Escrita psicanalítica: espaço para sonhar, interpretar e escrever

Observatório Psicanalítico – 205/2020

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo

Escrita psicanalítica: espaço para sonhar, interpretar e escrever

Leila Tannous Guimarães (SPMS)

 

Como contar sobre a experiência com a Oficina de Escrita, na Sociedade Psicanalitica de Mato Grosso do Sul, sem falar do grande e memorável poeta da terra, Manoel de Barros? Ele escreveu de seu próprio jeito e nos deixou uma valiosa lição: para encontrarmos o azul do céu, devemos usar pássaros.

 

E conhecer o azul do céu, voando na escrita, tem sido o nosso propósito enquanto citamos aqui o poeta:

 

“Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.

Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu preceptor, esse gosto esquisito.

Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.

Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.

Ele fez um limpamento em meus receios.

O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas…

E se riu.

Você não é bugre? – ele continuou.

Que sim, eu respondi.

Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas – Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.

Há que apenas saber errar bem o seu idioma.

Esse Padre Ezequiel foi meu primeiro professor de agramática” (“Para Encontrar o Azul do Céu Eu Uso Pássaros”, Manoel de Barros, 2011) 

 

Falar do nosso cotidiano, usando a ferramenta psicanalítica para compreender as expressões da alma humana, aproxima-se muito do que vem a ser “bugre”, para o “Padre Ezequiel”, de Manoel de Barros, como sendo aquele “que só pega por desvios” o modo como as inquietações existenciais se expressam na “doença” das frases, e eu acrescentaria, também, na composição da linguagem pela qual a mente se revela. Com seu escrito, o nosso poeta abre caminho para que possamos conhecer a nossa “agramática” pessoal, oferecendo novos sentidos para aquilo que poderia ficar soterrado no concreto.

 

A criação de um espaço para a produção de artigos originados de leituras e reflexões é a realização de um projeto inspirado na Oficina de Escrita Psicanalítica, com a perspectiva de ampliar o contato entre analistas e público interessado pela psicanálise, por meio de publicações e, ao mesmo tempo,  de servir de estímulo necessário à produção de um pensamento psicanalítico e apresentação de seus debates internos, que nos leve a cunhar uma identidade de escritor e psicanalista.

 

O Departamento Científico tem a responsabilidade de organizar os encontros, convidar analistas que queiram engajar-se nesse movimento e oferecer a eles temas do nosso cotidiano que portem variados enfoques, a fim de permitir articulações entre a psicanálise e outros saberes.

 

A utilização do espaço da Oficina de Escrita Psicanalítica para agrupar os analistas em torno da leitura e da escrita, possibilitou o exercício da escuta e da interpretação de textos e da vida, releituras e ressignificações em torno da arte de viver, contendo ingredientes filosóficos, políticos, históricos, sociológicos, e outros mais que dialogam com a psicanálise, buscando instigar curiosidade, reflexão, trocas, interlocução e mais intimidade de expressão do pensamento na escrita. Neste sentido, além de artigos espontâneos, outros textos poderão se transformar em crônicas, contos, poemas e até ensaios teóricos, visando atender a proposta de uma aproximação do pensamento psicanalítico, agora enriquecido pela experiência de trocas no grupo, que aos poucos foi “fazendo um limpamento em seus receios” e voando com a psicanálise para encontrar o azul da escrita.

 

Contar a nossa experiência com a Oficina de Escrita, de certa forma, é contar também sobre a realidade da fantasia que habita em todos nós, é desnudar os nossos próprios devaneios apoiados numa aliança de cumplicidade e intimidade com os nossos pares, sonhadores imersos tanto nas lembranças de outrora, quanto tocados pela emoção que a vida desperta no agora. E é aqui e ali, ontem, hoje e amanhã, certos de que, quem sabe, não será ou será uma outra coisa, tudo junto em fantasias que às vezes parecem menores, mas são ficções necessárias para construir um olhar especial sobre o diferente, criar de outra forma, enveredar por desvios onde os “ariticuns maduros” nos esperam. E por falar em ariticuns, já temos o nosso primeiro fruto de um trabalho de alguns anos, uma coletânea, ainda acanhada, de textos espontâneos que após as leituras que fizemos das crônicas de Eliane Brum, além daqueles mais elaborados que se transformaram em belos poemas, crônicas, reflexões e ensaios teóricos psicanalíticos.

 

Aos colegas que aceitaram generosamente o convite de escrever, aos que espontaneamente vieram nos procurar para sonharmos juntos, inventando um jeito de ver a vida – e ver que a fantasia é a grande autora de nós mesmos – por meio de seus escritos em versos e prosas, em crônicas e contos, seja qual for o caminho escolhido para escrever, ele valerá para publicar suas ideias e aliar-se aos nossos propósitos reflexivos na qualidade de “escutadores”, intérpretes, psicanalistas e escritores.

 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

 

Foto: Asa Roy e Osmar Onofre.

 

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Os ensaios do OP são postados no site da Febrapsi. Clique no link abaixo:

https://febrapsi.org/observatorio-psicanalitico/

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