnológico. O congresso buscou compreender a polarização política, a desestabilização social, o ressurgimento do fanatismo e do terrorismo, os conflitos militares, as catástrofes ambientais, a desumanização científica e tecnológica, a digitalização da existência, a atomização da identidade, a pós-verdade, a descrença, a apatia e o colapso do prazer – variáveis consideradas traumáticas e que nos ameaçam constantemente. 

Estas são também reflexões constantes aqui no Observatório Psicanalítico. Por isso, lançamos o convite para que os participantes do congresso enviassem seus textos para serem publicados e compartilhados aqui no OP. Assim, seguiríamos ampliando o alcance das ideias compartilhadas, alimentando nosso espaço de escuta, pensamento e invenção.

Mariano Horenstein enviou o texto “Fora do campo” (OP 601/2025) no qual reflete sobre o conflito no Oriente Médio, a partir de seu olhar como psicanalista e judeu: “penso a psicanálise como um ramo do pensamento crítico e creio que, se há algo que um bom processo analítico deveria produzir, é um livre-pensador. Tento pensar contra mim mesmo”. O autor discute sobre vários aspectos envolvidos neste conflito, tais como o antissemitismo, o fundamentalismo e os paradoxos que cercam esta temática que abarca questões politicas muito complexas. Neste debate, Mariano nos lembra que “nenhuma solução virá sem disposição para perder: perder parte de um sonho, perder uma cidade, perder territórios. E aí nossa prática tem muito a dizer, porque a psicanálise é, fundamentalmente, uma arte de perder, nenhuma outra disciplina ensina tão bem que é apenas aceitando a perda que se pode ganhar algo. O osso da castração está nessa paradoxal verdade.” 

Recebemos também ensaios sobre os trabalhos premiados e aqui celebramos uma ótima notícia: dos 18 prêmios na categoria “IPA in the Community and the World Awards”, 11 prêmios vieram para a América Latina, dos quais 7 são do Brasil e 2 o Brasil participa em parceria com outros países latinos. 50% dos prêmios de todas as regiões da IPA são brasileiros, o que demonstra a criatividade, a consistência e o olhar profundo dos nossos psicanalistas para as questões do mundo na atualidade. 

O ensaio da psicanalista Maria Eliana de Rezende Barbosa Mello (OP 604/2025) intitulado “Levando o Atendimento Psicanalítico às Favelas do Brasil, Projeto Mentes da Maré – Prêmio IPA na Comunidade-Saúde 2024/2025” conta sobre o Projeto Mentes da Maré, criado pela SPRJ. A autora explica que o trabalho é voltado para atendimento psicanalítico gratuito de moradores do Complexo da Maré “uma das maiores e mais vulneráveis comunidades do Rio de Janeiro”. Os resultados qualitativos e quantitativos demonstram o quanto a psicanálise consegue impactar e melhorar subjetivamente a vida de muitas pessoas: “observamos a diminuição de suicídios, aumento da autoestima, melhora na tomada de decisões, mudanças de moradia para locais mais seguros e retomada da vida profissional. O espaço de escuta oferece proteção simbólica em um ambiente marcado pela violência e pela constante violação da privacidade”.

O ensaio OP 605/2025 “Mirante, o podcast do OP – Prêmio IPA na Comunidade – Cultura 2024/2025” de nossa autoria, curadoras do OP, celebra o reconhecimento ao podcast do Observatório por sua relevância como um lugar de interlocução entre a psicanálise e outros campos do saber. O Mirante promove conversas entre psicanalistas e profissionais de diferentes áreas da cultura, buscando pensar questões atuais sob a lente da psicanálise. “Pensar o sujeito em seu tempo: eis um dos desafios da psicanálise. Se nossa inscrição humana se dá no fluxo de uma temporalidade que a todo momento nos molda e interpela, é na abertura ao diálogo com o movediço da cultura e com as transformações sociais de nossa época que nos fazemos presentes como partícipes do movimento psicanalítico. É na trama da cultura, no inquietante da vida e da morte, na complexidade, muitas vezes surpreendente, que tece o hoje, que procuramos mirar além.”

