Observatório Psicanalítico – 97/2019
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
Feminismo
Eliane de Andrade (SBPMG)
Os dias “internacionais” são proclamados para chamar a atenção de uma dada situação em desvantagem. Seja o “Dia Internacional das Doenças Raras”, 28 de fevereiro ou outras, também o “Dia Internacional da Mulher” , 8 de março, apresenta uma questão social e política de desprivilégio.
As chamadas “minorias” -nomenclatura que nada tem a ver com número, mas com desigualdades – parecem fadadas a se esgueirar ao longo dos séculos, buscando um lugar de reconhecimento e de respeitabilidade.
Nós, mulheres, somos, juntamente com os negros e a população LGBTI, possivelmente um dos “grupos” mais atacados em todas as partes do mundo.
Por engendrar a noção de “feminino”, considerado como objeto de desejo e de conhecimento, como diz Fiorini (2015) ou pela homologação com o “materno”, a mulher é, como em Totem e Tabu (1913,) apresentada, por Freud, como o negativo daquilo que o homem quer ser. Também no Tabu da Virgindade (1918), a mulher aparece como uma ameaça ao homem. Já em Contribuições à Psicologia do Amor (1910), Freud nos mostra a eterna luta do homem contra a ideia persecutória de que a mãe e a prostituta se equivalem.
Ora, de qual ameaça estamos falando?
Talvez, psicanaliticamente, do horror ao incesto, do desejo de cometê-lo e de todos os sentimentos ambivalentes que acometem cada um e a humanidade toda, frente à mulher. Desejo medonho e insidioso que, no menos esperar das relações, se impõe e se manifesta, inclusive no sistema consciente. Desejo escabroso que, como na homossexualidade, tem de ser expurgado violentamente. Tal expurgo seria uma precaução ante a atração infernal que a mulher exerce.
Assim, mantê-la controlada pelo serviço doméstico e a lida com os filhos, submissa ao homem, afastá-la do conhecimento sexual, impedí-la de estudar, pagar-lhe menos salário do que se paga aos homens, e fazê-la, sobretudo, crer que somente um casamento e filhos podem “realizá-la” , são os instrumentos que ainda hoje roubam de mais da metade da população mundial a capacidade criativa e a possibilidade de levar a humanidade para rumos mais amorosos.
Se não desejarmos investigar as invejas do útero e do seio, que fazem das mulheres alvo do ódio masculino pela impossibilidade de eles gestarem e amamentarem , ainda assim podemos concordar com Freud que, mesmo face à inveja do pênis, a mulher busca uma identidade com o homem e ,não, uma posição de domínio e exploração sexo-psíquica-social, a ponto de instalar-se um Dia Internacional do Homem.
Ainda não gozamos do reconhecimento como iguais e sofremos discriminações em várias áreas de nossa existência.
Esperemos que a reflexão deste tema seja contemplado no próximo Congresso da IPA, em Londres, em julho 2019.
Não definirei nem justificarei o feminismo. O mundo fala por si só.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores).