“Se nada der certo” deveria ser “o que é dar certo no brasil? ”

Observatório Psicanalítico 12/2017

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.

 

“Se nada der certo” deveria ser “o que é dar certo no brasil?”

Ruggero Levy

 

A desastrada atividade “Se nada der certo” do Instituto Evangélico de Novo Hamburgo (IENH – RS) talvez denote a desorientação ética que vivemos atualmente em nosso país. Pelo que pude compreender esta escola pretendia levar os alunos a fazer uma reflexão sobre o que eles fariam caso não fossem aprovados no vestibular, trajetória usualmente buscada pelos estudantes de classe média e alta no Brasil. Entretanto, estes educadores conduziram seus alunos a uma confusão de valores, pois ao se imaginarem sem um curso superior, os jovens se fantasiaram com roupas de profissões de quem, por assim dizer, “não deu certo”: faxineiros, vendedoras de cosméticos, porteiros, etc. Ora, como não deram certo? Por que não deram certo? Na verdade, o que é dar certo, hoje no Brasil?

O ponto de partida para refletir sobre essa questão é a enorme desigualdade social que vivemos no Brasil há séculos. Então, podemos dizer que “não deu certo” um porteiro que trabalha de sol a sol para sustentar seus filhos e que logra que eles cresçam fora da marginalidade, estudem em uma escola pública e ganhem seu sustento de forma também digna, em carreira universitária, ou não? Claro que deu certo – e muito certo! -, pois teve que vencer inúmeras adversidades, assim como seus filhos, para terem uma vida pautada pelo bem.

“Dar certo”, do meu ponto de vista, é muito mais do que ter acesso a uma universidade ou a um diploma universitário. Penso que a reflexão sobre o que é “dar certo” em nosso país, além de considerar a enorme desigualdade social e, portanto, de oportunidades, deve ser pautada pela ética e não por conquistas acadêmicas ou financeiras. Por exemplo, duas das empresas de maior sucesso financeiro do Brasil, Odebrecht e JBS, verdadeiros conglomerados internacionais com faturamentos na casa dos bilhões de dólares tiveram êxito financeiro (eu não diria “deram certo”) às custas de vergonhosas negociatas, corrompendo políticos de todos os níveis de poder, de diversas latitudes nacionais e de variadas colorações ideológicas. Certamente tínhamos e temos entre os articuladores destas “tenebrosas transações” muito profissionais de nível universitário, graduados e pós-graduados. Isso é “dar certo”?

Do ponto de vista ético – praticar aquilo que é considerado o bem dentro de uma determinada comunidade -, o porteiro acima referido deu muito mais certo do que estes abastados empresários, réus confessos, possuidores, muitos deles, de diplomas das melhores universidades do mundo.

Desvalorizar, tirar o valor humano, de porteiros, faxineiros, empregadas domésticas e, a priori, valorizar qualquer outra profissão é puro preconceito.
Mas tenho outra preocupação. No ambiente dicotômico que vivemos hoje no Brasil, no clima do “nós e eles”, verdadeira cisão em que o mal é projetado no outro e o sujeito acredita-se portador do bem e da verdade absoluta, incapaz de reconhecer suas faltas, seus erros e suas transgressões, temos que cuidar para não crucificar estes jovens. Temos que cuidar para não subirmos no pedestal da superioridade moral e apontarmos para eles como se fossem os portadores da vergonha. Estamos vivendo hoje no Brasil uma espécie de “macarthismo moral” prontos sempre a perseguir moralmente “aquilo que não é espelho”, numa forma de pensar simplista, por vezes fanática, avessa às complexidades da realidade.

Estes alunos são jovens de classe média e média alta – e isso não é pecado – vítimas da desorientação ética que hoje vivemos. A escola, falando genericamente, é que tem o dever de fazer reflexões éticas mais profundas e medir as consequências das atividades que propõe a seus alunos.

 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores).

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