Foi com muita alegria que recebemos a premiação do Mirante na mesma categoria da Revista Caliban, que conquistou o primeiro lugar! As autoras Maria Luisa Silva Checa e Silvana Rea do ensaio “Caliban, Prêmio IPA na Comunidade – Cultura 2024/2025” (OP 607/2025) referem que “em seus mais de 12 anos de existência, Caliban mantém-se fiel à sua proposta: estimular a escrita, publicar e divulgar o pensamento psicanalítico latino-americano em interlocução com outros campos do conhecimento, especialmente com a arte.” As autoras contam que em 2012 surgiu “o projeto de Calibán, com o propósito de dar voz a um pensamento próprio que não necessariamente era valorizado no movimento psicanalítico internacional.” E que “de lá para cá, ampliamos nosso território geográfico no projeto ‘Calibán Itinerante’ que levou a revista em atividades em diversas instituições psicanalíticas, universidades e museus, em todas as três regiões da América Latina.”

“Levando a Psicanálise à comunidade em situação de catástrofe ambiental – Projeto SBPdePA de Ação Emergencial na Enchente de 2024 no RGS – Primeiro Prêmio IPA na Comunidade e no Mundo – Clima 2024/2025” (OP 608/2025), ensaio escrito pelas psicanalistas Patricia Rivoire Menelli Goldfeld e Vera Elisabethe Hartmann, nos conta que “a partir de abril de 2024 a Diretoria da SBPdePA desenvolveu uma ação emergencial para atendimento gratuito, presencial nos abrigos e online, dos afetados e dos profissionais que atuavam no resgate das vítimas da enchente. Inúmeros psicanalistas e psicólogos do Brasil se integraram ao Projeto, o que resultou em 174 profissionais oferecendo de 4 a 8 sessões gratuitas.” As autoras afirmam que “a psicanálise nos proporciona um instrumento de escuta e um treinamento privilegiado para auxiliar àqueles que sofreram um trauma potencialmente disruptivo. A pessoa poder se escutar, poder falar sobre o que lhe aconteceu, tendo alguém que a escute e acolha: ser escutado, muitas vezes, é tudo o que uma pessoa precisa para não ficar paralisado, assoberbado pela intensidade da experiência e pela dor das perdas vivenciadas.”

O ensaio OP 609/2025 “Programa Concavidades: Prêmio IPA na Comunidade e no Mundo, 2024/2025, na categoria Preconceito, Discriminação e Racismo”, dos autores Eliane Marcellino da Silva (SBPRJ), Isabel Mansione (APDEBA) e Carlos Tewel (APA), explica que “o Programa propõe ações voltadas a conhecer, compreender e mitigar os efeitos dos preconceitos na formação e na prática profissional dos psicanalistas” e é desenvolvido por “uma rede de psicanalistas de diferentes associações latino-americanas que atua a partir de uma perspectiva centrada nos direitos humanos, na interdisciplinaridade e na pluriculturalidade”. A pesquisa qualitativa participativa realizada foi “baseada na escuta de depoimentos de psicanalistas que vivenciaram desigualdades e discriminações. A partir desses relatos, foi possível identificar preconceitos étnicos, de gênero, de classe e de idade, instalados na cultura por meio de pactos narcísicos inconscientes, que emergem na prática profissional como obstáculos internos e externos, muitas vezes invisíveis no tripé da formação.”

Para além dos textos do Congresso de Lisboa, publicamos o ensaio do psicanalista Laerte Idal Sznelwar, OP 602/2025: “Entre Eu e o Outro, entre Nós e Eles, há sempre um ‘entre’ a ser cultivado” que reflete sobre o histórico e a complexidade dos conflitos no Oriente Médio. O autor levanta uma série de questões: “quem sofre mais com a guerra em curso? Quem teve mais perdas, quem é a vítima e quem é o algoz? Será que há solução para esses processos de matança e de ódio? Será que a luta constante entre Tânatos e Eros, que nos atravessa, pode ter uma bela e duradoura trégua? Será que a luta constante por um processo civilizatório, sempre lábil, fruto de um trabalho da cultura, pode ter resultados mais efetivos? Será que podemos entender que a morte do outro é, em parte, a nossa própria morte?” 

