Observatório Psicanalítico – OP 226/2021
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Exclusão e inclusão na educação
Maria Teresa Naylor Rocha e Sonia Verjovsky de Almeida (SBPRJ)
Em meados de 2020, diante da maior crise sanitária nos últimos 100 anos, o governo federal lança as bases para a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) com a finalidade de promover a separação de alunos em escolas e salas especiais. O decreto fere a Constituição Federal no que se refere à garantia da obrigatoriedade de a escola ser inclusiva e representa um recuo às conquistas dos últimos 30 anos.
Seguindo a argumentação do professor da Universidade de Yale, Jason Stanley, que estuda as formas de propaganda política, a exclusão dos indesejáveis e diferentes faz parte do objetivo de manter mobilizados os seguidores mais radicais por reforçar teorias conspiratórias que fazem a distinção amigo/inimigo, com a intenção de destruir o tecido moral da civilização, e propor a si mesma como única solução.
Essa lógica, ecoada dos Protocolos dos Sábios de Sião, afirma a existência de um grupo oculto que controla as mídias, e usa os apelos em favor de princípios universais de justiça, como meio de tomar o poder para destruir o grupo dominante. Encontramos a mesma construção na propaganda nazista com uso frequente de mentiras. A distinção amigo/inimigo reflete a centralidade da dicotomia da estrutura ideológica, fazendo com que as pessoas tenham medo do inimigo e desejem vingança contra ele. A intenção da mentira não é só enganar, mas criar uma distinção entre “nós” e “eles”.
Na exclusão há um contínuo e laborioso processo de convencimento sobre a legitimidade de crenças engendradas em narrativas que, repetidas mil vezes, passam a ter o estatuto de verdade, como já dizia Joseph Goebbels, ministro de Propaganda nazista.
Essa dicotomia é intrínseca à lógica da exclusão. Nela existem os diferentes, os “eles”, que não são considerados semelhantes para fazerem parte de uma mesma comunidade social. A exclusão não contempla a contradição, o conflito; nela o mundo é para poucos que detenham os privilégios ou o conhecimento da “verdade”.
Neste sentido, o processo de inclusão é complexo, posto que parte de uma realidade de exclusão que precisará ser desconstruída em sua estrutura de narrativas binárias. A condição indissociável do social/coletivo e do individual na construção da subjetividade coloca em relevo as condições deletérias de políticas que fazem da mentira estrutural uma narrativa de opressão na lógica de amigos/inimigos. Essa realidade imprime a crença de que não há lugar para o diferente de mim. A vida que vale a pena ser vivida é concebida para poucos que compõem o grupo de eleitos (seja por questões ideológicas, religiosas, de classe, de raça, de gênero etc.). O narciso acha feio o que não é igual e a única solução é o extermínio deliberado engendrado à sombra ou às vistas quando se tornam políticas públicas.
Na complexa formação subjetiva coletiva e individual, a desconstrução terá que perpassar caminhos igualmente complexos através de dispositivos que deem conta das duas pontas, para que o processo de inclusão seja eficaz. Dito de outra forma, a desconstrução da exclusão exige dispositivos que contemplem a complexidade dos fatores envolvidos da ordem do social, do emocional, do econômico e do político.
Certamente um dispositivo importante será legitimar o poder de fala para que grupos minoritários oprimidos possam ter lugar de fala. Esta ação, inclusive, reflete a necessidade de acerto histórico pela afirmação. Mas temos de cuidar para que isso não signifique exclusividade de fala, pois estaríamos repetindo o modelo da própria opressão. A liberdade e a criatividade morrem sem os contrastes, sem a fricção de diferentes pontos de vista fora da lógica binária.
A condição de invisibilidade rouba a possibilidade da construção de um narcisismo aberto à aventura coletiva. Ela obstruiu a construção da subjetividade em sua dinâmica intrapsíquica enlaçada na intersubjetividade. A inclusão busca restaurar, ou pela primeira vez garantir, a experiência do tríptico temporal de passado, presente e futuro.
Experiências clínicas psicanalíticas com populações vulneráveis na cidade do Rio de Janeiro nos fazem compreender que o processo de inclusão segue o longo caminho da construção de vínculos de confiança que possibilitam mudanças defensivas e novas formas de narrativas pessoais e sobre o mundo.
Essa complexa teia só consegue se mover no sentido da inclusão quando consideramos as forças inconscientes em conjunto com políticas de incentivo coletivas de tolerância à diferença de todos os envolvidos. Na inclusão a tolerância não é só uma virtude, mas condição de sobrevivência em ações de convivência.
No Brasil temos longa história de violência contra a população negra, contra a população indígena e contra as mulheres. Somos um país em que a base social se assenta em privilégio de poucos e em opressão de muitos que não possuem a condição de semelhante.
Nunca tivemos políticas abrangentes para transformar a educação pública em um sistema de qualidade. Ainda vivemos a lógica, bem sucedida, de uma educação de qualidade para os privilegiados, e para a grande maioria da população mantemos a não educação para a manutenção da exclusão. Essa não educação é a mesma que sofre com o decreto que busca restaurar as escolas especiais para alunos com necessidades de atenção diferenciada.
Essa realidade se manterá com mais ou menos exuberância enquanto não pensarmos a inclusão como um processo complexo em que todos terão que se mover no tabuleiro da vida coletiva e individual. Isso não será nem mais por ordem de se tratar de uma virtude, mas por ser o resultado de uma escolha de vivermos em uma sociedade mais justa e igualitária de acesso e de oportunidade. Sociedade em que possamos pensar que é de responsabilidade do coletivo o bem comum.
Considerando essa abordagem a respeito de ações inclusivas, na educação elas não diferem de outras áreas humanas. O que está em jogo é uma mudança de mentalidade que faz o outro invisível ser revelado como semelhante. Nessa dimensão não mais teremos os “eles”, e seremos todos “nós”.
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