Observatório Psicanalítico – 196/2020
Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo
Efeitos da pandemia nos relacionamentos conjugais estáveis
Gley Silva de Pacheco Costa (SBPdePA)
É do conhecimento geral que as relações conjugais são bastante complexas e que a sua estabilidade encontra-se permanentemente subordinada a um grande número de desafios inerentes a todo e qualquer vínculo afetivo de longa duração. No casamento, ingredientes como experiências infantis, expectativas não explicitadas, vicissitudes decorrentes da paternidade/maternidade e inevitáveis mudanças internas e externas que se estabelecem com o passar do tempo, exigem do casal frequentes atualizações do contrato inicial para que a estabilidade conjugal possa ser mantida.
Neste momento, contudo, além dessas dificuldades, a estabilidade do relacionamento conjugal encontra-se ameaçada pela Covid-19 e suas consequências. Entre elas, por algo que, do nosso ponto de vista, é muito mais comprometedor para o equilíbrio psíquico do que aparenta ser: o confinamento e o distanciamento social, os quais oferecem uma sobrecarga considerável a qualquer relacionamento, por melhor que seja.
Didaticamente, podemos dividir os relacionamentos conjugais estáveis em três modelos com as consequências motivadas pela pandemia, em particular, o confinamento e o distanciamento social:
O primeiro modelo de relacionamento conjugal é caracterizado pelo escasso contato entre os cônjuges, mantendo cada um uma vida da qual o outro não participa ou participa muito pouco. Nesse modelo, o confinamento e o distanciamento social geram uma grande dificuldade para o casal, acostumado a manter uma distância regulamentar. É comum que estejam juntos somente na companhia de outros casais, como jantar fora, viajar ou fazer qualquer tipo de programa. Nesse padrão de relacionamento, se há filhos, eles frequentemente ocupam o papel dos amigos, qual seja, o de impedir que os cônjuges permaneçam sozinhos ou se envolvam um na vida do outro além de um determinado limite. Esses casais são os que, aparentemente, em maior número, estão se separando, até mesmo porque o vínculo que mantinham antes da pandemia era muito tênue, sustentado justamente pelo distanciamento entre os cônjuges e a proximidade social proporcionada pelos amigos e os filhos.
O segundo modelo é caracterizado por um relacionamento conjugal em que o casal mantém uma vida em comum bastante ampla, mas suficientemente flexível para que ambos possam conservar interesses e amizades próprios. A flexibilidade e, também, a criatividade dessas relações é que permitem enfrentar melhor situações difíceis como é o caso da pandemia, na medida em que dedicar-se ao outro de uma forma mais intensa, alargando a área de contato, não oferece o receio de ser engolfado pelo cônjuge, pois ambos prezam sua individualidade, a qual é naturalmente resgatada no momento seguinte.
Chama a atenção nesses vínculos, em primeiro lugar, um bom relacionamento sexual, que, em muitos casos, com uma maior aproximação, até melhorou com a pandemia. Em segundo lugar, a capacidade de desenvolver atividades domésticas compartilhadas, como cozinhar, fazer reparos e arrumar a casa, cuidar do jardim e tantas outras coisas que podem ser feitas com mais disponibilidade de tempo. Encontra-se na mesma linha o interesse por atividades lúdicas, como jogar cartas, escutar música e assistir filmes juntos na televisão. Os casais unidos por esse modelo estão tolerando melhor a pandemia e, inclusive, em muitos casos, relacionando-se até melhor, com mais carinho e dedicação.
O terceiro modelo tem como característica uma relação fechada e indiferenciada, por vezes simbiótica, a qual, com o isolamento e o distanciamento social aumentados, torna-se ainda mais tóxica. A tendência que se observa são as explosões afetivas, não raro acompanhadas de agressões físicas. Também se constata nesse modelo de relacionamento conjugal uma maior ingestão de bebidas alcoólicas, visando o entorpecimento e o apaziguamento da agressividade no relacionamento. Apesar disso, esses casais não se encontram entre os que mais estão se separando durante a pandemia, pela razão de que um precisa do outro para descarregar suas tensões. Contudo, o aumento da toxicidade da relação expõe esses cônjuges ao aparecimento de patologias orgânicas, como hipertensão, enfermidades autoimunes e muitas outras.
Por fim, não devemos subestimar a influência da duração da pandemia, tendo em vista que, ao estender-se demasiadamente, tem determinado um esgotamento das capacidades emocionais dos cônjuges, gerando, em alguns casos, reações disruptivas, as quais põem em risco a manutenção do relacionamento conjugal.
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