Em “O Show Tem Que Continuar, Arlindo Cruz” (OP 603/2025) o psicanalista Carlos Eduardo de Souza homenageia o sambista Arlindo Cruz, falecido em 8 de agosto, aos 66 anos. O autor escreve sobre lembranças de sua própria infância em Madureira, das tradições, dos desfiles de carnaval da tradicional escola de samba Império Serrano, onde aconteceu o velório de Arlindo Cruz. O músico, que compôs diversos sambas-enredo para a escola ao longo de muitos anos, foi velado na agremiação. “O sambista precisa sofrer pra trazer alegria e fazer você mexer o corpo mesmo sem perceber?! O psicanalista precisa sofrer pra disponibilizar seu psiquismo para fazer o paciente pensar e elaborar em um curso de processos conscientes e inconscientes?! O show tem que continuar?!”

E ao som do samba, com muita arte, criatividade e talento, neste mês de agosto, as atletas da seleção brasileira de ginástica rítmica conquistaram duas medalhas de prata inéditas para o país no 41 Mundial de Ginástica Rítmica. Parabéns às “leoas”, como são conhecidas! 

Ao mesmo tempo que celebramos a potência do esporte como fonte de saúde, publicamos o ensaio da psicanalista Heliana Reis que aborda a preocupação com as redes sociais. Em “Redes Sociais e a função paterna” (OP 606/2025). A autora afirma que “alguém que exerça a função paterna, que não é necessariamente exercida por uma figura masculina, implica uma função simbólica específica na relação entre a criança ou adolescente e o adulto: oferecer os limites protetores, introduzir a ideia da falta, da impossibilidade de satisfação completa, considerar a assimetria entre o responsável e o dependente, dar o contorno que impede as invasões, aplicar as regras, ensinar sobre as leis; enfim, possibilitar a inserção na cultura”.  A autora cita como exemplo a denúncia recente feita pelo influenciador Felca sobre a adultização de crianças na internet, o que as expõe a situações perigosas, reatualizando a situação de desamparo. 

Não por acaso, em agosto lançamos o episódio 42 do podcast Mirante cujo tema foi “Paternidades”. Sim, no plural. Nos interrogamos sobre o que é, afinal, ser pai — ou ocupar esse lugar — num mundo em transformação. Convidamos Jorge Lyra do “Instituto Papai” (ONG de Recife, PE) e Maria Lucia Ferreira Alvarenga, psicóloga e psicanalista da Sociedade de Psicanálise de Brasília (SPBsb) para esse diálogo. Hoje, em tempos de paternidades plurais — homoafetivas, trans, compartilhadas, presentes, ausentes —, seguimos tentando reinventar o que significa cuidar, limitar, nomear, amar. Na clínica, os pais voltam sempre: como dor, como sombra, como ideal, como ausência que queima. Há quem precise matar o pai, há quem o procure por toda a vida. Há quem o sonhe, quem o tema, quem o confunda com Deus. Há quem viva tudo isso ao mesmo tempo. Convidamos a todos a participar deste diálogo/reflexão conosco! 

Seguimos atentas e curiosas a todo movimento político do país. Neste mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Polícia Federal (PF) deram sequência à investigação da trama golpista, realizada pelo presidente anterior, cujo julgamento se dará a partir de 2 de setembro. E, presenciamos, ainda neste mês, a divulgação de uma complexa e gigantesca trama do crime organizado no Brasil, aliado a setores do sistema financeiro. Se entendemos a psicanálise como possível âncora em tempos caóticos, o que temos a dizer sobre tudo isso? 

