Observatório Psicanalítico 53/2018
Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.
Adeus, Philip Roth
Aida Maria Moraes Ungier (SBPRJ)
A cultura americana no século XX perdeu um de seus mais brilhantes comentaristas. Philip Roth nos deixou em 25/05/2018, na cidade de Nova York, vítima de insuficiência cardíaca. Em suas narrativas, debruçou-se, especialmente, sobre o quadro social que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Filho de imigrantes judeus, mergulhou na tradição de seus pais, emergindo com uma potente escrita, na qual revelou as tramas que teciam o dia a dia da comunidade a qual pertencia, sublinhando o esforço de seus membros para se inserir no seio de uma sociedade competitiva, preconceituosa e excludente.
Nascido em 1933 em Newark, no bairro de Weequahic, estreou na literatura aos 26 anos, através de contos publicados nas revistas New Yorker e Paris Review. Reuniu alguns deles em seu primeiro livro – Goodbye Columbus, que levou o National Book Award de 1960, quando contava apenas 27 anos. Desde cedo conheceu o aplauso da crítica e o sucesso de público, a despeito das querelas despertadas, em virtude não só dos temas abordados, como da forma provocadora com que os tratava: judaísmo, amor, sexo, doença, morte, traição. Roth refletia sobre o mal estar na civilização e não temia ser rejeitado. Segundo ele, o antissemitismo nasce na cabeça do antissemita.
Escrevendo, fez a catarse de suas mazelas e a arqueologia do humano que o cercava, aproximando-se da psicanálise que cortejou, à distância, desde o primeiro sucesso. Nesse, retratou a masturbação compulsiva, a sexualidade aditiva de Portnoy, um de seus mais emblemáticos personagens. Sua reflexão sobre a condição humana levou-o a investigar os meandros da velhice, da decadência e da morte tal qual acompanhamos, por exemplo, em O Animal Agonizante e em Patrimônio.
Para Freud, a pulsão é o motor da vida, produzindo, em seu rastro, do crime à obra de arte. Por esse viés, a sublimação seria o destino pulsional por excelência. Trata-se não só das produções geniais guardadas em museus e bibliotecas, mas também, da criatividade cotidiana de homens e mulheres comuns que engendram aquilo que lhes será útil e prazeroso, pelo simples fato de engendrar e, com isso, favorecer a convivência com o outro. Todavia, alguns, dentre nós, têm a sublime inclinação para transformar em narrativas suas próprias vivências e emoções, de tal sorte que, ao lê-las, nos emocionamos por identificar nossa própria experiência nas experiências descritas. Essa seria a razão do sucesso de algumas dessas obras. Philip Roth foi um desses escritores. Purgou suas paixões em um texto rico, denso, genuíno e provocador, que instigará, ainda, muitas gerações por vir.
É irônico pensar que o escritor que tratou tantas vezes da fúria do desejo masculino, sendo rotulado de machista e misógino e que foi, injustamente, preterido para o Prêmio Nobel de Literatura, morre no exato momento em que a Academia Sueca se vê paralisada por uma acusação de assédio sexual por parte de alguém íntimo da instituição e, mais ainda, que integrantes dela tenham procurado encobrir tais denúncias, para evitar o escândalo.
Em 2013, anunciou sua aposentadoria, com a publicação de Nêmesis. Estava cansado e preferia, a partir de então, ler os atores que o haviam influenciado: Dostoievski. Turgueniev, Kafka, Conrad, Hemingway. Entrevistado, comentando sobre seu legado, citou o boxeador Joe Louis que afirmou no fim da vida: “fiz o melhor que pude com aquilo que tinha”. Roth completou: “é exatamente o que eu diria do meu trabalho”.
Goodbye Philip Roth!
Sua palavra sobreviverá a você e continuará enfrentando o mundo!
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