(1922 – 2004)
Donald Meltzer nasceu em Nova Iorque, terceiro filho de uma família de judeus provenientes da Lituânia. Casou-se três vezes, teve três filhos e três enteados. Estudou medicina em Yale e se especializou em psiquiatria em St. Louis, quando teve acesso ao trabalho de Melanie Klein. Esse primeiro contato com a psicanálise o motivou a ir para Inglaterra em 1954 para começar sua análise com a psicanalista, onde se filiou à Sociedade Britânica de Psicanálise. Posteriormente, ao decidir por sua permanência na Inglaterra, Meltzer conseguiu a cidadania inglesa. No início dos anos 80, devido a discordâncias ao modo de treinamento e seleção dos candidatos, Meltzer se desfiliou da sociedade e estabeleceu uma espécie de sistema de ateliê para seleção e discussão em grupo para a formação dos candidatos.
Seu artigo, “Towards an atelier system” apresentado na Sociedade Britânica em 1971, foi considerado subversivo justamente porque afirmava que as instituições eram úteis em sua função de mantenedoras, mas que a verdadeira formação psicanalítica era dada entre os indivíduos através de grupos de trabalho, na própria definição de Bion, sem uma excessiva pressão de sucesso ou conformação com os valores e ideais de uma instituição psicanalítica.
Meltzer, inicialmente, trabalhou tanto com adultos como com crianças, tendo como sua supervisora inicial Esther Bick. Clinicou em Londres e Oxford até a sua morte em 2004. Como conferencista e professor atuou principalmente na Europa e América do Sul, ao lado de sua terceira esposa a também psicanalista Martha Harris (1919-1986). Alguns cursos regulares foram estabelecidos na Itália, França e Argentina, através da idéia de grupos de trabalho para a formação psicanalítica. Além disso, Meltzer ministrou seminários, supervisões e conferências em São Paulo e Porto Alegre, sendo que da ultima vez que esteve em são Paulo foi editado o livro Meltzer em São Paulo.
Para Meltzer, a psicanálise possui um desenvolvimento lógico interno, tendo como eixo principal as idéias de Freud, Abraham, Klein e Bion. Em uma série de leituras realizadas para os estudantes de Tavistock, denominadas Desenvolvimento Kleiniano, Meltzer traçou uma série de modelos do funcionamento psíquico utilizados clinicamente desde Freud, passando por Klein até Bion. Bastante influenciado pelo pensamento kleiniano, tanto Meltzer como Harris eram admiradores do trabalho de Wilfred Bion, principalmente das idéias relacionados ao trabalho em grupos e à natureza do pensamento e ambos encorajaram seu retorno para Londres no final de sua vida.
Em sua obra, Meltzer afirma que o papel principal da psicanálise – sua superioridade metodológica em relação a outros métodos de indagação e investigação, como a arte, a filosofia e a teologia – encontra-se em um único ponto: na sua capacidade de investigar a maneira como duas mentes podem trabalhar de forma cooperativa, para sondar-se, descobrir a si mesmas, entre si. Na obra A apreensão do belo (1998), Meltzer afirma que a beleza da investigação psicanalítica está justamente “na maneira como ela capacita duas pessoas a terem a conversa mais interessante do mundo, hora após hora, durante anos, e ter que desistir da conversa lamentando tal fato, devido ao imperativo da realidade psíquica”.
Para ele, essa investigação, muitas vezes emperrada em preconceitos terapêuticos de toda ordem, passa justamente pelo aprofundamento da atividade mental, por meio, principalmente, de um olhar estético da experiência, como forma de tornar simbólico aquilo que é matéria ou apenas sensorial. Essa captação estético-simbólica passa pela aproximação do imaterial, do “mistério inerente à transformação das emoções em sonhos”, e se torna instrumento capaz de fecundar e fazer nascer a vida mental do “outro através de mim”.
Nesse sentido, a imaginação e a curiosidade são indispensáveis como pontos fundamentais do funcionamento mental. É através desses “motores”, dessa imaginação criativa, que se pode construir os elementos do mundo interno. Para Meltzer, por exemplo, a relação mãe-bebê se estabelece a partir de construções estéticas; de um trabalho criativo do bebê de imaginar o interior desconhecido da mãe, e da própria mãe de receber e povoar esteticamente o mundo interno da criança de modo criativo. Essa reciprocidade estético-emocional é fundamental dentro do desenvolvimento da criança.
Por outro lado, Meltzer descreve habilmente o processo de invasão, destruição e controle do mundo interno e suas fontes de violência. Em Claustrum, o psicanalista demonstra como o uso do mecanismo da identificação projetiva pode invadir, através de fantasias maciças, o corpo da mãe e aprisionar emocionalmente o indivíduo no tipo de funcionamento mental ligado às características que a parte do corpo da mãe adquiriu em sua mente.
De acordo com Meltzer, a prática clínica é sempre mais avançada do que a teoria psicanalítica. Apesar de fazer uma série de críticas ao pensamento de Freud, o psicanalista britânico procura fazer justiça ao Freud clínico, ao artista e ao poeta em Freud que o colocou sempre para frente. Por isso mesmo, o trabalho clínico e de supervisão sempre foram objetos principais de interesse de paixão de Donald Meltzer, tanto que, desde sua primeira obra O processo psicanalítico, fez questão de frisar a beleza do método psicanalítico.
Bibliografia
- MARCO, Orlando de (2009). Donald Meltzer – A apreensão das emoções. In: Coleção Memória da psicanálise: psicanalistas contemporâneos. São Paulo: Duetto Editorial.
- MELTZER, Donald (1994). Apreensão do belo. São Paulo: Editora Imago.
- MELTZER, Donald (1997). Sinceridad y otros trabajos – Obras escogidas de Donald Meltzer. Buenos Aires: Patia editorial.
- FRANÇA, Maria Olympia A.F. (2004). As individualidades de Freud, Klein e Meltzer na apreensão do fato psíquico. In: IDE – Revista da Sociedade de Psicanálise de São Paulo. Junho, 2004, nº 39.
- Site: http://myweb.tiscali.co.uk/meghwilliams/hmt/AboutDonaldMeltzer.htm, visitado em dezembro de 2009.
- SOCIEDADE de Psicanálise de Porto Alegre (2004). Revista de Psicanálise – Homenagem a Donald Meltzer. Dezembro/2004. Volume XI.
Resenha elaborada por Pedro de Andrade Calil Jabur, membro do Instituto de Psicanálise Virgínia Leone Bicudo, da Sociedade de Psicanálise de Brasília.