A discrição é, portanto, incompatível com uma boa configuração de uma análise. A gente precisa tornar-se um mau sujeito, jogar-se fora, abandonar, trair […]. Sem tal dose de criminalidade, não há produção correta (Freud a Pfister, 1910).
São Paulo, Campinas, 18 de maio de 2019: A FEBRAPSI e o GEPCampinas promoverão uma atividade conjunta, visando trabalhar a temática do próximo congresso brasileiro, que ocorrerá em Belo Horizonte, de 19 a 22 de junho de 2019.
Esse evento marca a finalização dos encontros preparatórios, que ocorreram em parcerias com nossas federadas, desde março de 2018. Nesses vários encontros científicos tivemos a oportunidade de trabalhar as múltiplas faces que Das Unheimliche comporta, no seu trânsito entre a teoria, a clínica, a cultura. Esse contexto fez-se fértil para descortinar a pluralidade, com suas singularidades, do pensamento dos psicanalistas brasileiros, em sua sinistra vocação para ser inconfidente.
Seguindo essa trajetória, agora em terras campineiras, trabalharemos visando um fechamento, enquanto preparatória, e uma abertura, considerando o ponto de partida para as estranhas inconfidências que estão por vir em solo mineiro – encontros, reencontros, desencontros. O republicano Tiradentes, que ominosamente foi o único inconfidente condenado à morte, segue propondo novas narrativas para a nossa contemporaneidade. Momento de colocar sub judice possíveis lembranças encobridoras. Tal qual o homem Tiradentes que hoje se resgata em uma justa biografia – não a de um herói abstrato da Inconfidência, mas a de um homem encarnado em seu “louco desejo de liberdade”. Nesse sentido, podemos ter a pretensão de que o inconfidente, tal como o estranho, adquira o status de um conceito específico no interior das traições?
Fiel, com certa dose de infidelidade, ao nosso compromisso de dar voz ao Unheimliche, que se apresenta na inquietante dialética do conhecido/ desconhecido, vamos abordar suas raízes, ramificações e derivativos. A comunicação sensorial pede passagem, aguçando sensibilidades. Essas que criam condições intrigantes, por vezes diabólicas, para trabalhar com o estranho objeto da psicanálise.
Temos a possibilidade de estabelecer um diálogo entre o território das representações, com sua força desejante, algo do doloroso, e o território do não representável, com sua sexualidade não desejante, algo do repulsivo. Tempo que incita a refletir as sensações que emanam desses territórios, que carregam consigo, com intensidades variadas, a problemática do ser estrangeiro em sua própria morada. Quem sabe, uma convocatória para exercitar uma contemplação estética do fazer analítico. O olhar, o escutar, o tocar, o cheirar, o degustar nos excitam a rever as complexidades – familiar e não familiar – que se insinuam no entrelaçamento entre o individual e o coletivo, entre o sujeito e o objeto, ou ainda, entre o corpo biológico e o corpo pulsional, no âmbito do marginal (Freud, 1919). Estranhas percepções…
Para viabilizarmos tais pretensões, inspirados no ser inconfidente freudiano – aquele que proclama tornar-se um mau sujeito, almejamos construir um espaço de interlocução que propicie a condição criativa para o acontecer de (in)confidências, na expectativa de que a discrição se faça indiscreta – jogar-se fora.
Como estímulo final, deixamos registrada a misteriosa interrogação de Freud (1910): Que se pode fazer num dia ou num tempo em que os pensamentos falham e as palavras não querem fluir?
Aguardamos vocês, desejando que ocorra o fluir das sensações, oportunidade de transpor os limites impostos pela falha do pensar em palavras.
Ignácio Paim Filho
Diretor científico da FEBRAPSI
Cláudia Carneiro
Diretora de Publicações e Divulgação da FEBRAPSI
Veja a programação do encontro em Campinas:
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