Observatório Psicanalítico – 81/2018
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
Extinção do Ministério do Trabalho: Crônica de uma morte anunciada
Kátia Barbosa Macêdo (SPBsb e GEPG)
Desde Totem e Tabu até O Mal-Estar na Civilização Freud já indicava o papel preponderante do trabalho na constituição da civilização. A renúncia pulsional se apoia no pacto social de que, ao abrir mão da satisfação de certos impulsos, a pessoa será
inserida, como recompensa, em um grupo que a protegerá dos perigos.
No processo civilizatório foram criadas normas a serem seguidas por todos visando instituir um sentido de justiça. Além delas, um sistema de fiscalização e punição, caso as normas não fossem cumpridas. Toda essa construção social solicita dos “civilizados” cada vez mais sublimação, prometendo uma satisfação (ainda que indireta). Mas, como bem comenta Freud, ela nunca é suficiente, existindo sempre um mal-estar na sociedade.
Quero destacar aqui as relações de trabalho por se constituírem pedra basilar da sociedade civilizada. O psicanalista Christophe Dejours afirma que o trabalho é hoje constituinte psíquico da identidade, indicador de inclusão (ou exclusão) social, além de fator de adoecimento e morte de trabalhadores em todo o mundo.
A Organização Internacional do Trabalho
(OIT), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), foi fundada em 1919, com o objetivo de regulamentar essas relações de trabalho e promover a justiça social, por meio da realização de recomendações que envolvem emprego, proteção social, recursos humanos, saúde e segurança no trabalho.
Como resultado do movimento trabalhista e sindical em todo o mundo, no Brasil, o Ministério do Trabalho foi criado em 1930 por Getúlio Vargas. Constituiu-se como um divisor de águas para as relações de trabalho, instituindo um conjunto de leis para regulamentar as relações entre patrões e empregados, num momento de industrialização. Instituiu a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); inseriu a proteção à saúde do trabalhador no ambiente de trabalho; delimitou a jornada de trabalho e férias remuneradas anuais; criou proteção contra a demissão arbitrária. Fixou, ainda, normas regulamentadoras de proteção à saúde do trabalhador, regulamentou o exercício de inúmeras profissões no país, além de criar órgãos para fiscalização. Sua criação significou uma conquista após injustiça e impunidade existentes por mais de 400 anos.
Seguindo a evolução mundial das relações de trabalho da OIT e OMS, vários programas e ações foram desenvolvidos visando proteger o trabalhador em sua integridade física, mental, ética e moral. Suas ações fortaleceram os sindicatos e o Brasil chegou ao extraordinário número de 15000 sindicatos. Nesse período houve várias conquistas, mas também denúncias de corrupção, desvio de verbas, irregularidades administrativas.
Agora, propõe-se a extinção do Ministério do Trabalho e a redistribuição de suas atribuições em três pastas. A previsão é de que sejam redistribuídas as funções da seguinte forma: a geração de emprego, gestão dos recursos do FAT e FGTS a cargo do Ministério da Economia; a concessão de cartas sindicais e fiscalização das normas trabalhistas, a cargo do Ministério da Justiça e a formação profissional sob responsabilidade do Ministério da Cidadania. Sabemos que a burocracia é um dos maiores entraves no funcionamento de organizações públicas no Brasil e a questão que se coloca é a quais interesses essa redistribuição atende? Quais grupos serão beneficiados com a mudança? Seguramente não é o grupo dos trabalhadores, mas sim o mesmo grupo de grandes empresários que fazem lobbies entre políticos para expoliar de forma predatória e perversa o País e seus trabalhadores.
Em todo o mundo assistimos a uma retomada de governos com propostas políticas neoliberais ou de extrema direita, que se reflete na ordem econômica e política mundial. Visando enfrentar os desafios impostos pela nova ordem econômica mundial e garantir e resguardar a empregabilidade e a saúde do trabalhador, em 2005 a OIT instituiu a noção do “trabalho decente”, baseada no respeito às normas internacionais do trabalho, resguardando os direitos fundamentais ao trabalho via promoção do emprego, o cumprimento dos direitos do trabalhador e o fortalecimento do diálogo social. O Brasil é signatário dessa declaração.
Apesar disso, no Brasil, na transição de governo, há fortes indícios de que as mudanças que estão sendo gestadas não possuem nenhum compromisso com o bem- estar social e que elas afetarão amargamente os trabalhadores. Três ações propostas embasam essa tese do retrocesso perverso em relação aos direitos trabalhistas: nova legislação; novas regras para Previdência e a extinção do Ministério do Trabalho.
A aprovação da nova legislação trabalhista que, entre as terceirizações, quarteirizações e mudanças na previdência, vem decretar o fim do contrato de trabalho com garantias para o trabalhador. Onde impera a “livre negociação” entre um explorador e o explorado, já se sabe de antemão quais interesses o contrato preservará. Isso sem se falar dos milhões de brasileiros desempregados e desalentados. A proposta de mudança nas regras da Previdência e a extinção do Ministério do Trabalho surgem na esteira de ações que visam oficializar a instituição da barbárie nessa guerra pela sobrevivência, onde tem imperado a garantia de interesses de poucos em detrimento do sofrimento de milhões.
Sabemos que quando a pulsão de morte predomina a violência aumenta.
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