T

Clique na imagem para ampliar

Revista Brasileira de Psicanálise convida colaboradores a escreverem trabalhos sobre palavra e verdade

14 / agosto / 2019

A Revista Brasileira de Psicanálise convida os seus colaboradores a refletir sobre as vicissitudes da palavra e a sua relação com a verdade em nosso ofício. Pensamos que, se a palavra não encontra na verdade uma referência, não há como ser realizado o seu trabalho mediador, tanto do sujeito em relação ao outro quanto do sujeito em relação à sociedade, já que é pela palavra que podemos nos apalavrar, criando cultura. Os trabalhos deverão ser encaminhados para o e-mail da revista [email protected] até a data-limite 2/9/2019. As orientações editoriais estão disponíveis em http://rbp.org.br/normas-de-publicacao/

 

Leia carta-convite da editora da RBP, Marina Massi:

 

Revista Brasileira de Psicanálise · Volume 53, n. 3, 1-16 · 2019

Carta-convite¹

 

Palavra e verdade


As linguagens atuais são magras e frias porque nelas nosso pensamento cada vez menos se adentra. 
Ernest Fenollosa


Em “A grade”, Bion expressa com criatividade e exatidão o problema que certas palavras teriam ao serem demasiadamente usadas: elas tenderiam a perder o seu vigor, a sua exuberância de sentido metafórico e a sua vivacidade. Bion lembra-se de Robert Fowler ao dizer que as palavras, por muito uso ou por esgotamento do seu sentido, se tornariam meio mortas e necessitariam
de um rejuvenescimento, na forma de um processo desfibrilatório, com a finalidade de recuperar o seu pulsar e a sua força. Esse processo demandaria esforços poéticos e literários, pela criação de novas palavras compostas ou de uma relação com novos sentidos, pela justaposição simétrica entre elas.

Sabemos que as palavras são fundamentais para o exercício psicanalítico, e que elas expressam pressupostos metapsicológicos com os quais o analista trabalha, consciente ou inconscientemente. No entanto, as palavras também parecem sofrer a corrosão do tempo e da cultura, tornando-se progressivamente destituídas da pujança com a qual vieram à luz. Essa estranha ideia encontra eco em R. W. Emerson, para quem toda palavra foi, no início, uma figura brilhante. Fadadas a perder esse brilho inicial, elas se tornariam, como linguagem, poesia fóssil.

Desse modo, perguntamos se acaso estaríamos vivendo uma época marcada justamente pelo enfraquecimento da potência de certas palavras. Dentro do âmbito psicanalítico, poderíamos falar de um enfraquecimento das palavras para o nosso ofício? Ou será que as palavras psicanalíticas continuariam a ter a mesma pujança inovadora? O psicanalista trabalha, enfim, com palavras capazes de expressar a sua experiência clínica?

Na psicanálise, a palavra pressupõe a possibilidade de que derivados ou registros inconscientes surjam e, por meio deles, escutemos aquilo que necessita desse apoio para aparecer, mesmo que de modo frágil e impreciso. A palavra encontra assim uma ligação com o inconsciente, que é para onde a escuta se dirige – a escuta de certa realidade psíquica. Nesse sentido, a palavra que fala é o meio e o fim da verdade psicanalítica. Mas em que ela encontraria o seu apoio? Qual o lastro da palavra? Qual a relação com a verdade da palavra que, interpretando, ainda conserva uma potência mutativa no sujeito?

Contudo, nos tempos atuais observamos espantados como o discurso político e também cultural tem recusado a noção de verdade tal como tradicionalmente a conhecemos, ou seja, como um fundamento a partir do qual a palavra encontra referência, mesmo sendo um referente incognoscível.

Em nosso tempo, cada vez mais observamos as palavras serem utilizadas sem qualquer referência a fatos, à história ou até mesmo a construções teó-ricas ou ideológicas. As palavras são ditas, mas por elas não se pretende mais revelar ou indicar uma verdade, mas criá-la autocraticamente. Encontramos esse emprego da palavra também em discursos políticos e nas redes sociais. Tal verdade, que se presta a determinado uso, pode ser descartada tão logo o seu valor de uso seja realizado.

Como podemos psicanaliticamente compreender tal fenômeno? Seria ele da ordem das mentiras e defesas ou se trataria de algo realmente novo – de uma crise social, com a qual a psicanálise pode não estar plenamente preparada para lidar? Acaso a noção de verdade deixaria de ser o fundamento de um discurso e se tornaria cindida ou recusada socialmente? Por fim, como podemos pensar o campo psicanalítico se a palavra parece perder o seu valor hermenêutico e se tornar um instrumento de uso discursivo para finalidades utilitárias?

A Revista Brasileira de Psicanálise convida os seus colaboradores a refletir sobre as vicissitudes da palavra e a sua relação com a verdade em nosso ofício. Pensamos que, se a palavra não encontra na verdade uma referência, não há como ser realizado o seu trabalho mediador, tanto do sujeito em relação ao outro quanto do sujeito em relação à sociedade, já que é pela palavra que podemos nos apalavrar, criando cultura.

Os trabalhos deverão ser encaminhados para o e-mail da revista [email protected] até a data-limite 2/9/2019. As orientações editoriais estão disponíveis em http://rbp.org.br/normas-de-publicacao/.

Aguardamos as colaborações.


Marina Massi
Editora

1 Esta carta-convite foi escrita por Ricardo Trapé Trinca, discutida e finalizada pela equipe
editorial da RBP.

Share This