Sobre a variedade das pessoas que falam a língua portuguesa. Sobre o paraíso são os outros

Observatório Psicanalítico 04/2017

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.

 

Sobre a variedade das pessoas que falam a língua portuguesa. Sobre o paraíso são os outros

Miguel Sayad, desde Lisboa, inspirado e expirado pelo vídeo baseado na obra de Walter Hugo Mae.

 

A língua que falamos, de certo modo, nos fala ? determina a cultura e o modo de expressão verbal e plástica que nos delimita o pensamento e a emoção ?

“Aguardarei, desconfiada. Não aceito as coisas à pressa. Preciso pensar.”
Mas pensamos em língua portuguesa, pois não ?

Ora, o paraíso é um engana-os-submetidos, pacificando-os à alternativa do extermínio doloroso. Submetendo-os à língua, (ao império) ou sacrificando-os em suplício, do alentejo à calicute, da a guiné bissau ao brasil – a mesma língua das grandes navegações e do império ultramarino. “tudo por causa do amor” !? à cristo !? ao nosso senhor !? ao rei de portugal !? o rei de nossa língua !? Que o digam “os levantados do chão”: livro de saramago, talvez essencial, como pré operatório do 2 congresso de países de língua portuguesa. Como “o jacaré”, ao paraíso “amo-o mas é melhor não chegar perto”.

O grande potencial de expansão da psicanálise não está em suas teorias do desenvolvimento nem em chegar ao paraíso, mas no seu método : associação livre: refazer o inconsciente na consciência, isto é, levar à linguagem falada, compartilhada, os nexos desfeitos e refeitos em novas e falsas conexões.

“o corpo é minha casa” e em minha casa falo eu por meu corpo, minha boca, minha língua, tantas vezes cortada para que a jornada para o paraíso não seja pervertida : a língua dos negros, índios e escravos. A esperança em psicanálise (e na nossa cultura) é o reconhecimento dos bichos ferozes que somos, o reconhecimento do que fizemos em ato ou em desatino. 
O testemunho e a reparação são as vias de reconstrução de um novo, renovado, mundo interior e principalmente do mundo em que vivemos, o mundo entre nós.
Há que ficar, atento, à espera , “ pois grandes são os que se corrigem”: percebo ! mas compreendo que os pequenos não são menores, pois se não, já vamos nós embarcar nas grandes navegações e no grande império ultramarino de novo : lá vamos nós no caminho do paraíso outra vez !! 
A re visão conservadora nos atinge a cada esquina, ou quina, do império. 
Império da força e da espada, do capital, e . . . da cruz : de malta. aquela que o maltes carrega em todos os alentejos do império, pelo mundo à fora.
Falo em língua portuguesa, que é a que importa aqui, mas que é como todas as línguas, “sem afinação mas canto assim mesmo, adoro cantar”, “usar uma meia de cada cor, uma branca outra vermelha”, canto homem, canto mulher, mas não se deve bater nem matar, como se fazia antigamente hoje em dia, para tudo se igualar no paraíso.

Depois, sempre tem um paraiso para depois,
vemos essa história de maltes como pobre sem rumo que fica mal encarado e precisa de roubar ou esmolar mas também os cavaleiros de malta, malta a serviço do paraiso conquistador à força da espada e da violência “pacificadora”, em nome do império.

Freud tem um texto simples, mas definitivo, sobre a importância reveladora das palavras antitéticas: “nos sonhos manifestos qualquer elemento pode ter também o significado de seu oposto”. 
Assim, “contrários não são mantidos separados, mas tratados como idênticos”.

E se fico na solidão, ao contrário da perda do sentido, é a capacidade de sustentá-la, como ao vazio que a acompanha, a oportunidade de renovar, a partir da espontaneidade radical, o potencial criativo que não se submete às regras do paraiso.

Assim, a esperança é ficar à espera do momento de um novo começo, em que a esperança no paraiso é perdida para sempre. agora e na hora da nossa morte.

Como a tristeza é o testemunho de nosso mal, feito e causado aos outros, a alegria, a alegria da tristeza, é o reconhecimento e o testemunho deste mal feito e a possibilidade de sua reparação pela aceitação radical dos outros em nós mesmos.

A alteridade do meu eu, a minha radical alteridade, é a possibilidade do reconhecimento do mal em mim mesmo: da língua, inconscientemente ou conscientemente, falada em mim. 
Em nós mesmos. . . . 
e ficamos tristes por não podermos fugir de toda a maldade do mundo por que ela está em nós.

Sempre teremos saudades da ilusão, que em todos nós se constitui com força e evidência e verdade, de termos um pai onipotente e protetor que nos indica, ainda que a ferro e fogo , o caminho do paraiso, e como um ganho secundário ainda extermina nosssos irmãos maus.

saudade, 
sodade

“preciso pensar
aguardarei, desconfiada. não aceito as coisa à pressa. preciso pensar .”

 

Os textos publicados refletem a opinião de seus autores.

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