E agora?

Observatório Psicanalítico – 98/2019

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo. 

E agora? 

Rosa Reis (SPRJ)

O impacto do acontecimento na cidade de Suzano (SP) me deixou sem palavras e precisei de um tempo para questionar como isso foi acontecer aqui no Brasil. Sempre ficava triste quando recebia notícias desse tipo, vindas de fora. E parecia tão longe de nossa realidade. Acredito que muitos achavam que isso era algo impossível de ocorrer por aqui, afinal sempre fomos “um povo tão afetivo”. E agora? Agora acontece entre nós,  sendo considerado o maior massacre dentro de uma escola no estado. Os pais pensavam que na escola seus filhos estavam protegidos.

Pergunto: Como uma escola permite o livre acesso a qualquer pessoa nestes tempos de tanta violência ? 

A sensação é de dor. Há uma geração de órfãos: os pais precisam lutar cada vez mais para ganhar dinheiro, as escolas públicas perderam a qualidade de ensino que dava a base a qualquer pessoa estudar e buscar um lugar na sociedade, os hospitais sucateados não tem possibilidade de atender a população que não consegue pagar um plano de saúde.

O psicanalista Joshua Durban escreve no seu artigo O complexo de vitimador e suas vicissitudes no abuso de crianças:  “A saúde mental e a estabilidade de todas as sociedades se refletem na maneira como tratam seus membros frágeis e dependentes, aqueles que conduzem o futuro: seus filhos.” (2017)

Durban classifica os abusos em físico, psicológico, sexual, negligência e exploração. Define o abuso psicológico como falta de nutrição, de amor e de segurança à criança. Este tipo de abuso pode ser expresso através de desaprovações constantes, depreciação, humilhação, entre outros. Afirmando que o abuso ocorre quando não se oferece um ambiente para que a criança se desenvolva mental e/ou emocionalmente.

Perdemos a capacidade de empatizar com o outro? Hoje precisamos de leis para que um idoso ou uma grávida sentem num transporte público, essa era uma regra que nem se questionava. Precisamos agora de uma lei para que uma mulher amamente seu bebê em local público.

Algo tão chocante acontece e parece que precisamos somente achar rapidamente “o culpado”, pois assim a justiça será feita e poderemos seguir tranquilamente em frente, sem pensar como isso foi acontecer. Nessa lógica há a crença que o mal está no outro. Não paramos para pensar onde estamos falhando. Nossas crianças e adolescentes não vêem um sentido na vida, vivem o aqui e agora, pois é o que ainda lhes resta. Assim, se tornam presas frágeis para se filiarem a grupos que pregam o ódio, já que não se sentem pertecentes a outros grupos. 

Como consequência do abuso infantil Durban entende que “a criança sofre uma catástrofe interna em que os limites normais desmoronam. Confiança, esperança e crença em continência, continuidade e segurança são substituídos por violência e desespero. A criança internaliza, no cerne do seu self despedaçado, um objeto que não tolera nada que evoque infância. Noutras palavras, a vítima cresce como criança que se odeia e se ataca, ataca os outros e não acredita em limites, lei, continência, esperança, possibilidade de relação e/ ou de mudança.” 

E cita a fala de um paciente que diz: “Não há nada como ver uma pessoa viva, respirando num instante e, depois que a bala esmaga sua cabeça, ela desaparece, como se nunca tivesse existido. É uma viagem poderosa. Você vira Deus”.

Winnicott fala que no indivíduo saudável há uma integração. Assim, a pessoa consegue adquirir a capacidade de assumir responsabilidade pelos sentimentos e idéias, não precisando  projetar seus impulsos e pensamentos destrutivos no outro.

Comecei este ensaio falando em tristeza e dor. Agora vejo a comunidade de Suzano mostrando a importância do acolhimento e união o que aflora em mim um sentimento de esperança. Hoje, passado cinco dias, os professores e funcionários retornaram à escola para pensar como  receber os alunos na próxima semana. Avisam que não é obrigado a voltar, mostrando que sabem que cada um tem seu tempo para elaborar o luto e as sensações inimagináveis que todos passaram. 

Será que só nos momentos destas tragédias percebemos os valores que realmente dão sentido à nossa vida?  Não por acaso escolhemos uma foto que pede “segurança para nossas crianças e paz”.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores). 

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