Mas não podemos encerrar este editorial sem antes homenagear dois importantes gaúchos: 

Em primeiro lugar, Cláudio Eizirik que, no Congresso da IPA em Lisboa, foi nomeado Vice-Presidente Honorário, um reconhecimento que emociona a psicanálise brasileira e latino-americana. Foi também um momento histórico, pois sua fala de agradecimento foi a primeira proferida em português, agora reconhecida como língua oficial da IPA.

Em carta publicada no livro “Caro candidato” (2023), Eizirik evoca sua própria experiência como jovem candidato nos anos 1970, em meio à ditadura militar, quando a comunicação era mais difícil, os livros de Freud eram lidos em espanhol ou inglês, e havia riscos políticos para psicanalistas que se posicionassem contra o regime. Ele enfatiza a importância de ser antes de tudo cidadão, lembrando que a psicanálise só pode existir em regimes democráticos. Relata um episódio de perseguição política em que quase não foi contratado como professor por ser considerado “subversivo”, destacando que a integridade ética foi fundamental para sua trajetória. Eizirik descreve a formação como uma jornada sem fim, em constante elaboração e ressalta a importância da comunidade internacional da IPA, que nos últimos anos se tornou mais aberta, plural e acolhedora, reconhecendo diferentes modelos de formação.

Parabenizamos e agradecemos este tão querido analista que sempre defendeu a psicanálise como campo plural, democrático e vivo, capaz de atravessar épocas difíceis e se reinventar, mantendo-se ancorada na ética, no diálogo e na vida compartilhada.

Outro defensor da democracia e da liberdade para o diálogo foi Luís Fernando Veríssimo, que nos deixou no dia 30 de agosto. Um dos maiores escritores do país, faleceu aos 88 anos e deixou uma vasta obra em forma de crônicas, contos, quadrinhos e romances. Como poucos, soube usar da ironia para denunciar a ditadura e o autoritarismo. Foi o criador do famoso personagem “Analista de Bagé” que é “freudiano de colá decalco” e “mais ortodoxo que rótulo de Maizena”. Através deste personagem que recepciona seus pacientes com um chimarrão “pra clarear a urina e as ideias”, Luís Fernando Veríssimo, com muito humor, apresenta críticas aos falsos valores morais, à política e ao machismo. 

Criador de frases icônicas como: 

“Conhece-te a ti mesmo, mas não fique íntimo.” 

“A corrupção é muito antiga no Brasil. As contas que o Cabral trocou com os índios já não fechavam.” 

“A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas é claro, certo?” 

Luís Fernando Veríssimo seguirá, através das suas obras, nos inspirando, provocando a pensar e a rir! 

Que possamos seguir escrevendo certo, claro, ou como der. Estamos por aqui para acompanhar e publicar! Que venha o florescimento da primavera! 

 Abraços afetuosos,

Beth Mori (SPBsb), Ana Carolina Alcici (SPRJ), Ana Valeska Maia (SPFOR), Cris Takata (SBPSP), Gabriela Seben (SBPdePA), Giuliana Chiapin (SBPdePA) e Lina Schlachter (SPFOR).

 Palavras-chave: Congresso da IPA, democracia, política, comunidade e cultura.

 Imagem: Pronunciamento de Cláudio Eizirik (SPPA), no Congresso 54o. da IPA

Categoria: Editorial

Nota da Curadoria: O Observatório Psicanalítico é um espaço institucional da Federação Brasileira de Psicanálise dedicado à escuta da pluralidade e à livre expressão do pensamento de psicanalistas. Ao submeter textos, os autores declaram a originalidade de sua produção, o respeito à legislação vigente e o compromisso com a ética e a civilidade no debate público e científico. Assim, os ensaios são de responsabilidade exclusiva de seus autores, o que não implica endosso ou concordância por parte do OP e da Febrapsi.

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Categoria: Editoriais
Tags: comunidade e cultura | Congresso da IPA | democracia | Política
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