Observatório Psicanalítico – 76/2018
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
Algumas reflexões sobre o lugar do psicanalista e as últimas eleições no Brasil.
Maria Eliana Barbosa Mello (SPRJ)
Esse texto visa pensar sobre o que se passou na recente eleição presidencial no Brasil.
Em primeiro lugar, pensar porque chegamos a uma situação tão extremada na eleição de um novo presidente. Poderíamos responder de forma banal, dizendo que a democracia ainda é muito recente no nosso trópico e por isso se desencadeou uma histeria coletiva.
Porém, sabemos que essa resposta não consegue dar conta de tamanho frenesi entre os eleitores. Uma pergunta então se coloca: como é que em nossa democracia recém-conquistada houve espaço para um discurso antidemocrático vitorioso?
Claro está, como disse Francischelli, colega da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre, que só nos cabe aceitar a vitória do candidato eleito. Porém, isso não nos impede de pensar sobre as razões pelas quais elegemos um candidato que nos apresenta um discurso que coloca em risco conquistas arduamente alcançadas, tais como a união civil de pessoas do mesmo sexo; a liberdade de cátedra assegurada pela Constituição, que coloca as universidades como alvo de controle e punição em virtude da expressão de pensamento divergente, pretendendo, por fim, a instituição de uma “Escola Sem Partido”. Quando sabemos que o lugar da Universidade é de formar sujeitos pensantes e não robôs programados para falarem o que “o mestre mandar”!
Freud, em Psicologia das Massas e Análise do Eu, é categórico: “Somos animais de horda “.Isso significa que fazemos parte de um rebanho que escolhe um líder para se submeter! Como Freud diz: os seres humanos têm sede de obediência. E, por um processo similar à hipnose, se deixam ludibriar pelo líder que não ama ninguém, somente a ele próprio!
Constatar isso é se indagar sobre esse fenômeno das massas que pode ter efeitos devastadores sobre uma Nação. Penso que cabe ao psicanalista um lugar de crítica em face dos movimentos de massa de uma nação. Com a atenção voltada ao movimento das pulsões de vida e de morte, estará em condições de depurar ideias, discursos e ações.
Nessa eleição, estávamos frente a pelo menos dois discursos: um contra o PT, acusando-o de ser responsável por todos os males do nosso País, e outro travestido de “salvador da Pátria” que trazia, numa repetição muitas vezes tanática, frases de um momento histórico tão terrível para o Brasil, como foi a ditadura instituída a partir do golpe civil-militar de 1964.
Portanto, não estávamos mais escolhendo entre dois candidatos. E sim entre dois discursos qualitativamente distintos: um que se situava no campo simbólico da democracia e outro que estava além… que, aprendemos com Freud, é o mais demoníaco e temeroso!
A psicanálise, que é baseada na ética e no respeito à alteridade, viu-se convocada a se manifestar. É o que chamo a Política da Psicanálise. Ou seja, a prática do psicanalista se faz em seu consultório clínico, na sua instituição e também na Pólis.
Psicanalista é aquele que não teme o debate e que escuta toda e qualquer posição crítica sem classificá-la prematuramente como partidária. Senão, ficamos partidos em nossa posição de escuta.
Contudo, o psicanalista não é apartidário. Mas isto não significa que esteja levantando bandeiras partidárias.
Quando digo que não somos apartidários significa que temos sim um “partido”: o partido da ética, o partido da crítica, o partido da indignação em face a tudo aquilo que violenta a condição humana.
Por isso, acredito ser fundamental separar a pessoa do psicanalista (suas crenças, seus valores, seu candidato etc) do lugar do psicanalista. Lugar simbólico por excelência que tem como premissa abrir questões e não fechá-las em falas imaginárias.
Em outras palavras, o psicanalista é um questionador da Cultura e do seu Mal-Estar, como nos ensinou Freud.
Somente nos cabe agora torcer para que Eros tome a frente cerceando Tânatos.
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