Médico, psiquiatra, psicanalista, analisando de Racker e de Meltzer. Foi o primeiro presidente latino-americano da Internacional Psychoanalytical Association (IPA). Membro fundador da Associación Psicoanalítica de Buenos Aires (APdeBA), veio a ser também seu primeiro presidente. Autor de numerosos trabalhos versando sobre diferentes temas da técnica psicanalítica e do clássico livro Fundamentos da Técnica Psicanalítica, publicado em vários idiomas, referência obrigatória em qualquer seminário sobre Teoria da Técnica. Profundo conhecedor da obra de Freud, Klein e pós-kleinianos, estudou por muitos anos a teoria de Lacan e os desenvolvimentos da epistemologia e suas aplicações à psicanálise.
Ricardo Horacio Etchegoyen nasceu em 13 de janeiro de 1919, na província de Buenos Aires, próximo à capital argentina. É o mais moço entre três irmãos. Seu pai era homem correto, justo, muito unido à mulher e aos filhos e dedicado ao exercício da medicina. Faleceu quando Horacio contava 5 meses de vida.
Em sua análise pessoal, Horacio Etchegoyen resgatou o pai em muitos sentidos, mas especialmente no ideal da precisão técnica em seu trabalho com os pacientes, e deu-se conta também de como a mãe o havia ajudado a manter o vínculo com o pai. Neste aspecto influíram também os seus tios Luisa e Edelmiro Palacios, segundo relata Zimerman em seu texto de apresentação do autor de Fundamentos da Técnica Psicanalítica (1989).
Ingressou na Faculdade de Medicina de La Plata em 1938, levando 10 anos para concluir o curso médico. A pressa nunca foi o seu forte, preferindo sempre a perfeição. Outras razões contribuíram para alongar a conclusão de seus estudos, como o casamento com Élida, estudante de Letras, a necessidade de trabalhar na Biblioteca da Universidade e sua dedicação à política estudantil.
O casal Etchegoyen teve três filhos: Alicia, Laura e Alberto. Durante seus estudos médicos, ele esteve em dúvida sobre clínica médica, anatomia patológica e psiquiatria. Chegou a publicar seu primeiro trabalho na área de anatomia patológica. Porém, quando cursava a disciplina de psiquiatria, constatou que esta era a área da medicina que mais lhe interessava e nesse período teve oportunidade de ler o primeiro número da Revista Argentina de Psicoanálisis, dissipando as dúvidas que lhe restavam.
Inicialmente, buscou análise pessoal com Lucio Rascovsky. Depois de um ano e meio de análise, interrompeu o tratamento por conselho de seu analista. Segundo David Zimerman, do ponto de vista da análise da transferência, repetidas vezes não se entenderam adequadamente. Sua segunda análise durou mais de sete anos e foi realizada com Heinrich Racker, sendo esta a influência mais importante para Etchegoyen. Ele diz, com bom humor, que Racker construiu sua teoria da contratransferência graças à sua análise.
Recebeu ainda influência de Pichon-Rivière, absorvendo os conhecimentos de psiquiatria dinâmica, especialmente o modo dialético de tentar integrar as antíteses e os dilemas opostos do doente mental. Sente-se grato a Marie Langer por ter-lhe ensinado muito bem o “ofício” de analista, depois aperfeiçoado. David Liberman e Léon Grinberg, antigos professores e supervisores, passariam a ser seus amigos e colegas.
Fez a formação psicanalítica no Instituto da Associação Psicanalítica Argentina em três anos, mas residia e trabalhava em La Plata. Quando chegava em casa, por volta de uma hora da madrugada, Élida o esperava com café pronto.
Sua análise estava por terminar quando surgiu a oportunidade de ingressar na Faculdade de Medicina de Mendoza como professor de psiquiatria (1957/58 a 1965). Conseguiu ali desenvolver uma importante escola de psiquiatria que veio a ser reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e iniciou as análises pessoais de vários médicos, dando origem à semente da atual Associação Psicanalítica de Mendoza. Por ser o único analista de Mendoza, à época, desenvolvia um trabalho pioneiro e complicado, pois se dedicava a várias atividades ao mesmo tempo.
