Observatório Psicanalítico – 93/2019
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
O cinema, a psicanálise e o oscar
Lucas Santos (SBPMG)
No dia 24 de fevereiro ocorreu a 91ª edição do Oscar. “Green Book” ganhou o principal prêmio, de melhor filme, além de melhor roteiro original e melhor ator coadjuvante para Mahershala Ali. “Roma” conquistou os prêmios de melhor direção, melhor filme estrangeiro e fotografia. “Bohemian Rhapsody” conquistou quatro prêmios: melhor ator (Rami Malek), edição, edição de som e mixagem de som. Cabe ainda destacar “Pantera Negra” com três estatuetas: melhor trilha sonora original, figurino e direção de arte.
E o que a psicanálise tem a dizer sobre o Oscar? Como é o diálogo entre o cinema e a psicanálise?
É interessante pensarmos um pouco sobre como é a experiência de ver um filme, principalmente, se for no cinema. A escuridão da sala e o seu isolamento do mundo externo favorecem a imersão no novo mundo que é projetado na tela branca e, teoricamente, quanto maior a tela, maior será a experiência de imersão. Com isso, somos tocados pela história que nos é contada. Somos capazes de sentir a alegria, a adrenalina, como se estivéssemos no meio da plateia do show do Queen, vendo o Fred Mercury, em “Bohemian Rhapsody”. Sentimos o medo angustiante no plano-sequência de Alfonso Cuarón em “Roma”, quando Cléo, sem saber nadar, se arrisca no mar para salvar as crianças. Em “Vice”, de Adam McKay, podemos sentir raiva de um político manipulador, inescrupuloso, capaz de realizar cruéis articulações. Ou nos emocionar pelo amor, pela amizade e pela transformação do personagem protagonizado por Viggo Mortensen, em “Green Book”.
E quando um filme acaba somos convidados a olhar para aquilo que está acontecendo dentro de nós, porque essa história nos comoveu? Também lembramos de teorias psicanalíticas que se conectam com aquilo que acabamos de ver.
A primeira análise psicanalítica de um filme foi feita por Otto Rank em 1914, no seu trabalho “O duplo”, sobre o filme “O estudante de praga”, de 1913. Mas vamos voltar para o começo da história do cinema e da psicanálise. Em 1895, Freud e Breuer publicaram “Estudos sobre a histeria”. No mesmo ano Freud escreveu o “Projeto para uma psicologia científica” (publicado apenas em 1950) contendo as sementes para as principais teorias da psicanálise. A coincidência interessante é que em 1895 os irmãos Lumière patentearam o cinematógrafo, um aparelho capaz de capturar e projetar imagens. Também foi o ano da exibição do que é considerado o primeiro filme: “A saída da fábrica Lumière em Lyon”.
Um outro ano marcante para a história do cinema é 1927, o ano da fundação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, na Califórnia. É ela que realiza anualmente o prêmio mais famoso do cinema, o Academy Awards (Prêmio da Academia), popularmente conhecido como Oscar. A primeira edição foi em 1929, ano em que Freud publicou o “Mal-estar na civilização”.
Entretanto, o ano da criação da Academia, 1927 foi quando Freud escreveu “O Futuro de uma ilusão”. O pilar central desse livro é a religião, mas podemos destacar o que Freud nos diz sobre a cultura: “As concepções religiosas originaram-se na mesma necessidade de todas as outras realizações da cultura, a partir da premência de se defender contra a superioridade esmagadora da natureza”.
Ou seja, o desamparo humano frente a impiedosa e mortal natureza levou o homem a criar a arte. É interessante pensarmos como um artista se imortaliza através da sua obra, através do seu filme. Em Crepúsculo dos Deuses, de 1950, Norma Desmond, interpretada por Gloria Swanson, diz: “Eu sou a maior estrela de todas. As estrelas são eternas, não são?”
Talvez, o Oscar tenha essa função mágica, de ser um objeto que amplifica a fantasia da imortalidade, quando o artista entra para o seleto grupo dos ganhadores desse prêmio.
Freud nos diz que a origem da criatividade vem da tentativa de elaborar a perda da onipotência do narcisismo primário, além de ser uma forma de convivermos melhor com a realidade que nos frustra. E por ser frustrante a realidade criamos fantasias a fim de realizarmos nossos desejos insatisfeitos.
Podemos entender melhor a onipotência da seguinte forma: após o nascimento, no narcisismo primário, surge o sentimento de onipotência, quando o bebê está impregnado pela potência real do objeto. Já no narcisismo secundário, o bebê percebe que é o outro o verdadeiro detentor da potência, introjetando o objeto, na tentativa de recuperação da onipotência perdida formando-se o ego ideal. A qualidade dessa internalização do objeto está diretamente ligada a força do ego, que será capaz de estruturar um superego propiciador de uma autoestima realista das suas potencialidades e limitações.
Será que a estatueta do Oscar é um objeto potencializador da onipotência, ligada ao narcisismo primário? Ou será uma experiência do narcisismo secundário, uma realização do ideal do ego, gerando orgulho e satisfação pelo desempenho artístico, aproximando o ego do superego, elevando a autoestima?
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