Ressonâncias do XXVII Congresso Brasileiro de Psicanálise:
As estranhas inconfidências dos psicanalistas brasileiros
[…] primeiro tem de transportar-se para esse sentimento, evocar dentro de si a possibilidade dele (Freud, 1919).
Ainda sob o impacto das reverberações do nosso congresso ocorrido em Belo Horizonte, atrevemo-nos a dar palavras às múltiplas sensações pelas quais fomos tomados. Queremos falar dessa sensação que é a palavra, algo inapreensível. Com a ideia de apreender parcialmente esse algo, o sinistro, começamos a desenhar uma breve narrativa, partindo do pressuposto de que primeiro temos de nos transportar para o sentimento…
Vivemos dias intensos durante o congresso, instantes propícios a ressoar os férteis e estranhos pensamentos da Berggasse 19 em nós. As ideias inconfidentes de Freud fizeram-se presentes e ocuparam um lugar de ponto de ancoragem para que pudéssemos revisitá-las. Tal qual um conquistador, ou ainda, um aventureiro, Freud (1926) se fez presente, com os atributos que nos possibilitaram ampliar ideias e dialogar com vários pensadores, na esteira do Estranho e sua marca indelével da alteridade.
Não foi uma visita qualquer. Ela se fez em profundidade e na vitalidade do Das Unheimliche, no interfluxo entre o familiar e o não familiar. Esse movimento é facilitador de costuras entre seus segmentos, tendo como interlocutora a metapsicologia com seus assombros. A sublime perplexidade do além do belo provoca o movimento psíquico, palco instigador para transportar-se para esse sentimento e evocar dentro de si a possibilidade dele.
No cenário do congresso brotaram-se confidências, e com seu caráter disruptivo lançaram as bases para uma interação criativa e consistente entre clínica e social. Criamos pontes e fomos além do dialogar. Todos legitimamos o congresso brasileiro de psicanálise como um espaço de escuta, de reflexões e proposições sobre as dores da alma, do individual ao coletivo. Mas o fizemos a partir de nossas próprias dores, como sujeitos e como analistas de uma contemporaneidade que segue mantendo o seu pacto com a barbárie, como disse Freud (1938). Essa contemporaneidade que contempla explicitamente o inquietante em nós, com uma extrema e apropriada delicadeza dos sentidos (Freud, 1919).
Nesse processo que julgamos ser um retorno coletivo a Freud, fomos rabiscando, quem sabe, desenhando com traços marcantes um lugar próprio para a psicanálise brasileira, rompendo com as amarras da nossa submissão – herança de um Brasil escravocrata que se tornou escravo de si mesmo – e ousando criar pensamentos. Trabalhamos arduamente para dar início a fundamentações que possam fazer do Inconfidente um conceito, o qual cremos ser indissociável do Estranho. Afinal, ser inconfidente é marca por excelência do inconsciente, portanto, da psicanálise.
É tempo de ratificar a máxima freudiana: O pai morto torna-se mais forte do que o fora vivo (Freud, 1913). Sim, há uma força compartilhada que nos permite impetrar o ato simbólico do assassinato, fazer a refeição totêmica, incorporar e, por fim, fazer da identificação o motor para avançarmos juntos, rumo ao desconhecido, no intercâmbio entre a memória do passado, a instantaneidade do presente e a inexistência do futuro.
Para finalizar essa breve narrativa sobre as vicissitudes de nosso XXVII Congresso Brasileiro de Psicanálise, registramos as palavras de Freud e sua sinalização sobre a importância de termos espaços para compartilhar ideias:
[…] a comunicação das minhas descobertas desagradáveis teve como resultado a ruptura da maior parte dos meus contatos humanos; senti-me como se fosse desprezado e universalmente evitado. Em minha solidão fui presa do anseio de encontrar um círculo de homens de escol de caráter elevado que me recebesse com espírito amistoso, apesar de minha temeridade (Freud, 1926/Sociedade B’NAI B’RITH).
Que nosso encontro renda mais e mais frutos.
Ignácio Alves Paim Filho
diretor científico da FEBRAPSI
Cláudia A. Carneiro
diretoria de Publicações e Divulgação da FEBRAPSI