Em entrevista a Emilia Cueto para o site www.elsigma.com, ele adverte: “Não é bom que o contato entre analista e paciente se faça fora da situação analítica”. No entanto, ele não dispunha de outro recurso. Em outra entrevista, comenta que Bernardo Arensburg, formado na Associação Psicanalítica Francesa, juntou-se a ele e foi quem nele despertou a curiosidade por Melanie Klein e Lacan (Stagnaro & Wintrebert, 2002).
Relata ainda que quando era professor de psiquiatria houve dificuldades com o establishment da faculdade, pois combatiam muito os psicanalistas como reformistas. Para eles, Etchegoyen era uma praga. Aprovado em concurso universitário e não tendo sido nomeado, determinou não só sua viagem de estudos a Londres – havia sido contemplado com bolsa de estudos pela OMS –como também seu posterior retorno a Buenos Aires e não mais a Mendoza.
Ficou em Londres durante o ano de 1966 trabalhando no Adult Department da Tavistock Clinic. Nesse período, assistiu a seminários com John Sutherland, John Bowlby e Henry Ezriel. Fez também re-análise com Donald Meltzer, com quem cuidou de questões “não resolvidas” com Racker. Ressalta que uma das características importantes do trabalho clínico de Meltzer era sua capacidade de deslindar as partes infantis das do adulto. Participou de seminários com Herbert Rosenfeld, Betty Joseph, Hanna Segal e Sidney Klein. Fez supervisão com Esther Bick, como relata Zimerman (Etchegoyen, 1989).
Ao voltar a Buenos Aires, fez seu trabalho para membro titular e depois analista didata, pertenceu ao grupo que mostrava descontentamento com algumas orientações da Associação Psicanalítica Argentina (APA). Foi o último presidente do grupo Ateneo e o primeiro da Sociedade provisória, a Associação Psicanalítica de Buenos Aires.
Ao relembrar a gestação de Fundamentos da Técnica Psicanalítica, relata que desde o começo da sua carreira analítica, na década de 50, sentiu-se atraído pelos problemas de técnica, tendo a sorte de realizar sua análise didática com Racker, que naquele período estava elaborando a teoria da contratransferência, e depois sua re-análise com Meltzer. Este, por sua vez, estava escrevendo O processo psicanalítico, enquanto Etchegoyen realizava as horas de supervisão com Betty Joseph, Money-Kyrle, Gringberg, Herbert Rosenfeld, Resnik, Hanna Segal, Marie Langer, Liberman, Esther Bick e Pichon-Rivière, ao longo dos anos.
Etchegoyen acrescenta também que em 1970 começou a ensinar teoria da técnica para os candidatos do quarto ano da Associação Psicanalítica Argentina e depois para os alunos da Associação Psicanalítica de Buenos Aires. O seu livro Fundamentos da Técnica Psicanalítica levou mais de cinco anos para ser concluído e tem como meta ajudar o analista “a encontrar seu próprio caminho, a ser coerente consigo mesmo” (Etchegoyen, 1985/1989).
Em 1991, foi eleito o primeiro presidente latino-americano da IPA, fato que mostrou que esta organização tornou-se receptiva à expansão da atividade psicanalítica na América Latina, colocando esta em pé de igualdade com as outras regiões.
Tecendo comentários, na época, a respeito da sua eleição como primeiro presidente latino-americano e o impacto sobre a organização e o futuro desenvolvimento da IPA, Etchegoyen ressaltou que “a psicanálise latino-americana tem-se mostrado capaz de assimilar diferentes teorias e perspectivas, com liberdade e ponderação… E ainda tem a seu favor o fato de não haver ficado demasiadamente atada às disputas escolásticas” (Revista Brasileira de Psicanálise, Vol. 27, nº 2, 1993).
