Observatório Psicanalítico 57/2018
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
O Assalto à infância
Paulo Marchon (SPFOR)
“Poder-se-ia até mesmo sustentar que a exploração desavergonhada do trabalho e em particular do trabalho das crianças é que foi o fator – ou um dos fatores – determinantes da expansão demográfica da Inglaterra, de três milhões e meio de habitantes para sete milhões em pouco tempo. São as crianças que trabalham, produzem, e, com isso, aumentam a massa dos bens – de comida – que a classe laboriosa usufrui ou que partilha.” Ou seja, esmagando corações e mentes de crianças o Mundo criou a Revolução Industrial e nunca mais foi o mesmo.
Causa-nos espanto esta afirmação de Koyrée, porém não deveríamos estranhar, pois nós desfrutamos, ainda hoje, do trabalho infantil que é praticado em grande parte dos países do mundo, principalmente na Ásia e na África, mas também na América, principalmente a Latina.
Existem formas sutis de escravidão em que se propõe aceitar uma criança para “criar”, ou a mais descarada prostituição infantil pelos pedófilos, ou outros tipos de trabalho forçado como o das crianças-soldados da África, descritas no sofrido artigo de Fernanda Marinho em Trieb.
Colocando a criança a trabalhar para nós realizamos um verdadeiro assalto a ela. A repressão atual às drogas, mantida pela sociedade brasileira, cria o menor-traficante, que sustenta sua família e sustenta o usuário das drogas e sustenta o traficante-mor. O conjunto forma também um tipo de cadeia mesmo fora da cadeia.
A reação mundial à aberração inominável das crianças separadas dos pais e presas em canis e jaulas por ordem de Trump pode também nos lembrar daqueles que continuam a não ter infância e trabalham durante toda a existência.
Nós podemos ficar discutindo e escrevendo sobre o tema, mostrando nossa indignação, nosso terror, nossas soluções diante de políticas governamentais, mas se nós não colocarmos a mão na massa, direta ou indiretamente, participando in loco do que está sendo feito ou malfeito, seja pelos órgãos governamentais seja pelas entidades de caridade que se propõem a proteger a infância, estaremos sem empregar ao máximo nossas potencialidades e as crianças estarão sofrendo por este motivo, pelo empenho apenas parcial das nossas forças.
Juristas e psicólogos organizaram um grupo em Fortaleza a que deram o nome de Oportunize. Com pequena contribuição financeira de cada um, propuseram a um colégio famoso um desconto sensível na mensalidade e propiciam, desta forma, estudo gratuito a alunos pobres da periferia. Há entidades caritativas não governamentais que precisam de algum tipo de nossa ação direta, a fim de auxiliá-las a proteger as crianças não só do trabalho infantil, mas de todas as agressões que as crianças sofrem. O despertar de nossas consciências implica nossa participação direta. O Banco Granmeen, criado por Muhamad Yunus, ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2006, com pequenos empréstimos feitos aos pobres, principalmente mulheres. O combate ao trabalho infantil é como o pênalti, é muito importante para se deixar apenas o governo bater. Temos que bater todos juntos. Pra frente, Mundo!
Também considero a atitude cristã de que a mão direita não saiba o que a esquerda está a fazer um fator que tolhe o conhecimento do que tem sido feito e que poderia ser um estímulo para outros fazerem. É preciso que as mãos saibam o que fazem para poderem se unir mais fortemente ainda e FAZER.
Por último, não sei como sensibilizar empresas ou redes sociais para unir o maravilhoso 12 de junho quando se comemora ao mesmo tempo o Dia dos Namorados com o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Um slogan me ocorre: “Não dê presente no Dia dos Namorados que seja fruto de trabalho infantil.” Vocês terão soluções melhores para que os casais enamorados se unam no seu dia às crianças que sofrem.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores.)