Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo.
Sódepois 18,
Outubro de 2021
Sódepois é o nome escolhido por nós, da Curadoria do OP, para o editorial que escrevemos mensalmente. Partimos do “Só depois”, expressão brasileira para dar sentido ao termo alemão nachträglich utilizado por Freud (1896) para se referir ao “processo de reorganização ou reinscrição pelo qual os acontecimentos traumáticos adquirem significação para o sujeito apenas num a posteriori, isto é, num contexto histórico e subjetivo posterior, que lhes confere uma nova significação.” (Elisabeth Roudinesco e Michael Plon, 1998, Dicionário de Psicanálise, p. 32, Zahar editora)
Como psicanalistas brasileiras, acompanhamos o pensamento de Tania Rivera em “Psicanálise Antropofágica: identidade gênero e arte” (2017) e, implicadas com nossa política e cultura, decidimos por buscar uma identidade própria, uma escrita que degluta nosso passado psicanalítico misturado com o cotidiano brasileiro contemporâneo que juntos compartilhamos. Num processo de elaboração secundária “antropofágica”, eliminando o que não nos serve, deixamos evidenciar aquilo que nos é próprio. Daí, o neologismo Sódepois… tudo junto, sem espaço.
Entre nós, da equipe de Curadoria, nachträglich sempre foi o apelido carinhoso que utilizamos para nos referirmos à nossa escrita do editorial, desde que o criamos, em maio de 2020. Um ensaio de apresentação a posteriori dos ensaios publicados sobre os acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais que ocorreram e ganharam relevância, em geral, pelo excesso de traumático que comportam. E, também, um espaço de escrita próprio de nossas apreciações, curadoras-escritoras, sobre estes mesmos eventos que nos atravessaram.
Como curadoras temos assumido nossa tarefa como uma Exposição de Artes Plásticas, quando deixamos de ser somente editoras, e passamos a cuidar da “obra” dentro de um recorte proposto, desde o momento em que as escritas chegam em nossas mãos até podermos apresentá-las ao grande público.
Chegamos em outubro com 18 números do “Sódepois”: tempo suficiente de elaboração para o nome de nossa criação. E é com alegria que neste Editorial compartilhamos um duplo acontecimento: o crescimento recorde de publicações de ensaios escritos neste tempo de distanciamento social (março de 2020 a outubro de 2021) – nossos agradecimentos aos colegas psicanalistas que têm colaborado para que o OP se mantenha como uma editoria de uma psicanálise brasileira viva e implicada – e a presença do nosso Observatorio Psicanalitico no Instagram. Sigam-nos por lá https://www.instagram.com/p/
Em outubro, iniciamos com o ensaio da colega da SBPSP, Mirian Malzyner, OP 271/2021, sobre o filme Contágio, do diretor de cinema Steven Soderbergh, que nos apresenta uma epidemia que assola o planeta Terra. Um filme que nos impacta, profundamente, por nos “sentirmos dentro do filme”. Concordamos com Miriam. A película retrata uma “realidade próxima do que vivemos”. Nos sentimos “parte do elenco”. E o cenário é o real que ainda hoje nos encontramos, apesar do avanço da vacinação, com o estabelecimento do “distanciamento social, dos rituais de limpeza, do uso das máscaras…”
Sobre a questão dos refugiados, “Refugiados: a solidariedade desafiada”, OP 272/2021, o ensaio escrito pela dupla Manola Vidal e Carlos Pires Leal, da SBPRJ nos deixa algumas provocações: “Como nós, psicanalistas, nos implicamos com essa realidade que alguns consideram uma verdadeira globalização da indiferença? De que forma o saber e o fazer clínico psicanalítico pode contribuir para a compreensão e o amparo dessa população crescente e tão intensamente desamparada?”
O ensaio “Os caminhoneiros e o risco da alucinação coletiva”, de Ricardo Trinca (SBPSP), OP 273/2021, inicia nos lembrando de como é “maravilhoso o gosto em alucinar”, pois “em nossas alucinações, consertamos o mundo temporariamente, embora as exigências da vida permaneçam.” Ricardo pensa psicanaliticamente sobre o “choro comovido, emocionado e intenso dos caminhoneiros, bravos homens, arrastados pelos braços da fantasia, que comemoraram o estado de sítio decretado pelo presidente da república durante a noite do dia 08 de setembro… mas, pouco tempo depois, esbravejaram pela frustração de ser apenas uma torpe bravata”. O ensaio segue salientando que “os caminhoneiros nos mostraram que há no universo social algo análogo com o que ocorre em nosso universo mental”.
Maria Luiza Gastal (SPBSB), em “Aprendendo com a experiência, enfim…”, OP 274/2021, “coloca os pingos nos is”, como diz Sandra Gonzaga (SBPRJ), com uma escrita ensaísta sobre a necessidade de fazermos, cada um de nós, uma autocrítica sobre a situação do país, perguntando-nos o que temos a ver com isso que sucede no mundo político brasileiro.
Concluímos nosso Editorial com o ensaio de Maria Jose Tavares (SBPSP), OP 275/2021, “Imagine a Cor, Imagine a Dor”, O XIV de nossa série Vidas Negras Importam; uma escrita de denúncia contundente sobre a condição de “menos-valia” da população negra e dos povos originários, especialmente nesta pandemia, em nosso país. Como nos diz a ensaísta, “O racismo é um sistema de reprodução de condições de desigualdade e sofrimento, por isso afeta fundamentalmente uma crise sanitária como esta que estamos vivendo, pois na hora de decidir quem vive ou quem morre, são as populações mais excluídas que sofrem as piores consequências. Essas populações não têm status de humanidade. Considerando o desastroso governo Bolsonaro, num país com o legado da escravidão e persistente racismo, seria surpreendente se pudéssemos encontrar um cenário diferente.”
Equipe de Curadoria
Beth Mori, Daniela Boianovsky, Ludmila Frateschi e Rafaela Degani.
(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)
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