Etchegoyen sente-se um analista de tendência Kleiniana. Entretanto, não se considera em posição de ter de defender a escola de Melanie Klein. Acredita que essa atitude não enriquece o pensamento psicanalítico e julga ser necessário compreender cada posição teórica e descobrir suas vantagens e desvantagens.
Creio que Etchegoyen é um excelente exemplo pessoal do modelo analítico da psicanálise latino-americana. Demonstra ser uma pessoa cuidadosa, criteriosa, mas não chega a ser dogmático. É um estudioso de outros referenciais psicanalíticos, sendo capaz de reconhecer suas contribuições, propiciando uma atitude integradora.
Em entrevista à Revista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (volume 3, nº 1, 2001), afirma considerar-se “basicamente um analista que teve que assumir cargos políticos importantes, mas não alguém com alguma verdadeira vocação”. Alega ter seguido o caminho de seu pai e seu irmão Juan Carlos, ambos médicos, sua grande vocação. A política é sua identificação com seu padrinho Horacio.
Ainda na referida entrevista, Etchegoyen acrescenta que a psicanálise passa por um momento difícil, mas quer ser otimista e acredita que haverá um retorno à psicanálise como instrumento indispensável para o desenvolvimento humano. E afirma: “Eu sou respeitoso àquilo que o paciente sente e quer, e ao que não quer e não pode, devolvendo a sua própria identidade; parece-me que isso é o típico da psicanálise, como grande instrumento da transformação e de hominização do homem” (ibid, p. 265).
É com imenso prazer que escrevo este texto, pois pude ter contato com Etchegoyen no 27º Congresso Latino-Americano de Psicanálise em Santiago do Chile (2008). Naquela época, com seus 89 anos, percebi-o uma pessoa simples, modesta, solícita e afetuosa. Relatei minha experiência no Boletim de Notícias do Núcleo Psicanalítico de Aracaju – NPA (Ano 8, nº20), que me fez lembrar dos versos do poeta Fernando Pessoa, capazes de expressar minha emoção e impressão sobre Etchegoyen: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive”.
Metaforicamente, Horacio Etchegoyen seria a representação da lua que, majestosamente, brilha envolta de mistério, simbolizando o conhecimento e a sabedoria, pois enche a noite de luz serena. Lua que sobrevive às trevas – ignorância – oferecendo luz e vencendo a noite, sendo inteira em tudo que é, assim como Etchegoyen o é em tudo o que fez e faz.
Pessoas como Etchegoyen são como a lua que, mesmo na noite mais escura, consegue com seu brilho terno e singelo iluminar a vida e abrir o caminho de muitos com poesia e beleza, apenas com a certeza de sua presença discreta e ao mesmo tempo imponente.
Referências Bibliográficas:
- BARROS, Elias Mallet e FIGUEIRA, Sérvulo. A IPA na America Latina. In Revista Brasileira de Psicanálise (vol. 27, nº 2), 1993.
- CUETO, Emilia. Entrevista a Horacio Etchegoyen, 2002. Disponível em: http://www.elsigma.com/site/detalle.asp?IdContenido=1812. Acesso em 20 de julho de 2009.
- ETCHEGOYEN, R. Horacio. Fundamentos da Técnica Psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
- STAGNARO, Juan e WINTREBERT, Dominique. Diálogos Psicanalíticos R. Horacio Etchegoyen e Jacques-Alain Miller. In Revista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (vol. 4, nº1), 2002. – (Entrevista publicada no livro Encuentro de Buenos Aires El efecto mutativo de La interpretación psicoanalítica).
- TRACHTENBERG, Ana. Entrevista R. Horacio Etchegoyen. In Revista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (vol. 3, nº1), 2001.
Resenha elaborada por Vanda Maria de Carvalho Pimenta, psicóloga, psicanalista em formação no Instituto da Sociedade Psicanalítica do Recife/Núcleo Psicanalítico de Aracaju.